Gloria in excelsis Deo – 4 aprendizados na história natalina de Lucas 2

Nossa história começa com homens simples. Lucas, o evangelista registrou o grande anúncio da nascimento do filho de Deus feito por seres celestiais no seu livro (Lc 2.1-14). Mas este grande anúncio foi feito a pastores. Trabalhadores braçais. Homens que tinham mãos e joelhos calejados pela dureza do serviço; rosto cortado pelo frio e pelas madrugadas acordados; cheiro de animal nas roupas, nas mãos e nos cabelos. Homens do campo, simples, trabalhadores da Judeia, pequenos e desconhecidos no meio daquela sociedade já tão estratificada, tão cheia de camadas sociais. E o grande anúncio é dado a camponeses. Pense bem, aqueles homens não tinham ideia do que estava por vir. Estavam apenas vivendo sua vida normal: mais uma noite de trabalho. Imagino que depois de realizarem suas tarefas, adentrando a vigília da noite, conversavam os assuntos corriqueiros de uma vida sem grandes aventuras. Esse era o dia a dia deles. Não estavam no centro do mundo e nem buscavam coisas extraordinárias demais para si. Eram pastores. Cuidavam de ovelhas.

O texto então nos diz que numa dessas noites normais, um anjo lhes apareceu. Diz que muita luz invadiu a cena: a glória de Deus encheu o pasto; encheu aquele campo frio onde estavam e um anjo lhes apareceu!

Você já viu um anjo?

Imagina como seria ver um anjo? Como você reagiria? O que você diria para ele?

Anjo é a palavra grega para “Mensageiro”. Eles aparecem desde cedo na Bíblia. Suas manifestações são chamadas de “angelofania” e, na maioria das vezes, eles se trasvestiam de nossa humanidade e se manifestavam como homens, sendo capazes, inclusive, de comer, beber, dormir e até lutar. Temos exemplos na visita dos anjos a Ló, ou a Abraão e Sarah, ou mesmo na luta com Jacó, para ficar apenas no livro de Gênesis. No Novo Testamento, o autor aos Hebreus nos encoraja a ser hospitaleiros e diz que muitos, sem saber, já hospedaram anjos em sua casa (Hb 13.2).

Mas também temos descrições espantosas desses seres celestiais. Em Isaías vemos esses seres chamados “serafins”, que assistem diante do trono de Deus. Seres com 6 asas, 2 cobrindo o rosto; 2 cobrindo os pés e 2 para voarem. Eles clamavam, diz o texto: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos. O texto diz que tinham mãos (usaram as mãos para trazer uma brasa), tinham pés (com asas), tinham rosto e tinham voz; também diz que voavam! Já o profeta Ezequiel fala de querubins. Esses são seres mais estranhos ainda. Em Ezequiel 10 lemos que esses seres tinham 4 asas e 4 rostos: um rosto de querubim; rosto de homem; rosto de leão; rosto de águia. Todo seu corpo, costas, mãos e asas eram cheios de olhos; o tatalar de suas asas faziam um barulho estrondoso. Em apocalipse 4 lemos sobre seres viventes que têm 6 asas, cheios de olhos, e sem descanso clamam “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus todo Poderoso”. O texto bíblico ainda fala de “vozes como de muitas águas; como de trovões”.

Não sabemos como era o anjo que apareceu aos pastores. Mas sabemos que eles tiveram MEDO. Não só era algo inesperado, mas uma experiência nova, completamente arrebatadora. Tiveram medo. Mas atentaram ao que os anjos tinham a dizer. Ah, era de grande importância. Eles estavam cumprindo o papel principal deles: Mensageiros. Esses anjos trouxeram uma mensagem do Céu. Eles trouxeram um EVANGELHO, uma boa nova de grande alegria e disseram: É que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o SALVADOR, que é Cristo o Senhor.

Veja como foi a anunciação dos anjos! Eles falaram de uma boa nova, de um evangelho, que envolve um menino nascido na cidade de Davi, conforme prometido nas Escrituras, que é o Ungido de Deus, o Cristo, conforme prometido nas Escrituras, e que é o Salvador e Senhor dos homens, conforme prometido nas Escrituras. Imagine quantos séculos se passaram até que este grandioso dia chegasse. Os seres celestiais que assistem na presença de Deus, incansavelmente, puderam descer à terra e proclamar diante dessas simples testemunhas o maior evento da história da humanidade. DEUS VEIO AO MUNDO! DEUS SE REVESTIU DE HUMANIDADE; SE FEZ SER HUMANO. Eles não podiam se conter e fizeram o que lhes é próprio: Adoraram! Surgiram agora em milícias, milhares de milhares rasgando o Céu negro e iluminando aquele campo, naquela madrugada nos arredores de Belem e clamaram: GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS A QUEM DEUS QUER BEM!

Note a mensagem dos anjos. Não é aos homens de boa vontade, mas aos homens a quem Deus quis derramar sua graça; note bem, a iniciativa é de Deus. É ele quem dá a paz pela vinda de seu filho.

Ao anunciarem essas coisas, mandaram os homens conferir: “Vão. Vocês irão ver a criança na cidade de Davi, envolta em faixas e deitada numa manjedoura”.

Eles foram. Apressadamente. Correram para lá. Eles deixaram a cena dos anjos, não fizeram altares e nem chamaram o povo para ver o lugar dos anjos; não ficaram tomados pela curiosidade e nem pensaram em lucrar com a experiência religiosa; não se tornaram gurus e guias dos homens, porque testemunharam o poder de Deus; não resolveram escrever um livro best seller sobre “A vinda do anjo”, mas saíram dali apressadamente! Eles correram para ver o Cristo e encontram com uma pequena criança. Viram o próprio Deus encarnado, o Deus que se fez homem, Deus que se humilhou e nos buscou em nossa humanidade, em nossa queda, em nosso pecado, em nossas contradições, em nossas alienação dele mesmo. Ele veio atrás de nós e se fez como nós mesmos, vindo em humildade, subvertendo a lógica deste mundo.

Os pastores contaram aos pais de Jesus e a quem mais estivesse lá o que viram e ouviram e agora voltaram para casa, felizes, glorificando a Deus pelo que viram e ouviram. Não mais pela aparição dos anjos, mas pelo Deus homem que contemplaram; não mais o clamor dos anjos, mas o Cristo, o Salvador.

Que dia fantástico foi aquele para aqueles homens. Eles nunca mais seriam os mesmos. Eles ouviram o evangelho, eles viram Jesus, eles viram o salvador e glorificaram a Deus.

E voltaram para casa. Voltaram para suas rotinas. Voltaram a pastorear ovelhas. Quem sabe, entre uma vigília e outra da noite, recontando a história. Quem sabe, já depois de velhos, ao lado de uma fogueira crepitante, contando aos seus filhos e netos o que viram e ouviram.

E essa história perdura, até hoje, tantos séculos depois.

Desde que Cristo nasceu, a proclamação dos anjos tem sido repetida e a história de como o criador dos céus e da terra se humilhou e se fez homem nos é contada. Como aprender desta história?

Algumas lições deste grande evento:

1. A Glória do Senhor vai nos encontrar onde estamos. Os pastores foram achados onde estavam. Assim é que Deus nos acha. Onde estamos, do jeito que estamos, como somos. Não será tanto pela experiência religiosa arrebatadora; não será nem mesmo em nossa busca frenética; a verdade é que não experimentaremos felicidade e glória longe de Deus. Agostinho de Hipona percebeu isso em sua linda oração, registrada em suas Confissões. Veja o que ele percebe:

Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez… “Fizeste-me entrar em mim mesmo… Para não olhar para dentro de mim, eu tinha me escondido. Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo, a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo eu estava”. Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha cegueira. Exalaste Teu Perfume e respirei. Tu me encontraste onde eu estava. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Provei-Te, e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. “Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo”. Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor! Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora 

2. Os anjos assistem a glória do Senhor. Os anjos glorificam a Deus porque Deus é digno de ser louvado, adorado e glorificado. Esses seres celestiais assistem na presença de Deus e não podem fazer outra coisa, senão, incansavelmente adorá-lo. Somos chamados a ser adoradores de Deus, como fazem os anjos, desde que foram criados. O apóstolo Paulo nos ensina que glorificamos a Deus com nossas vidas. Quando nos relacionamos com as pessoas e em nosso “comer e beber”. De manhã quando pedimos um pão e um café na padaria, quando beijamos nossos filhos e cônjunges, quando, ao longo do dia, exercemos nossa vocação e trabalho, quando olhamos com compaixão a necessidade do próximo, quando participamos da vida da cidade, quando nos condoemos com a dor de quem sofre e agimos, quando “amamos o nosso próximo”. Também glorificamos a Deus na experiência do culto, no exercício da nossa espiritualidade quando nos reunimos para cultuar, a cada domingo. Quando fazemos isto, devemos ter a noção muito clara que o Deus trino, Pai, Filho e Espirito Santo está ouvindo e recebendo as palavras de adoração: Mais ainda, ele vê nossos corações. Ele sabe como estamos diante dele. Ele sabe se nossa adoração é tradição, é costume, é hipócrita, é vazia… ou se é sincera, real, experiencial – como a dos anjos que conheciam a DEUS. Como eles, aliás, somos chamados a conhecer a Deus, a contemplá-lo e adorá-lo e glorifica-lo. Para isso precisamos amá-lo, pois não conseguiremos adorar a Deus como os anjos fizeram se não o amarmos!

3. O Evangelho é que Deus se fez homem, nasceu neste mundo e veio resgatar o pecador. Os anjos disseram que a boa nova é que nasceu o salvador. Isso aponta para nossa necessidade de salvação. Precisamos ser resgatados, precisamos ser salvos, precisamos da ação de Deus em nossas vidas. Os anjos sabiam disso e anunciaram. Como aqueles pastores, precisamos do mesmo anúncio. Precisamos de um salvador. Temos corrido para Cristo, como fizeram os pastores? Note que após correrem para Cristo eles passaram a glorificar a Deus. Somos chamados a glorificar a Deus, mas não seremos capazes de fazê-lo sem nos encontrarmos com CRISTO primeiro. Lembra que quando seus pecados te esmagarem, te fizerem sentir vergonha ou derrota, você pode correr para o salvador, humilde, o bebê que veio para salvar as pessoas de si mesmas, de seus pecados e alienação de Deus, para salvar seu povo dos pecados deles.

4. Aqueles pastores voltaram para casa. Voltaram para seu ofício, para seu pastoreio, para noites tediosas, frias e com cheiro de animal. Conhecer a glória de Deus não fará de nós algo diferente do que somos. A redenção funciona assim: Somos reconectados com Deus e com nossa própria humanidade. Somos santificados para nos tornarmos melhores versões do que já somos. Somos chamados a glorificar a Deus fazendo o que fazemos, sendo quem somos, mas agora renovados em nossa mente, coração e vontade. Agora, ligados ao bebê que nasceu e nos chama para um novo relacionamento com ele mesmo e com nosso próximo. Somos os mesmos mas não somos os mesmos. Não precisamos nos tornar sacerdotes, ministros, teólogos, missionários. Podemos continuar na mesma vocação – se esta glorifica a Deus; podemos seguir o nosso rumo, mas agora com o referencial de uma vida voltada para Deus, de uma vida que volta para a mesma casa todos os dias mas que enxerga Deus e o glorifica. É isso que o Natal de Cristo faz quando Cristo nasce nos nossos corações.

Por: Tiago Santos. © 2016 Voltemos ao Evangelho. Original: Gloria in excelsis Deo – 4 aprendizados na história natalina de Lucas 2.

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