Um blog do Ministério Fiel
Moby Dick – Romances seculares que recomendamos [1]
Se seu objetivo é escrever o Grande Romance Americano, tenho más notícias para você. Herman Melville realizou essa façanha há mais de um século, quando escreveu Moby Dick.
A magnificência de Moby Dick está em seu incomparável simbolismo teológico que Melville espalhou abundantemente por todo o romance. Por exemplo, considere seu uso dos nomes bíblicos dos personagens, como Ahab [Acabe], Ishmael [Ismael], Elijah [Elias] e navios como Jeroboam [Jeroboão] e Rachel [Raquel].
Os estudiosos de Melville divergem acerca do significado simbólico do personagem central do romance – a grande baleia branca Moby Dick.
Muitos argumentam que ele[1] simboliza a encarnação do mal. Ahab certamente sustenta essa visão, uma vez que ele é movido por um ódio monomaníaco por essa criatura que comeu sua perna e deixou-o permanentemente avariado no corpo e na alma.
Outros estudiosos estão convencidos de que a baleia simboliza o próprio Deus. Sendo assim, a busca de Ahab por ela não é uma busca justa por Deus, mas o esforço natural inútil do homem, em seu ódio a Deus, para destruir a divindade onipresente.
Fico com essa última perspectiva.
Creio que Moby Dick contém o mais poderoso capítulo já escrito da língua inglesa: “A brancura da baleia”. Aqui encontramos insights sobre o profundo simbolismo de Melville na medida em que ele explora como a brancura é usada na história, religião e natureza. Os termos que ele usa para descrever a aparência da brancura nessas áreas incluem furtividade, espectral e horror transcendente, bem como suave, respeitável e puro. Melville escreve:
Mas ainda não resolvemos a magia dessa brancura, e nem sabemos por que tem um apelo tão poderoso na alma; e ainda mais estranha e muito mais prodigiosa – por que, como vimos, é ela simultaneamente o símbolo mais significativo das coisas espirituais, o próprio véu da Divindade Cristã; e, contudo, o agente intensificador nas coisas que mais aterrorizam a humanidade.
Será que, por sua indefinição, ela obscurece os vácuos e as imensidões impiedosas do universo, e dessa forma nos apunhala pelas costas com a idéia da aniquilação quando contemplamos as profundezas brancas da Via Láctea? Ou será que o branco, em sua essência, não é uma cor, mas a ausência visível de cor, e, ao mesmo tempo, a fusão de todas as cores; será que são essas as razões pelas quais existe um espaço em branco, repleto de significado, na ampla paisagem das neves – um ateísmo sem cor e de todas as cores do qual nos esquivamos? […] E de todas essas coisas a baleia albina é o símbolo. Surpreende-te ainda a ferocidade da caçada?[2]
Se a baleia personifica tudo o que é simbolizado pela brancura – aquilo que é aterrorizante; aquilo que é puro; aquilo que é excelente; aquilo que é medonho e espectral; aquilo que é misterioso e incompreensível – não personificaria ela aqueles atributos que são encontrados nas perfeições do próprio Deus?
Quem sobrevive à busca hostil por um ser desses? Somente aqueles que experimentaram a suavidade da graça reconciliadora conseguem olhar para o poder avassalador, soberania e imutabilidade do Deus transcendente e encontrar paz, em vez de um impulso por vingança.
Leia Moby Dick, e depois leia-o de novo.
[1] Moby Dick é uma baleia macho (Nota do Tradutor).
[2] MELVILLE, Herman. Moby Dick. Cosac Naify, 2014 (edição Kindle, posição 3361). Tradução de Irene Hirsch.