Fé cristã e arte: uma introdução

De um tempo para cá, nós, cristãos brasileiros, temos experimentado uma espécie de avivamento em nosso interesse pela cultura. Algumas áreas da vida, antes relegadas ao esquecimento, têm tido sua existência redescoberta e se tornado objetos de reflexão. Uma dessas áreas é a da estética, que compreende, de maneira mais imediata, a nossa experiência das artes. Neste texto, e em alguns que virão em seguida, pretendo apresentar, em forma de esboço, alguns princípios gerais de um entendimento cristão dessa experiência.

Em termos gerais, podemos definir a arte como a expressão humana de uma dimensão da realidade: a da beleza. Quando criou todas as coisas, Deus trouxe à existência uma realidade que é, dentre outras coisas, bela. É por essa razão que, além de entender e explicar a realidade à nossa volta, podemos contemplar esta realidade e nos encantar com ela. Além disso, por que fomos criados à imagem e semelhança de Deus, somos seres criativos e podemos atuar sobre a realidade criada por Deus, recontando e recriando essa realidade a partir de nossa imaginação. Isso é o que chamamos de arte: o exercício e o produto da criatividade humana, que resulta na expressão da beleza da realidade, que, no fim das contas, é a beleza de Deus.

Hans Rookmaaker, um filósofo da arte que tinha o pensamento cristão como matriz, costumava dizer que a arte não precisa de justificativas. Essa frase, que dá nome a uma de suas obras já traduzidas para a língua portuguesa, acabou se tornando uma espécie de mote através do qual ele expressava que, ao contrário do que costumamos pensar, o valor da arte não está no uso pragmático que fazemos dela, seja ele pedagógico, econômico, político ou religioso.

Deus deu à humanidade a capacidade de fazer coisas belas, de compor músicas, escrever poemas, fazer esculturas, decorar coisas. As possibilidades artísticas estão aí para serem atualizadas, realizadas por pessoas e receberem formas concretas. Deus deu essas coisas à humanidade e seu sentido está exatamente no aspecto de dádiva, (…) mas se a arte possui, dessa forma, seu sentido como criação de Deus, não precisa de justificativas. Sua justificativa é ser uma possibilidade dada por Deus (ROOKMAAKER. The christian and art. p.333-334).

A arte possui, portanto, valor intrínseco. Sua legitimidade não depende de seu uso litúrgico ou evangelístico, mas de ser, ela própria, expressão da beleza de Deus. Aqui, precisamos fazer duas ressalvas. A primeira é que uma visão cristã da arte não ignora a possibilidade de seu uso pragmático. Frequentemente, determinada manifestação artística, como a música por exemplo, pode ser utilizada pedagogicamente, numa sala de aula do Ensino Médio; economicamente, numa propaganda comercial; politicamente, numa campanha eleitoral; ou religiosamente, como veículo de adoração em um culto público. Ela apenas sustenta que não é este uso que a legitima. A segunda é afirmar o valor intrínseco da arte não implica afirmar a sua autonomia absoluta, ou seja, que o terreno da arte seja o espaço para o exercício completamente livre da criatividade humana. É o que veremos no próximo artigo, semana que vem!

Por: Filipe Fontes. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Fé cristã e arte: uma introdução.