Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários

O melhor no Salmo 23, como na vida, é reservado para o fim. Aqui, a metáfora clássica de pastor e ovelha é insuficiente para descrever a riqueza do relacionamento entre o Senhor e seu povo, então a metáfora muda para a de anfitrião e convidado. Mais precisamente – já que esse quadro não é de uma festa comum – a metáfora retrata um grande rei dando as boas-vindas ao seu vassalo à sua casa como seu honrado convidado para a festa.

Este contexto real explica a presença dos inimigos de Davi como observadores na festa. Nós normalmente não convidamos nossos inimigos para nos verem comer, e podemos, em outra ocasião, considerar a presença deles como uma maneira de estragar nossos apetites. No entanto, neste cenário, a sua participação indisputada na festa é a prova importante de uma mudança decisiva no equilíbrio de poder, agora que o grande rei finalmente chegou. Por muito tempo, os inimigos de Davi zombaram dele e de sua confiança em Yahweh, e Davi não teve forças para superá-los. Durante anos ele gritara: “Até quando, SENHOR? Esquecer-te-ás de mim para sempre? … Até quando se erguerá contra mim o meu inimigo”? (Sl 13. 1–2). Muitas vezes deve ter parecido a Davi e ao mundo que o observava, como se o Senhor realmente o tivesse esquecido e permitido que seus inimigos se regozijassem em triunfo.

As aparências enganam. Com a chegada do grande rei, a justiça é finalmente feita: Davi é justificado e mostrado ser aquele a quem o Senhor ama e se deleita em honrar, enquanto seus inimigos se mostram impotentes e envergonhados. O Senhor prepara um banquete fabuloso para Davi e o recebe como convidado de honra no banquete. A fidelidade aos termos da aliança merece e recebe um convite para um lugar de honra à mesa do rei, enquanto os inimigos do salmista são julgados e achados em falta. A parábola que Jesus contou sobre as ovelhas e os bodes similarmente combina as metáforas de ovelhas e pastores com as do rei que hospeda um banquete (veja Mt 25). Lá, também, as ovelhas fiéis são convidadas a receber sua recompensa enquanto as cabras infiéis são lançadas na escuridão.

Mas esta última distinção entre o vassalo fiel e o inimigo infiel – entre os convidados a participar da festa e aqueles deixados de lado impotentes e em desgraça – levanta uma questão no coração de cada crente: Por que eu seria convidado como convidado de honra para uma tal festa reservada aos fiéis servos do rei? Afinal de contas, nossa obediência é esporádica na melhor das hipóteses e, frequentemente, muito menos do que deveria ser. Nós frequentemente e deliberadamente voltamos as costas para a obediência e nos juntamos aos rebeldes na adoração ávida de seus ídolos. Em vez de amor e misericórdia constantes, nós merecemos a maldição da aliança de Deus para nos perseguir todos os dias de nossas vidas.

É aqui que a beleza da salvação imerecida que é nossa no evangelho brilha com tanta clareza. Pois Jesus Cristo, o Filho do Grande Rei, veio e viveu em nosso lugar a vida perfeitamente obediente que deveríamos ter vivido. Em vez de recompensá-lo com honra e glória, o Pai entregou o Bom Pastor nas mãos de seus inimigos, de modo que ele clamou nas palavras do salmo precedente: “Deus meu, Deus meu†, por que me desamparaste? Por que se acham longe de minha salvação as palavras de meu bramido”? (Sl 22. 1). Na cruz, Jesus incorporou o símbolo supremo de um homem sob a maldição de Deus. Seu testemunho não era de abundante comida e relva verde, mas fome e sede, de modo que sua língua grudasse no céu da boca. Sua experiência na cruz não era da presença reconfortante do Senhor com ele no vale da sombra da morte, restaurando sua vida, mas do abandono e do desamparo, à medida que sua vida lentamente se dissipava. Não havia bordão e cajado no Calvário para consolá-lo e protegê-lo de todo mal; em vez disso, Ele foi entregue ao aperto zombador de seus inimigos para ser atormentado e torturado. Em vez de morar na casa do Senhor, na cruz ele foi desamparado na escuridão para morrer sozinho, abandonado.

No entanto, o seu abandono é o fundamento da nossa esperança. Temos muito mais razões do que Davi para declarar com confiança: “não quero” e “não temerei mal algum”. Nosso Pastor entregou sua vida por nós e foi ressuscitado dentre os mortos, envergonhando nosso último e maior inimigo – a própria morte. Agora, Jesus permanece como o anfitrião da grande festa, o rei que foi antes para preparar um lugar para nós na casa de seu Pai. Se o nosso caminho atual nos leva através de pastos verdejantes e águas tranquilas ou serpenteia através da escuridão do vale da sombra profunda, podemos estar confiantes nisso: Jesus prometeu nos receber em seu reino no último dia, lá para um banquete à sua mesa, junto com todos os seus santos de muitas nações, vindicado na presença de todos os nossos inimigos. O Senhor é de fato nosso Bom Pastor.

Por: Iain Duguid. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: You Prepare a Table for Me in the Presence of My Enemies.

Original: Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.