Um blog do Ministério Fiel
Responsabilidade civil da liderança – sim, ela existe!
Este artigo contém partes do livro: Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas, de Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina. Publicado com permissão.
Claro que a velha acusação: “todo pastor é ladrão”, não passa de uma demonstração de desgosto e mesquinhez contra a igreja brasileira. Entendemos que todo o pastor, vocacionado por Deus para o ofício pastoral, resume sua vida a obedecer aos mandamentos bíblicos, servir sua comunidade de fé, e nutrir a Igreja por meio do ensino das Sagradas Escrituras. Um pastor vocacionado não é ladrão – e para aqueles que se valem da figura pastoral como meio para chegar em um fim ilícito, o estatuto da Igreja possui expressa previsão para tratar sobre o tema e refrear o ato que, além de pecaminoso, é uma afronta às disposições oficiais de cada organização religiosa.
Toda organização, inclusive a religiosa, deve ter um ou vários líderes, que são descritos em termos jurídicos no Estatuto Social como diretoria ou sinônimo qualquer. Esta diretoria pode ser capitaneada por um presidente ou qualquer outro nome que o estatuto venha a designar. A obrigação legal da existência de uma diretoria se dá pela necessidade da organização religiosa se relacionar com o Estado e com a sociedade política organizada, fazendo-o por via desta representação, decorrendo daí o Direito Eclesiástico.
Em alguns casos, a diretoria é eleita e possui mandato temporário, outras vezes a diretoria é perpétua, sendo eleita apenas quando da fundação da organização religiosa. Ainda, a diretoria pode ser nomeada, enfim, o fato é que não existem regras jurídicas ou legais para a formação de uma diretoria eclesial. Os mais desavisados podem citar as disposições do Código Civil, mas convém lembrá-los de que a organização e estruturação interna das organizações religiosas é livre, conforme já referido (art. 44, § 1º do CCB), pelo menos em solo brasileiro.
O sistema de crenças é a fonte primária de qualquer organização religiosa, estabelecendo assim a premissa básica da direção e administração da Igreja. Exemplo básico é a própria Igreja Católica Apostólica Romana, que tem como seu líder, Sua Santidade o Papa, o Vigário de Cristo na Terra, tendo mandato perpétuo e sendo infalível quando em sua Cátedra. Poderia citar muitos outros exemplos, mas para evitar tautologias, reiteramos que são a crença e a fé da confissão que estabelecem tais premissas e não o ordenamento jurídico imanente.
A diretoria, uma vez eleita ou designada nos termos acima escandidos, possui atribuições e obrigações na forma do Estatuto Social que a vincula. O Código Civil Brasileiro estabelece que é a pessoa jurídica da organização religiosa que responde pelos atos de sua diretoria. Reza a lei: “Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”[1].
Caso a diretoria, porém, desborde de suas obrigações estatutárias, descumprindo o corpo canônico da organização religiosa que dirige e, inevitavelmente, sua fonte primária, ou seja, seu sistema de crença e fé, deverá responder por tais descumprimentos, tanto interna quanto externamente, se tal extrapolação de poderes causar danos.
Com a inequívoca demonstração pela organização religiosa, o dirigente faltoso deverá responder pessoalmente, com o seu patrimônio pessoal, os danos que causar a terceiros. Cumpre lembrar que se o dirigente, dentro de suas prerrogativas estatutárias e canônicas praticar qualquer ato que prejudique a terceiro, e estiverem presentes os requisitos da responsabilidade civil subjetiva, quais sejam, ato ilícito, dano causado e nexo de causalidade, quem deverá responder é a organização religiosa, nos exatos moldes do artigo 47 do Código Civil Brasileiro.
Quando a diretoria estatutária agir em abuso da personalidade jurídica, causando desvio de finalidade ou confusão patrimonial, a responsabilidade civil poderá ser estendida aos bens particulares da diretoria, na hipótese em que o patrimônio da organização não foram suficientes para cumprir o contrato ou indenizar prejuízos que causar.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Conceituando o desvio de finalidade previsto no artigo supra, ocorre quando as atividades praticadas pela organização religiosa se desviarem da finalidade proposta em seu estatuto social. Na ocorrência de prática de ato ou negócio que desvie da finalidade estatutária da Igreja, os diretores estatutários responderão por ele ou pelo prejuízo que causarem a outrem, com patrimônio particular.
Já a confusão patrimonial ocorre quando um ou mais membros, com evidente intenção de se isentar de responsabilidade por compromissos ou obrigações assumidas pela Igreja, transfere bens desta para outra instituição ou para si, esvaziando o patrimônio da organização, para então não ter como responder por seus débitos ou prejuízos causados. Configurando-se como a outra hipótese legal que o patrimônio da diretoria poderá responder pelo débito impago.
Compreensível? Bastante. Agora você sabe como responder aquele seu amigo falastrão. A organização religiosa legítima mantém em seu escopo a ordem e as medidas a serem tomadas em qualquer ato que desvie a finalidade essencial da Igreja, no seu Estatuto Social, e corroborada com previsão legal nos instrumentos civis da República Federativa do Brasil.
[1] BRASIL. Vademecum Saraiva, op.cit., p.166.