Trabalho com crentes e com descrentes: tem diferença?

“Trabalho não é fruto da queda. Ele já existia antes e era algo belo e útil que Deus nos deu. A ordem de cultivar e guardar o mundo é anterior à queda. Mas a queda faz com que aquilo que seria tranquilo e a apenas recompensador, se torne árduo e frustrante.” Rev. Emilio Garofalo Neto no sermão “Dando Trabalho”, baseado em Eclesiastes 2.18-26

Nos meus 13 anos trabalhando, eu já trabalhei de diversas formas. Sendo ainda descrente, já convertida mas trabalhando com descrentes, e, mais recentemente, atingi o “sonho profissional do cristão”: trabalhei com crentes e para crentes. Assim que encerrei as atividades nessa última empresa, eu abri um documento e comecei a escrever este texto. Eu espero que ele te encoraje e te ajude a repensar a sua relação com o trabalho. No final eu indico livros e sermões que foram essenciais para mim nessa caminhada profissional.

Sou formada em Comunicação Social, portanto, assim como você, enfrentar ideologias ofensivas ao cristianismo é algo que fez parte da minha formação acadêmica informal. Contexto dado, hoje eu não vim aqui falar de estudos. Quero apenas pincelar que se você ainda está estudando, lembre que esse é o seu trabalho, ok? Faça com excelência. E as coisas que vou falar são relacionais e de experiências que eu vivi, mas se aplicam a você também nesse seu trabalho que é estudar e estagiar tendo que lidar com pessoas todos os dias.

Trabalhando longe de Deus

O sentido do meu trabalho era eu.

Nos meus anos de faculdade, estágio e primeiro emprego, eu ainda vivia como uma descrente. Não vou contar a minha melhor história ainda, a da minha conversão. Era assim que eu vivia nos meus trabalhos: ora com a certeza de que trabalho era um fardo que eu tinha que carregar para ganhar dinheiro e ora com a certeza de que o trabalho era minha identidade e o que me definia. O sentido do meu trabalho era eu. Meu senso de responsabilidade, dedicação em aprender e comprometimento sempre foram muito bons. Isso pela graça comum de Deus na educação que recebi, mas não pelas razões corretas no meu coração. Desde os estágios eu era aquela que é a primeira a chegar e a última a sair, que dava o meu máximo para o trabalho preencher todos os meus vazios, e isso demorou para mudar mesmo depois da conversão. E, como todo bom ídolo, o trabalho me decepcionou e frustrou inúmeras vezes em formas de chefes, colegas, resultados e dinheiro. Quando o fim do trabalho é a gente mesmo nada nunca estará bom. Vaidades de vaidades.

O trabalho do descrente não é pior do que o de um crente, eu fui uma excelente profissional mesmo afastada de Deus e conheci pessoas descrentes cujo trabalho admiro até hoje. Mesmo em termos de conduta e resultados, o trabalho de um ímpio pode ser muito melhor que o de um crente. O cristão não ganha excelência profissional meramente por ser cristão e, infelizmente, pode decepcionar bastante se estiver com a teologia quebrada. O assunto dá muita letra para texto, mas neste eu estou falando é do nosso coração no lidar com pessoas (eu fico repetindo isso é para mim mesma, senão eu entro em outro assunto e isso aqui vira um livro).

Convertida e trabalhando com ímpios

Falar mal de crente e fazer piadas pesadas com Deus é o que mais os diverte.

Se você já leu outros textos meus, vai lembrar que em “Os dedos falam do que está cheio o coração” eu comentei sobre os anos em que eu ficava feliz em encontrar nas postagens do Facebook os irmãos sendo luz enquanto eu estava trabalhando no meio de pessoas que diariamente ofendiam meu Senhor. Nesse emprego parecia que falar mal de crente e fazer piadas pesadas com Deus é o que mais os diverte. Hoje eu entendo que temos que olhar essas pessoas como Jesus olharia e agir como Ele agiria, sabendo que um dia Ele mesmo virá e tornará essa diversão em dor e sofrimento eterno e isso não deve aliviar nosso senso de justiça, devemos é lamentar. Não acho que devemos nos acostumar com essas ofensas, somos chamados a lutar o bom combate. Mas temos que ser sábios, estudar e conhecer sobre apologética e cosmovisão reformada para descansar nosso coração e responder o que precisa ser respondido, calar quando nenhuma palavra será útil e orar sempre.

E ser crente trabalhando com descrente é sempre ser alvo de “isso porque é crente”. Para descrentes cada falha nossa é uma vitória desse discurso e, se não tivermos nossa teologia alinhada, isso pode nos levar a reações bastante erradas. Não gosto que usemos a graça e a misericórdia de Deus como desculpa para errar. Quando alguém diz “isso porque é crente” temos que primeiramente reconhecer que sim, falhamos. Estamos sempre dando testemunho do evangelho, de algum modo. Às vezes nosso testemunho será justamente acerca de como Deus age em favor de nós mesmo com nossas falhas e incredulidade. Se até um descrente percebeu que não agimos como um crente é porque fomos falhos em espelhar a Cristo. A reação é se arrepender, pedir perdão em oração a Deus além de a todos os que ofendemos com nosso erro, mesmo ímpios. Mas, apesar de não podermos usar a graça como desculpa, não podemos nunca perder de vista que Deus é gracioso e misericordioso e que somos salvos apesar de nossas atitudes. Somos salvos unicamente por causa do sangue de Cristo que nos tornou seus filhos, e isso tem que ser lembrado e espelhado também. Nossas falhas também testemunham o quanto todos precisam de Deus. Esse que diz “isso porque é crente” não é pior que nós e pode vir a Cristo como nós viemos.

Trabalhando com irmãos em Cristo

Deus é maravilhoso em destruir nossas idolatrias.

Totalmente diferente?

Não exatamente.

Nos últimos três anos eu trabalhei numa empresa cristã, para cristãos com todos os funcionários sendo irmãos. Ah, então foi tudo perfeito, né? Não.

Não foi perfeito porque nós, mesmo como crentes e mesmo sabendo tantas coisas, também esperamos atitudes diferentes dos nossos irmãos. Quando eles nos frustram parece que é muito pior, pois deles não esperávamos, dos outros sim. Mas Deus é maravilhoso em destruir nossas idolatrias.

Trabalhar com cristãos é tão difícil quanto as outras situações que citei acima. Por exemplo, você está prestando atendimento aos clientes da empresa (que são crentes também) e eles te respondem com grosseria, falta de educação e soberba. Eu resolvia essa parte já começando com um “Irmão, então…” para lembrar o cliente quem ele é e quem eu sou, a situação permitia, e funcionava. As bases do outro é a mesma que a sua? Então você pode e deve usar a Bíblia com ele. Vou pular muitos detalhes.

Tive a grata oportunidade de trabalhar com uma equipe inteira de IRMÃOS em Cristo. E o que isso mudou? Mudou que até hoje, fora desse trabalho, eu fico esperando oração antes e depois das reuniões. Foram muitas admirações, exortações e decepções. Deus permitiu tudo isso para me mostrar e me lembrar que apesar de cristãos, ainda somos caídos, falhos e decepcionantes mesmo. E o que diferenciava essa equipe de pecadores redimidos de estar em equipes de pecadores mortos é que nós sempre devemos lembrar que acima de colegas de trabalho e chefia, éramos irmãos em Cristo e devíamos saber como nos exortar, nos arrepender de nossos erros e perdoar uns aos outros. Visivelmente é isso que nos diferencia, entende? Não é nossa capacidade de não errar e sim nossa capacidade de nos arrepender em Cristo e perdoar.

Muitos cristãos pensam que sua espiritualidade não tem nada a ver com outras áreas da sua vida, como a sua profissão. Felizmente o povo de Deus tem acordado para uma cosmovisão reformada, que mostra a integralidade da vida. Ser cristão deve nos fazer profissionais diferentes, sejamos nós fazendeiros, advogados, policiais. Os donos de empresa que são cristãos têm de refletir sobre como suas práticas refletem sua fé, seja no que diz respeito a impostos, salários justos e pagos em dia, qualidade de serviço e trato com funcionários e público.

Independente de onde você trabalha, para quem e com quem, seja sábio e paciente. Nunca se esqueça que você trabalha primeiramente para Deus e isso deve ser feito com diligência, responsabilidade e excelência. Que Deus seja glorificado através do seu trabalho, em cada ligação, em cada embalagem, em linha desenhada, em cada limpeza feita, em cada tabela preenchida e em cada palavra dita ao irmão de trabalho.

Bom trabalho!

“O eleito de Deus, se tropeçar e cair no pecado, cedo ou tarde se levantará e retomará o caminho da santificação, arrependido e disposto a não mais pecar. Quem vive na prática do pecado, sem arrependimento e disposição para abandoná-lo, não pode dizer que é salvo e filho de Deus.” Rev Augustus Nicodemus em um post.


Não acabamos. Sugiro que daqui você coloque fones de ouvido e comece a escutar os sermões em Eclesiastes do Rev. Emilio Garofalo Neto. Inclusive, você pode ouvir enquanto faz algo mais manual do seu trabalho:

Difícil de Traduzir e Dando trabalho

Indico os livros:

Como integrar fé e trabalho, do Timothy Keller e Katherine Leary Alsdorf

Perspectivas bíblicas sobre negócios

Por: Ana Paula Nunes. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Trabalho com crentes e com descrentes: tem diferença?