O transcendente que inspira o direito religioso

Você acompanha nossos escritos sobre Direito Religioso aqui no blog. Há quem pergunte por qual razão um ambiente como o Voltemos ao Evangelho disponibilizaria um de seus espaços de produção de conteúdo para temas como esse. Diante de tais reflexões, vale explicar a fonte de nossa inspiração.

Vivemos em uma geração incrível de conhecimento teológico: tanto naqueles que estão interessados em aprender, quanto aqueles que foram vocacionados por Deus para ensinar. Entendemos que a vontade de Deus está presente em toda a Criação, desde os nossos hábitos, até áreas complexas que foram saturadas pelo mito da anti-religiosidade. O Direito é uma delas.

Aquilo que nós temos em nossa mente, a saber, capacidade de pensar e sistematizar conteúdos que são relevantes para nossa formação (para que os diferentes departamentos de nossas vidas sejam atendidos) são presentes dados por Deus, frutos de sua graça aos homens. É por isso que a transcendência é considerada pelo Professor Allister McGrath como um fenômeno persistente, que além de inspirar, está presente e sustenta as diferentes pautas do estudo humano: “Apesar de tudo, continuamos a falar sobre Deus. Mesmo em épocas aparentemente sem Deus, ele permanece como uma presença atraente, impossível de ser erradicada pela mais cruel das ideologias ou dos mecanismos tecnológicos.”[1]

Estaria Deus presente no que hoje se consolidou como Direito Religioso? Não seria uma instituição criada por homens que deixam de visar ao eterno? A resposta para a primeira pergunta é sim, e para a segunda é não. Para responder à primeira pergunta precisamos ver o objeto de estudo deste ramo do Direito. O Direito Religioso perpassa pela história da Igreja, aponta valores extraídos das Escrituras como fonte de direitos e garantias fundamentais, explica porque os cristãos estão, em sua grande maioria, protagonizando conquistas que representam o fornecimento de civilidade e dignidade para homens e mulheres.

Além disso, ele reforça que o objetivo da Igreja está no âmbito da transcendência [1], e explica os riscos de um Estado que submete seu corpo político ao total secularismo. Diante de muitos ataques por parte de diferentes esferas contra a liberdade religiosa, e sobretudo, contra a liberdade de ser cristão, consideramos que Direito Religioso é um instrumento de Deus para proteger esse direito fundamental, já que, nas palavras de Tomás de Aquino, citado por McGrath: “Cada intelecto naturalmente deseja a substância divina[2].

É exatamente por tal motivo ora citado que o direito de crer faz parte do arcabouço da dignidade da pessoa humana e precisa estar devidamente organizado, e até ser uma matéria de estudo pré-requisito na formação de profissionais do direito – para que não manejem a Constituição, as leis e os decretos a seu bel prazer, aos líderes eclesiásticos – para que não sejam vítimas de qualquer arbitrariedade por parte do Estado, aos fiéis – para que estejam prontos para defender sua fé livremente no Estado democrático de Direito.

O argumento central a ser apresentado é que a religião parece ser um aspecto natural e inevitável da vida humana e da cultura, apesar dos experimentos modernistas em engenharia social visando à sua eliminação em determinadas regiões. A onipresença da religião desde as primeiras eras da história da civilização humana até o presente é notável, indicando, entre outras coisas, um interesse duradouro e transcendente […] e seu potencial impacto sobre a vida e pensamento humanos.[3]

No mesmo sentido, o direito de viver uma experiência epifânica deve ser protegido. Primeiro, porque somos feitos a imagem e semelhança de Deus. Segundo, porque diante das intempéries da vida, e de séculos permeados por diferentes tipos de sofrimentos, um olhar que “transcende o comum[4] é essencial para que os homens sobrevivam mental e fisicamente. O epifânico é um momento que vem revelando “algo que parec[e] ter um imenso significado[5].

O direito à experiência transcendental, seja através de uma visão sacramental ou de epifanias e demais manifestações sensíveis, dentro de uma comunidade de fé que busca o bem comum é objeto de proteção por parte de uma sociedade que valoriza a espiritualidade. O dever de viver sua expressão religiosa contribuindo para o interesse público por parte das organizações também mostra o quanto a via é de mão dupla: todos cuidam de todos.

Destarte, os leitores precisam entender que Deus nos deu instrumentos para proteger a dimensão terrena da Igreja. Sua natureza é o céu – o que representa o fim último para o qual nos fomos criados – mas isso não é sinônimo de irresponsabilidade ou negligência diante das ferramentas que temos em mãos. A liberdade religiosa deve ser vista como um assunto passível de explanação, essencial no processo de conscientização e instrumento para sanar alguns problemas internos e externos que algumas comunidades de fé vivem em suas rotinas.


[1]MCGRATH, Allister. Teologia natural: uma nova abordagem. São Paulo: Vida Nova, 2019. p. 33

[2]AQUINO, Tomás de. Summa contra gentiles, III, 57. Apud MCGRATH, Allister. Teologia natural: uma nova abordagem. São Paulo: Vida Nova, 2019. p. 38.

[3]MCGRATH, Allister. Teologia natural: uma nova abordagem. São Paulo: Vida Nova, 2019. p. 47-48.

[4]MCGRATH, Allister. Teologia natural: uma nova abordagem. São Paulo: Vida Nova, 2019. p. 40.

[5] Ibidem.