Sobre ruínas e glória

Abra bem os olhos e você verá.

Ela está ali, escondida entre os escombros de um mundo caído, mas nunca deixou de existir.

Na verdade, quanto mais atento você for, mais perceberá que ela não está tão escondida. E quanto mais você começar a notar suas pequenas manifestações, maior facilidade terá para perceber a sua presença no mundo.

Estou falando da beleza.

Entre sentimentalistas e cínicos

Algum romântico poderia dizer que só há beleza no mundo, mas o fato de você estar preso em casa por causa de um vírus deveria ser suficiente para demonstrar o contrário.

Os sentimentalistas vivem em Gênesis 1 e 2, contemplando um mundo em que “tudo é muito bom”, mas sem perceber falhas. Normalmente, são atropelados pela realidade, ou vivem fugindo para um mundo ilusório.

Algum cínico poderia dizer que a beleza é uma ilusão — tudo é ridículo e absurdo, nada faz sentido, e é melhor que você aceite logo isso para conseguir viver. Curiosamente, essas mesmas pessoas possuem aspirações profundas pela beleza última, que disfarçam e evidenciam enquanto colecionam livros, buscam relacionamentos amorosos, apreciam música ou amam uma boa conversa.

Os cínicos vivem em Gênesis 3: tudo é Queda e feiúra. O mundo é obscuro e é melhor não se apegar muito a ele. Esses também deixam de perceber a realidade, pois estão ocupados demais com o seu pessimismo.

Sim, o mundo está em ruínas, mas são “gloriosas ruínas”, como diz a tradição schaefferiana. Há beleza, e ela está disponível para enriquecer a sua vida. Existe uma história inteira caminhando de Gênesis 4 a Apocalipse 22.

Contemplando a glória entre as ruínas

Abra bem os olhos: veja as cores do dia, o sorriso da sua esposa, a textura das árvores e o caminho das formigas.

Abra bem os ouvidos: ouça os timbres agudos nas expressões de seus filhos, a sinfonia no canto dos pássaros, e mesmo o ritmo orquestrado entre o motor e o limpador do pára-brisa do seu carro.

Há beleza nas coisas singelas da vida, e também nas experiências difíceis. Há beleza em um amigo consolando outro, em uma comunidade chorando a perda de alguém, em um homem suportando as dores para pastorear, prover e proteger sua família.

Apontando em uma direção

Mas o melhor da beleza é que ela nunca aponta para si, exclusivamente. C. S. Lewis nos lembrou:

Essas coisas — a beleza, a recordação de nosso próprio passado — são boas imagens daquilo que realmente desejamos, mas, se forem confundidas com a coisa em si, tornam-se ídolos mudos, partindo o coração de seus adoradores. Elas não são a coisa em si; são apenas a fragrância de uma flor que nunca encontramos, o eco de uma melodia que nunca ouvimos, notícias de um país que nunca visitamos. (O peso da glória, p. 24)

A beleza aponta para a Beleza última. Por isso, tudo o que aspiramos na busca da perfeição só pode ser satisfeito diante dEle. Por isso, podemos cultivar e expressar beleza em tudo o que fazemos, como forma de apontar para Ele.

Caminhamos, a partir de Gênesis 4, observando o gemidos de um mundo caído, mas também as lembranças da criação e a esperança da redenção. E tudo se encontra nEle. Há beleza no mundo, e a sua presença é uma forma bastante graciosa de Deus se manifestar.