Dúvidas que tenho sobre os liberais

Os liberais gostam de se apresentar como pessoas que não têm certeza de coisa alguma. Fiéis à incerteza, a qual consideram a essência da erudição, e convencidos de que a dúvida é a única postura intelectual e espiritual aceitável, olham com um misto de desprezo e piedade para os simplórios que manifestam ter certeza de alguma coisa no âmbito espiritual e teológico.

Concordo com os liberais que há muitas coisas no âmbito espiritual e teológico que permanecem em aberto e sobre as quais só é possível tecer conjecturas. Eu mesmo tenho muitas dúvidas. Uma parte delas é sobre as dúvidas dos liberais. Menciono algumas delas aqui:

1. Tenho dúvida se os crentes do Antigo e do Novo Testamento viviam nessa atitude de constante dúvida, sem jamais ter certeza das coisas relacionadas a Deus. Pelo que lemos, profetas e apóstolos falaram com plena convicção “Assim diz o Senhor” e estavam dispostos a morrer com essa declaração em seus lábios. Semearam a certeza que Deus havia falado e que sua vontade havia sido manifestada, e que era tão clara que o povo podia obedecê-la.

2. Eu tenho dúvidas se os liberais sabem direito o que fazer com passagens da Bíblia onde se encontram testemunhos de certeza, convicção e fé. Paulo, como os profetas do Antigo Testamento, estava absolutamente certo de muitas coisas acerca de Deus. Ele sabia em quem tinha crido, estava totalmente seguro de que sua mensagem era a mensagem definitiva da parte de Deus (Gálatas 1), sabia que ao morrer estaria com Jesus Cristo (Filipenses 1), para mencionar apenas uns exemplos que me ocorrem agora. João, por sua vez, escreveu seu Evangelho e suas cartas para que os leitores soubessem que tinham a vida eterna, aqueles que criam em Jesus Cristo (João 21; 1João 5). Já o escritor de Hebreus constantemente enfatiza a certeza dos cristãos (Hebreus 6.11; 10.22; 11.1).

3. Tenho dúvida se os liberais, quando assumem a cátedra em uma instituição de ensino teológico, tenham como objetivo contribuir humildemente para a formação teológica de seus alunos. Tenho dúvidas se a sua primeira ocupação não seja a de arrancar as certezas que porventura seus alunos crentes e ingênuos ainda tenham. Ao que parece, já que estão convencidos de que a certeza é fruto da ignorância, os liberais têm como alvo principal desconstruir a fé de seus pupilos, com o objetivo de torná-los eruditos, educados e acadêmicos, para que saiam das trevas da convicção para a luz das incertezas perpétuas. Não são poucos os relatos que conheço de crentes que após ingressarem em certos seminários e em cursos de teologia, passaram a não acreditar mais em nada – ou a viver em constante estado de dúvida quanto aos pontos fundamentais do Cristianismo, e sem referências morais.

4. Tenho dúvida se os liberais realmente acreditam em qualquer das verdades ensinadas pelo Cristianismo histórico. Uma vez instalados nas cátedras, os liberais começam explicando aos seus alunos que a ciência já demonstrou que a criação do mundo, os milagres e a ressurreição relatados na Bíblia nunca de fato existiram da forma como narrados. Ensinam que a exegese científica já detectou que os relatos dos Evangelhos refletem mais a fé das comunidades que os produziram do que a realidade dos fatos. Declaram ainda que as grandes doutrinas do Cristianismo, como a Trindade e a divindade de Cristo, são resultado da influência da filosofia grega, particularmente a platônica, no pensamento dos grandes teólogos cristãos que elaboraram os credos que servem de base para a Cristandade.

5. Também tenho dúvidas se após todo esse trabalho de demolição dos fundamentos da fé e da certeza, os liberais tenham alguma coisa para oferecer a seus alunos a não ser a sua própria dúvida e incerteza. Semeando a dúvida, fazem discípulos duas vezes mais cheios de dúvidas e incertezas do que eles.

6. Tenho dúvidas ainda quanto ao motivo pelo qual os liberais insistem em ficar dentro das denominações evangélicas, além da sobrevivência financeira, é claro. Talvez seja somente a tradição protestante. Talvez se considerem cristãos porque fazem parte de instituições que historicamente estão ligadas ao movimento cristão. Eles mesmos não estão certos quanto ao que a Bíblia ensina sobre Jesus Cristo, mas para eles isso não é importante. O que importa é pertencer à comunidade que historicamente vem se associando ao nome dele.

7. Será por isso que os liberais são ecumênicos? Eles acham que o Catolicismo romano, desde o período medieval até hoje, é uma expressão legítima do verdadeiro Cristianismo. Talvez a Reforma protestante, pela qual parecem pedir desculpas aos católicos por ter ocorrido, represente para eles um movimento dissidente motivado por questões políticas, econômicas e pessoais. Tenho dúvida se faça alguma diferença para os liberais o que os reformadores acreditaram ou não. Para eles, católicos e protestantes estão unidos pela tradição e pela história, e as diferenças doutrinárias entre eles, como a justificação pela fé, é resultado da ignorância e da arrogância daqueles que acham que podem alcançar a verdade com algum grau de certeza nesse mundo. Isso faz sentido, já que os liberais consideram toda certeza como fruto da ignorância e da arrogância. Somente os ignorantes e os arrogantes professam confiantemente pontos doutrinários acerca de Deus, de Cristo e do mundo e resolvem brigar por eles. Eles é que são os responsáveis pelas grandes divisões que existem no Cristianismo.

8. Duvido da dúvida dos liberais. Acho que está mais para falsa humildade e incredulidade travestida de postura acadêmica e científica. No final, os liberais têm um monte de certezas e convicções, a começar de que sua missão na vida é extirpar toda certeza. Duvido também que a dúvida deles um dia os conduza à verdade. Quem duvida em busca da verdade, quando a encontrar deve por coerência duvidar se realmente a encontrou. A sua busca nunca terá fim.

9. Tenho dúvidas se na raiz dessa atitude de incerteza perene se encontra uma atitude científica ou a nossa velha e conhecida incredulidade. Os que realmente contribuíram para a construção do Cristianismo foram aqueles que estavam certos daquele em quem tinham crido. Os semeadores da dúvida nunca deram realmente qualquer contribuição para o crescimento do Reino de Deus, para a plantação de mais igrejas, para a abertura de novos campos missionários, para a conversão de pecadores e para a reforma da sociedade.

10. Duvido da integridade intelectual de quem adota a dúvida como método para encontrar a verdade quando antes já tem alguma certeza – inclusive da existência de Deus. Somente agnósticos podem usar esse método de forma coerente. Teólogos cristãos, especialmente reformados, que adotam essa postura, são uma contradição em si mesmos.

Essas são minhas dúvidas quanto à eterna recusa dos liberais de afirmar alguma coisa com convicção. Não estou dizendo que podemos ter plena certeza de todas as coisas e que é possível ter uma explicação para tudo. Afirmar isso seria realmente arrogância e ignorância. Não estou negando a necessidade de termos uma mentalidade crítica e de submeter à análise todas as proposições e declarações na área de teologia. Por outro lado, há muita coisa da qual podemos ter certeza, se formos observar o testemunho seguro dos crentes do Antigo e do Novo Testamento.

Nem Tomé pode ser considerado o primeiro liberal, pois, tendo duvidado a princípio, afinal veio a crer na revelação de Jesus. A mente liberal, em contraste, é como uma boca aberta, que nunca se fecha sobre algo sólido para mastigar e alimentar-se. Afinal, a fé não é de todos.


Texto publicado originalmente em O Tempora, O Mores, em 2007.