Culto público e o direito religioso

Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina

Diante da iminência de grupos progressistas batendo na tecla da inclusão, a Igreja entra na baila como uma figura passível de perseguição [o que não é novidade] e é constantemente atacada como um ente “não inclusivo”. Até mesmo entre os próprios crentes, abre-se debates sobre se “pode e não pode” restringir-se cultos: desde a santa ceia [aonde determinadas confissões de fé delimitam o momento exclusivamente para os membros daquela congregação] até outros cultos ou eventos. Vamos responder à questão do ponto de vista do Direito Religioso. No quesito doutrinário, deixamos que cada confissão decida conforme seus dogmas, estruturando seus documentos, estatuto social, normas canônicas e assim por diante.

O culto público é, para a maioria das confissões religiosas cristãs de natureza evangélica/protestante, o ápice da vida espiritual. Para ali afluem tanto membros plenos quanto simpatizantes e visitantes, nas mais variadas cerimônias. Sempre que há aglomeração de pessoas há também o risco de situações que envolvam responsabilidade.

As cerimônias, embora na maioria públicas, encerram determinados atos, rituais e programações que podem permitir a participação de todos ou restringir alguns, seja pela falta de qualidade de membro pleno ou mesmo por estar enfrentando situação de disciplina eclesiástica. Tais fatos podem ensejar eventualmente a propositura de ações judiciais, buscando reparação por constrangimentos sofridos.

Bastante corriqueiros no observar do movimento evangélico brasileiro, especialmente no ambiente pentecostal e neopentecostal, o exercício de uma liturgia bastante peculiar, que pode ocasionar as mais variadas manifestações — por vezes controversas — envolvendo os ministros que presidem o ato e pessoas na audiência. Como exemplo, citamos o caso da jurisprudência abaixo, em que uma pessoa foi convidada a se retirar da reunião e intentou ação judicial posterior.

Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação indenizatória por danos morais. Retirada de fiel de culto religioso. Conjunto probatório que não permite concluir a favor de qualquer das partes. A responsabilidade civil extracontratual subjetiva pressupõe a existência de três pressupostos: conduta culposa do agente, dano e nexo causal entre ambos. Caso em que a prova coligida aos autos não é conclusiva quanto à causa e à forma da retirada do autor da igreja, o que torna absolutamente temerário, sob pena de materializar o injusto, concluir que uma ou outra parte tem razão. A monetarização de relações interpessoais em nada contribui para o apaziguamento de conflitos como o posto nos autos. apelação desprovida. (Apelação cível n. 70068005339 (Porto Alegre: Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS), Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 16/3/2016.)

Nesse caso, pode-se notar a devida cautela do julgador quanto ao fato trazido a conhecimento do Judiciário. Como padrão, entendeu que não havia verossimilhança no conjunto probatório apresentado, e, assim, nada que justificasse a necessidade de apuração de responsabilidade da organização religiosa, pautou sua conduta por atribuir a necessidade de averiguação de culpa, logo, pendendo para a responsabilidade subjetiva. Na mesma linha, o seguinte julgado:

Apelação cível. responsabilidade civil. ação de indenização por danos materiais e morais. agressão por membro da plateia contra artista. responsabilidade do município e da igreja, considerando ambos terem organizado conjuntamente o evento. ausência de segurança no local. dano moral caracterizado. quantum indenizatório mantido. danos materiais não demonstrados. autora que não comparece às perícias médicas agendadas. 1. Caso em que cantora/ acordeonista é agredida com garrafada atirada por membro da plateia durante evento musical público. Responsabilidade de ambos os réus pelo evento (Município e igreja), considerando que a organização se deu de forma conjunta. 2. Conforme vem entendendo esta Corte e o Supremo Tribunal Federal, quando há alegação de ocorrência de uma omissão específica do Estado, ou seja, quando a falta de agir do ente público é causa direta e imediata de um dano, há responsabilidade objetiva, com escudo na Teoria do Risco Administrativo e no art. 37, § 6.o da Constituição Federal. Regime de responsabilidade aplicável à igreja que é de caráter subjetivo, com base nos artigos 186, 187, e 927 do Código Civil. 3. Ausência de demonstração de que tenham sido tomadas medidas preventivas de segurança por parte dos organizadores visando à garantia da integridade física tanto dos membros do público, quanto da artista e de sua equipe. Culpa concorrente da vítima, que, mesmo ciente da ausência de agentes de segurança no local, desceu do palco e se misturou ao público, o que facilitou a atuação do agressor. 4. Dano moral verificado, consistente na agressão violenta proferida diretamente contra o rosto da cantora. Quantum indenizatório mantido, considerando o nível de contribuição das partes para o evento, e as suas consequências. Prejuízos patrimoniais que não restaram comprovados pela vítima, que sequer compareceu às perícias médicas para que fosse investigado o alegado surgimento de quadro de labirintite que teria a impedido de realizar shows. Sentença mantida. À unanimidade, apelos dos réus desprovidos. por maioria, apelo da autora desprovido. (Apelação cível n. 70059597187 (Porto Alegre: Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS), Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 4/2/2015, grifo dos autores.)

Mesmo quando o uso do templo serve para um evento de natureza cultural, a investigação do fato se dá de maneira subjetiva, buscando aferir o ato ilícito, o dano e o nexo causal para reconhecimento da indenização decorrente. Entendemos que a responsabilidade civil decorrente de situações envolvendo o culto público será sempre de caráter subjetivo, devendo-se levar em consideração a eventualidade de um ato ilícito, a devida constatação de dano e necessário nexo causal para estabelecimento de um liame indenizável.