Legado: Deus, você e eu

Legado é uma palavra bonita. A primeira vez que ouvi uma pregação que citava o assunto meus olhos brilharam. Segundo o pregador, eu só precisava encontrar a minha missão na vida e seguir em busca dela. Não demorou muito para minha mente me levar para uma cena em que as pessoas me aplaudiam enquanto eu atravessava descalça um braseiro. Sim, naquele tempo essa era a moda e a pregação tinha um foco antropológico, voltado para o homem.

Depois disso ouvi muitos pregadores citar o tal do legado. Também ouvi mulheres falando para mulheres como deveríamos conduzir a nossa vida para deixar um legado.

E com o passar dos anos a empolgação que senti na primeira vez que ouvi uma pregação falando sobre legado deu lugar a um incomodo. Até chegar, minhas irmã, a uma repulsa, confesso. Quando eu entendia que o pregador não estava sendo antropocêntrico, mas nos trazendo uma ideia de que precisamos arregaçar as mangas e trabalhar para o Reino, dentro de qualquer esfera que o Senhor nos designar, ainda me preocupava como a palavra em si chegava para os ouvintes.

Mas eu precisava analisar melhor…

No dicionário Michaelis encontrei, dentre outras definições, a que mais cabe aqui é “aquilo que se passa de uma geração a outra, que se transmite à posteridade”. Bom, a definição é clara, de forma que podemos pensar que é um termo neutro, ou seja, aquilo que vamos deixar pode ser bom ou ruim.

Diante da galeria dos heróis da fé, nos deparamos com Abraão e, de fato ele nos deixou um legado de fé. Na verdade, eu gosto de pensar que ele deixou um legado de progressão da fé. Ele não teve uma fé inabalável desde o começo. O Senhor havia prometido a ele que seria pai de uma numerosa nação (Gênesis 12) e logo em Gênesis 15 vemos a concepção de Ismael, que não era o filho da promessa. Mas a história de Abraão decorre e no capítulo 22 o Senhor o prova mais uma vez e aí sim, vemos um homem tranquilo e cheio de fé diante de uma situação insuportável para um pai, imolar seu único filho, aquele a quem ele amava (v. 2). Vemos a fé dele tão grande a ponto de ele tranquilizar a Isaque no (v. 8). Essa fé gerou legado entre o povo hebreu, até ser citado no Novo Testamento e chegar a nós.

Uma mulher de fé inabalável

Mais recentemente temos muitos exemplos de legado de fé que o Senhor tem nos deixado.

Elisabeth Elliot, com sua fé inabalável em meio ao sofrimento. Se você não leu ainda o livro “O sofrimento nunca é em vão”, te convido a ler. Nesse livro lemos o relato de uma mulher que experimentou sofrimento intenso e pôde escrever:

“Seja lá o que estiver no cálice que Deus está me oferecendo – dor, tristeza, sofrimento ou lamento, como também as superabundantes alegrias -, estou disposta a tomar, pois eu confio nele”.

Recentemente o Senhor levou para junto de si um outro homem que deixou um legado de fé:

“A Bíblia tem as respostas que precisamos e o Espírito Santo é o agente que pode nos transformar.” – Jay Adams

Precursor do Aconselhamento Bíblico,  nos fez redescobrir esse tesouro perdido dentro de nossas igrejas e, após ele, o Senhor tem levantado muitos homens (e mulheres também) a seguir o “fazei discípulos” e caminhar com eles por meio do discipulado, exercendo mutualidades dentro do corpo da igreja, confrontando mas também trazendo a esperança bíblica, sendo essa suficiente para todas as respostas para a vida, completando o Ministério da Palavra.

Mas meu ciclo de pensamento sobre legado se fechou quando, há umas semanas atrás, uma amiga me deu a “tarefa” de ler o livro “Deixe Deus escrever sua história” de Nancy DeMoss e Robert Wolgemuth, houve aquele momento em que a leitura do livro nos dá um “click” então eu entendi: a história não é minha, a história é de Deus. O Senhor está escrevendo a história dele por meio de nossas vidas. Ele escreveu a história dele por meio de Abraão, Elisabeth e Adams. Ele está escrevendo a história dele através da sua vida, leitora.

Mais um herói da fé

Lembrei-me do livro biográfico de um querido que também partiu para a glória esse ano, Sr Haroldo Reimer, fundador do Ministério Palavra da Vida Brasil, missionário norte-americano que veio ao Brasil evangelizar índios da região mato-grossense. O título do livro é “O canivete nas mãos do Mestre carpinteiro”. Ele fazia alusão ao fato de ter o talento para a carpintaria, ele mesmo havia feito camas, guarda-roupas, bancos da capela, caibros que são vistos até hoje na Estância e no Seminário Palavra da Vida Atibaia e que ainda servem aos seminaristas e aos irmãos que desfrutam de um tempo em família lá. Como o conheci pessoalmente durante nossas estadias na estância, eu costumava olhar suas mãozinhas que, agora frágeis, tinham construído um legado enorme. Muitos pastores que hoje temos como referência se formaram nesse seminário. Mas o título do livro já não remetia para ele mesmo, apontava para Deus. É Deus deixa seu legado não nós.

Por fim, hoje entendo que o legado não é nosso, o legado é de Deus por meio de nossas vidas. Ele nos deu dons e talentos para usarmos em nosso homem integral para louvor de sua gloria. A uns deu um dom, a outros deu vários, como lhe aprouve em sua soberania. Dentre nós, teremos aquelas pessoas que farão obras grandiosas, que falarão para multidões e serão muito conhecidas. À outras, o Senhor chamará a pregar o evangelho e discipular seus filhos e vizinhas, no seu mais completo anonimato. Mas esse é o legado que ele requer de nós, que sejamos fiéis a missão que ele nos designou, como bons despenseiros, para honrar e glorificar o nome dele, independentemente do tempo, do local e de como faremos. Dessa forma, o “eu” sai de cena e brilha aquele que deve reinar soberano em nossos corações e eternamente. Amém.