Perdão e abuso: Poder de Perdoar (Parte 5)

Na artigo anterior, concluí dizendo que acredito que o perdão – para aqueles que estão em Cristo – é obrigatório. Como aqueles que foram perdoados, somos chamados a perdoar. Não é fácil, mas pela graça de Deus, é possível.

Agora, você pode estar sentado aí pensando: Isso parece bom na teoria, mas pode realmente acontecer na vida real? Como alguém que foi abusado pode perdoar aqueles que o ofenderam?

É importante voltar à citação de Wescott novamente: “Nada superficialmente parece mais simples do que o perdão, ao passo que nada se olharmos profundamente é mais misterioso ou mais difícil.” O perdão é misterioso e difícil. É fácil falar, mas muito mais difícil de colocar em prática. Aqueles que sofreram abusos vão lutar com essa questão do perdão, muitas vezes ao longo de suas vidas. Nesta parte final, quero apresentar quatro conselhos aos pastores e às vítimas de abuso no que diz respeito ao perdão.

Conselho para pastores e vítimas

Em primeiro lugar, o perdão não é a primeira coisa na qual um cristão que sofreu abuso deve ser aconselhado a pensar. Antes que o perdão aconteça, as vítimas de abuso precisam conhecer o amor e o conforto de Deus em suas vidas. Elas precisam que seus corações partidos sejam curados pela gentil graça de Cristo. Elas precisam ter suas histórias ouvidas. Para lidar com o abuso delas. Saber que Deus sabe tudo sobre seus abusos e os odeia profundamente. E saber que são amados. A cura precede o perdão.

E essa cura levará tempo. O Salmo 147.3 usa a figura do Senhor como um médico que sara os de coração quebrantado. Quando um médico cura uma ferida, isso significa que não vai cicatrizar durante a noite. O médico coloca curativo no ferimento, faz curativos e manda o ferido embora para se recuperar. E diferentes feridas levam diferentes períodos de tempo para cicatrizar. Quanto maior e mais longo for o seu ferimento, mais tempo leva para cicatrizar.

O mesmo vale para a alma do abusado. Suas feridas terão sujeira que precisará ser esfregada e limpa. Suas feridas serão buracos abertos e, portanto, precisarão ser costuradas. Essas feridas precisarão de tempo para cicatrizar. E o Senhor é um médico paciente que cuida lentamente dessas feridas. Ele não apressa sua cura. E nem deveriam o pastor ou o conselheiro.

Uma vítima de abuso escreveu: “Na minha experiência, esta não é uma viagem rápida ao pronto-socorro para fazer um curativo. É um processo lento e doloroso no qual a ferida é muitas vezes reaberta, esfregada com sal, costurada novamente, apenas para se abrir novamente nos momentos mais estranhos. E ainda, em tudo isso, Deus em Sua misericórdia está fazendo algo que eu não posso ver e sentir. Ele está renovando a maneira como vejo e penso sobre o passado e sobre quem eu sou.”

É a misericórdia de Deus que vai curar o coração da vítima e, com o tempo, levá-la ao perdão.

De onde vem a força

Em segundo lugar, a vontade de perdoar não ocorre com a própria força da vítima. Em sua própria força, eles lutarão para perdoar. A dor é muito grande e a raiva muito teimosa. Mas, uma das grandes verdades da Bíblia é que Cristo vive no crente pelo poder do Espírito Santo. Isso é o que os teólogos chamam de união com Cristo.

Cristo não é apenas o seu exemplo de perdão, mas também vive neles, ajudando-os a perdoar os outros. Volf escreve: “Cristo não está apenas fora de nós, modelando o perdão e nos exortando a perdoar. Cristo vive em nós e é ele mesmo, como Lutero escreveu, ‘a base, a causa, a fonte de toda a nossa justiça real’”. A graça de perdoar não vem deles, mas da graça de Cristo que vive neles. Toda essa conversa sobre perdão será apenas uma quimera, a menos que Cristo nos ajude de forma sobrenatural.

Em terceiro lugar, a vítima de abuso só pode crescer em perdão à medida que compreende e experimenta o perdão de Deus em sua própria vida. É quando eles enxergam as profundezas de seu próprio pecado contra um Deus santo, o custo da cruz e o escândalo do perdão de Deus dado em Cristo, que eles crescerão em seu perdão aos outros.

Eles, como todos nós, precisam se lembrar diariamente que Jesus, na cruz, bebeu o cálice da ira de Deus contra o pecado. Ele foi oprimido. Ele estava aflito. Ele era como um cordeiro levado ao matadouro. Ele estava arrasado. Ele sofreu abuso. Tudo isso, por nós. Este é o evangelho glorioso que amolece nossos corações e nos permite mostrar misericórdia para com aqueles que nos feriram.

Lutero escreve: “Embora eu seja um homem indigno e condenado, meu Deus me deu, em Cristo, todas as riquezas da justiça e da salvação sem nenhum mérito de minha parte, por pura misericórdia livre, de modo que, de agora em diante, eu não preciso de mais nada, exceto a fé que acredita que isso é verdade.” Quanto mais eles conhecem essa verdade, mais eles são capazes de mostrar perdão. A graça de Deus permite que eles passem de filho mais velho a filho pródigo. Voltar à oração do Senhor e dizer: “perdoe-nos nossas dívidas, assim como perdoamos aqueles que pecaram contra nós.”

Um processo

Finalmente, eles precisam saber que o perdão é um processo. Em alguns dias, pela graça de Deus, eles serão capazes de perdoar seus agressores. Em outros dias, eles só pensarão em vingança. Esta é a batalha espiritual entre a carne e o Espírito. A carne quer que eles chafurdem em raiva, amargura, ressentimento e vingança. O Espírito deseja que eles cresçam em amor, paz, bondade, paciência e perdão. Tudo isso é estranho para eles. Portanto, é somente quando eles andam em sintonia com o Espírito que eles crescerão nessas áreas. Para a vítima de abuso, o broto de compaixão precisará ser regado com a bondade de Deus por toda a vida.

Na semana passada, minha esposa estava ilustrando para as crianças o perdão de Deus. Então ela fez uma fogueira, fez com que as crianças escrevessem seus pecados em um pedaço de papel, e então ela os jogou no fogo. O único problema era que o fogo não era muito grande e os pecados demoravam muito para serem queimados.

O fogo da minha esposa é como tentarmos perdoar. Com o Senhor, é imediato. Com as pessoas isso leva tempo. Nossa misericórdia não arde nem de longe tão intensamente quanto a de Deus. Como Volf solidamente escreve: “Nosso perdão é falho; Deus é perfeito. Nosso perdão é provisório; Deus é definitivo. Perdoamos tenazmente e provisoriamente; Deus perdoa sem hesitação e definitivamente.” Portanto, mais uma vez, podemos apenas ecoar o perdão de Deus, porque somos pecadores finitos e limitados. O perdão é um negócio doloroso e caro.

Pensamentos finais

A primeira coisa que espero que tenhamos visto é que nada disso é fácil. O perdão não é simples. Não pode haver respostas banais. Não podemos simplesmente pegar uma passagem fora do contexto e aplicá-la à situação de alguém.

Se você é um pastor ou conselheiro em potencial, deve agir com muito cuidado. Uma vítima de abuso passou por um grande trauma. Como acontece com qualquer sofrimento, não podemos dar respostas levianas. Temos que ministrar todo o conselho de Deus aos crentes, orando para que o Espírito Santo tome sua Palavra e mude o coração das pessoas. Lembre-se, José não perdoou seus irmãos no início da história, mas no final. Aconteceu depois de anos pensando e orando. Por favor, não subestime aqueles que sofreram tanto.

Em segundo lugar, a vítima de abuso, como todo cristão, deve estar disposta a perdoar os erros cometidos contra ela. Observe que usei a palavra disposta. Como vimos, o perdão é relacional. Portanto, se o agressor não se arrepende, o perdão não pode chegar ao fim, porque o fim é a reconciliação. Então eu acho que enquanto o agressor não se arrepende, o abusado é chamado a reconhecer o pecado pelo que é, absorver o que é errado, colocar a má vontade de lado e deixar a vingança para o Senhor.

O lado positivo do perdão, se posso colocar dessa maneira, só pode ser realizado quando o agressor realmente se arrepende. No entanto, a vítima de abuso é chamada a orar por seu agressor e até mesmo aprender a mostrar compaixão e pena por ele. Pois Jesus diz: “amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam; bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam.” (Lc 6.27-28).

A pergunta que devemos fazer a nós mesmos é: estamos eliminando a amargura e os pensamentos de vingança e entregando isso ao próprio Deus? Estamos crescendo em bondade e amor? Esta é uma batalha que durará toda a vida. Mas o que está claro é o seguinte: quando realmente entendemos a profundidade do perdão de Deus para nós em Cristo, isso nos muda para sempre – incluindo nossos relacionamentos com aqueles ao nosso redor, tanto no presente quanto no passado.

Por: Andy Constable. © 20schemes. Website: 20schemes.com. Traduzido com permissão. Fonte: Forgiveness and Abuse: Power to Forgive (Part Five).

Original: Perdão e abuso: Poder de Perdoar (Parte 5). © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.