A rotina da igreja – Os contratos

Este texto contém excertos do livro: Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas, autoria de Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina [3ª Ed. Rev. e ampl. São Paulo, Vida Nova.] – Artigo escrito por Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina.

Se você acha que Igreja se mantém apenas com o ato de reunir algumas pessoas, orar e cantar hinos, engana-se. Claro que, para SER Igreja, a reunião do grupo de fiéis que compartilham da mesma confissão de fé, com a intenção de ser igreja, é o suficiente, mas estamos falando de outras questões que acabam fazendo parte da maioria das comunidades de fé, sobretudo as de médio e grande porte. Por isso, hoje vamos falar das noções básicas de contratos.

No dizer de Pontes de Miranda, maior civilista brasileiro de todos os tempos, “os negócios jurídicos de Direito das obrigações irradiam pretensões pessoais, isto é, pretensões a que alguém possa exigir de outrem, débito, que dê, faça, ou não faça, em virtude de relação jurídica só entre eles. A pretensão supõe o crédito; a obrigação, a dívida”[1].

E, assim, as organizações religiosas realizam negócios jurídicos dos mais variados, compram, vendem, alugam, emprestam. Muitos desses negócios jurídicos são avençados verbalmente, como por exemplo a compra de água para o templo ou ainda aquisição de material de expediente, bastando que o objeto seja lícito, determinado e não defeso em lei. É o dizer do Código Civil Brasileiro:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I — agente capaz; — objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III — forma prescrita ou não defesa em lei. Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Por outro lado, os contratos verbais dificultam muitas vezes o exercício do direito pela parte que porventura for lesada. Na compra de água, caso esta não seja insípida, característica imprescindível da água potável, basta a apresentação da nota fiscal junto ao fornecedor para requerer a troca ou a devolução da quantia paga; entretanto, em negócios jurídicos mais complexos, a contratação por escrito permeia o negócio de segurança jurídica, permitindo que as partes contratantes exijam uma da outra o que foi prévia e contratualmente estabelecido tanto na esfera administrativa, entre as partes, quanto na esfera judicial, onde podem exigir a rescisão do contrato ou seu cumprimento forçado sem antes ter que validar sua existência.

Exemplo é quando a organização religiosa empresta a título gratuito veículo de sua propriedade ao ministro de confissão religiosa para que este, além das funções eclesiásticas ou ministeriais, também leve seus filhos à escola ou se recolha à sua residência. Se esse ministro de confissão religiosa, porém, envolve-se em acidente de trânsito, de quem será a responsabilidade civil? E, caso o ministro condutor infrinja diversas leis de trânsito, de quem será a responsabilidade do pagamento das sanções oriundas de tais infrações?

Um contrato de comodato pode estipular tais regras, como, por exemplo, se as infrações foram cometidas pelo ministro condutor em razão de sua função eclesiástica ou religiosa (e.g., dar assistência religiosa a um doente no hospital), a obrigação de pagar tal pena pecuniária será da organização religiosa, caso contrário é do ministro. No caso de responsabilidade civil, a responsabilidade patrimonial em acidente de trânsito será do condutor e não da organização religiosa; ou seja, a formalização dos negócios jurídicos por via de contratos escritos evita problemas posteriores.

De regra, todo e qualquer contrato deve contar com a identificação das partes contratantes, discriminação do objeto contratado, as obrigações de cada parte, duração do contrato, possibilidade ou não de renovação, formas de rescisão e foro de eleição judicial em caso de necessidade de discussão judicial do contrato, além de data e firma das partes.

Importante é salientar que o contrato deve ser claro e objetivo, visto que sua interpretação deve buscar a intenção pretendida, o que por vezes é quase impossível, assim quanto mais a intenção se aproximar da literalidade do texto, muito melhor. Veja o disposto no art. 112 do Código Civil: “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Lembrando que a intepretação contratual deve sempre partir da premissa de que os atores envolvidos agiram com probidade e boa-fé ao produzir o contrato estudado. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé – Código Civil”.

Na hipótese de a organização religiosa figurar no contrato como consumidora, em contrato bancário de empréstimo, por exemplo, a interpretação contratual, em caso de dúvida, deve sempre beneficiar o consumidor. “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. (Código de Defesa do Consumidor)”.

Evidentemente que são os mais diversos os tipos de contratos possíveis e previstos em nosso ordenamento jurídico. Nosso objetivo é demonstrar a importância de a organização religiosa sempre reduzir por escrito todo e qualquer negócio jurídico que venha a estabelecer com terceiro, evitando ou minimizando problemas futuros. Mais uma vez demonstramos a importância do Direito Religioso, continue acompanhando nossa coluna e até a próxima!


[1] Pontes de Miranda, Tratado de Direito privado — parte especial (Rio de Janeiro: Borsoi, 1971), tomo 22, p. 8.