Posso orar e ler a bíblia no trabalho?

Direito Religioso responde

O juízo da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região condenou em R$ 9 mil, por danos morais, um supermercado que dispensou uma trabalhadora por justa causa, após ela ter sido coagida a participar de ritual religioso[1]. Notícias como essa nos impactam e geram muitas dúvidas. Não é à toa que, quando estudamos o Direito do Trabalho, surgem as seguintes dúvidas (dentre outras): “eu posso cultuar no ambiente de trabalho?”, “se eu realizar alguma prática religiosa, ela conta como tempo de serviço?”, ou “meus superiores podem me obrigar a participar de um momento de culto religioso?”

Vamos lá: essas dúvidas refletem a preocupação de estudantes de direito, de advogados, magistrados e sobretudo: de você, leitor, que pode não ser um jurista, mas é um religioso e é um trabalhador – isso significa que saber dessas informações é útil, e por isso, vamos sanar essas dúvidas de uma vez.

Muitas pessoas acreditam que o Estado laico é sinônimo de Estado ateu, e adotam essa filosofia para todas as áreas de sua vida, vestindo uma fantasia secularista para não perder o emprego, uma vaga na faculdade, e assim por diante (é o crente agente secreto). Mas não devia ser assim, o cristianismo diz respeito aquilo que é mais importante para nós. Somente na soberania de Deus é que encontramos respostas para perguntas como “quem eu sou?” ou “qual o meu lugar no mundo?”. Sendo significativo assim, o Poder público não pode suprimir a religião, muito menos a iniciativa privada, ou seja, nem os agentes estatais, e nem os donos de empresa.

Lógico que tudo tem que ser feito de forma razoável, equilibrada e devidamente conversada, mas ninguém precisa deixar de fazer coisas que são valorosas na rotina confessional ordinária ou ser obrigado a fazer. Para algumas religiões, a liturgia vai além das quatro paredes do templo de culto.

Em 2017, o Brasil viveu a reforma trabalhista. Por meio dela, algumas [poucas] questões da rotina de trabalho foram alteradas e muitas foram simplesmente esclarecidas. Isso significa que a lei nº 13.467/2017 trouxe inovações no âmbito das relações de trabalho, inclusive, atendendo as dúvidas em relação ao sentimento religioso na vida de quem trabalha e de quem emprega.

  1. Eu posso cultuar no ambiente de trabalho? Nós respondemos essa pergunta no manual Direito Religioso: Questões Práticas e teóricas (3ª Edição): Situações vexatórias em que empregados precisavam esconder-se nos banheiros do local de trabalho para realizar suas orações não serão mais necessárias. Basta o empregado combinar com o empregador que iniciará sua jornada mais cedo ou a terminará mais tarde, em razão do tempo que desprenderá em suas práticas religiosas[2].
  1. Se eu realizar alguma prática religiosa, ela conta como tempo de serviço? O momento de oração, assim como qualquer ato que esteja ligado às práticas religiosas, não serão computados como tempo à disposição do empregador. Além disso, por ser considerado como tempo não computado para a jornada de trabalho ordinária, e tampouco para a extraordinária — já que não tem relação com a natureza final do cargo desempenhado — não será remunerado pelo empregador, devendo o empregado estar consciente e não subverter a finalidade da prática religiosa, sujeitando-a a pagamento de remuneração, o que desviaria integralmente a natureza da devoção religiosa[3].
  2. Meus superiores podem me obrigar a participar de um momento de culto religioso? A lei 13.467 alterou o §2º do art. 4º da Consolidação das Leis Trabalhistas. Nesse parágrafo, o legislador deixa claro que a escolha própria é um requisito para o exercício de determinadas atividades, dentre as quais, estão as “práticas religiosas” (inciso I). Obrigar alguém a cultuar ofende o núcleo essencial da liberdade de crença, o foro íntimo do fiel que é inviolável.

Esperamos ter ajudado você em sua rotina de trabalho, até a próxima!


[1] TRT-3 condena empresa a indenizar trabalhadora a participar de culto religioso. CONJUR. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-set-12/empresa-nao-obrigar-trabalhadora-participar-culto >

[2] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas. São Paulo: Edições Vida Nova, 2020, p. 228.

[3] Ibidem.