Não caminhe só

Em suas primeiras palavras aos Gálatas o apóstolo Paulo faz uma breve menção repleta de significado: “e todos os irmãos meus companheiros”, dessa breve frase podemos obter lições profundas sobre a comunhão. Em aparente contraste com o início da carta, onde o apóstolo Paulo afirma que chamado não vem da parte de homens, nem por intermédio de homem algum – num tom que, à primeira vista, pode até parecer de arrogância e desprezo aos seus semelhantes – é o mesmo que, logo, em seguida, revela estar amparado pela comunhão de seus irmãos na fé. Paulo não escreve sozinho. Paulo não está só.

Nessa breve frase, o apóstolo se apresenta como alguém que faz parte de uma comunidade de cristãos com a qual ele se relaciona e presta contas. Irmãos e companheiros que, certamente, se uniram a Paulo ao longo da jornada; irmãos e companheiros que se tornaram parte de sua vida e ministério. O apóstolo Paulo foi alguém que amou o Corpo de Cristo ao ponto de se importar com cada um de seus membros. Seu zelo pelo Evangelho não anulava, antes, aumentava seu amor pelas pessoas. Com isso aprendo que o zelo pela doutrina, a dedicação à espiritualidade, não devem ser uma barreira ao nosso relacionamento com as pessoas. A espiritualidade não exclui a necessidade de caminhar com outros cristãos.

Lembro-me de momentos de minha vida em que, movida por aquilo que hoje reconheço como uma falsa piedade, eu acreditava que quanto menos tempo passasse em comunhão com as pessoas – reclusa orando e lendo a Bíblia, mais espiritual eu me tornaria. Ao passo que meu relacionamento com as pessoas se empobrecia, eu me alegrava por me sentir “mais próxima de Deus”. Quão egoísta eu estava me tornando! Foi por graça que o Senhor me arrancou dos claustros e me fez perceber que uma espiritualidade sadia cresce em duas dimensões: vertical e horizontal; que o zelo pela Palavra e nosso relacionamento com Deus, não excluem o zelo por nossos relacionamentos humanos, pelo contrário, o expandem.

Avançando um pouco mais em Gálatas vemos Paulo corrigindo o apóstolo Pedro. E, embora, tal correção pudesse parecer dura demais, ela resultava do profundo zelo de Paulo pela comunhão. A fim de que haja comunhão verdadeira, por vezes, é necessário confronto e correção; é necessário que pecados sejam expostos e apontados em amor. Para que haja comunhão um pouco de dor é necessária, feridas precisam ser a abertas para que haja azeite sobre elas. 

Obviamente, não podemos deixar de considerar os pecados que a comunhão revela: fofocas, intrigas, traições, rivalidades e partidarismos. Contudo, nem por isso, a Palavra nos exorta a abandonarmos a comunhão a fim de superar esses pecados. Exilar-nos fora do arraial em busca de pureza não é uma alternativa bíblica. Deus nos chama a permanecer, pois, é ao permanecer que nossas próprias feridas e misérias são tratadas, é ao permanecer que nossos próprios pecados são revelados e confrontados. É ao permanecer que nos tornamos quem devemos ser em Cristo. 

Não é mais espiritual aquele que parte para o exílio em busca de mais espiritualidade, tal partida pode não passar de uma fuga das dores e das delícias de relacionamentos reais. Não caminhe só. Se você é alguém que foge da comunhão por medo de ter pessoas “cuidando da sua vida”, peça a Deus que te faça enxergar mais e melhor o real sentido de sermos “membros uns dos outros” (Rm 12.5). Assim como nenhum membro do corpo é capaz de viver de forma independente, somos chamados a cuidar e suportar uns aos outros em força e em fraqueza. Nesse cenário pós Pandemia, a tendência de nos afastarmos da comunhão é ainda maior, mas precisamos resistir. Saiba que você é mais útil dentro do que fora do Corpo. Deus te colocou nele porque você precisa do Corpo, assim como o Corpo precisa de você. Não se prive de relacionamentos reais dentro do Corpo de Cristo, busque-os e alimente-os. 

Estar só nunca foi uma opção aprazível a Deus. Estar só nunca foi bom para Deus e não deve ser alternativa para nós. Com isso, não desprezo a importância da solitude e da autorreflexão, elas têm o seu lugar na vida cristã, o próprio Senhor esteve só em muitos momentos, mas Ele não permaneceu só; até mesmo o Cristo desceu do monte e se relacionou com pessoas. O Cristianismo não é asceta. Não se trata de um convite para permanecermos no monte e armarmos nossas tendas ali (Mt 17.1-9), a fim de nos tornarmos mais espirituais, antes, é um chamado para caminharmos lado a lado, pois é na caminhada que nos tornamos mais parecidos com Cristo.  

Oro para que o Senhor nos ajude a viver vidas comunitárias e a construir e fortalecer relacionamentos reais. Quem está ao seu lado na caminhada? Não caminhe só.