Quem mais precisa da sua atenção?

Como a proximidade molda a responsabilidade.

Durante a maior parte da história humana, decidir onde dedicar a atenção do seu dia era algo relativamente simples.

Imagine que você é Adão, acordando no Éden. Você se levanta para as vistas e os sons do jardim: um cipreste inclinado aqui, um passarinho cantando ali. Você se volta para Eva, sua esposa, ajudante e companheira portadora da imagem. Você pensa no trabalho do dia de cuidar do jardim, com mais regiões para descobrir e dominar. Você respira gratidão ao Deus em quem você vive, se move e tem seu ser. Sem celular para checar, sem notícias para ler, sem status para atualizar, sem e-mail para responder.

Agora, imagine que é você é um homem tipicamente moderno e tecnológico, acordando em nosso mundo de massiva comunicação. Como Adão, você se encontra preso a um determinado tempo e lugar, com seus próprios parentes próximos e seu próprio pedaço de terra para cultivar. Ao contrário de Adão, no entanto, seu mundo está exponencialmente mais cheio, com centenas de preocupações competindo pela sua atenção.

Nossa antropologia não mudou desde o Éden — mas como nossa tecnologia mudou! De todas as opções disponíveis, então, qual ganhará nossa atenção?

Proximidade e responsabilidade

A questão sobre para onde voltarmos nossa atenção não é totalmente nova, é claro. Antes mesmo que pudéssemos conversar entre continentes e assistir à TV por 24 horas por dia, nós humanos temos lutado para descobrirmos a melhor forma de distribuirmos nosso foco limitado. E, repetidamente, cristãos têm articulado um simples princípio, extraído das Escrituras: proximidade aumenta responsabilidade.

Em seu livro Reading the Times, Jeffrey Bilbro cita Agostinho: “Todas as pessoas devem ser amadas igualmente. Mas você não pode fazer o bem a todas as pessoas igualmente, então você deve ter uma atenção especial para aquelas que, como por sorte, estão particularmente próximas de você em termos de lugar, tempo ou quaisquer outras circunstâncias” (p. 31). Semelhantemente, João Calvino observa que, uma vez que a ambição humana “deseja abraçar várias coisas ao mesmo tempo”, cada pessoa tem chamados objetivos “atribuídos a ele pelo Senhor como uma espécie de posto de sentinela para que ele não possa vagar descuidadamente durante toda a vida” (Institutas 3.10.6).

Antes de Agostinho ou Calvino, contudo, os apóstolos diferenciaram níveis de responsabilidade em nossos relacionamentos variados. Como um seixo jogado em um lago, cada um de nós está cercado por círculos concêntricos. Nos círculos mais próximos vivem nossa família natural e espiritual (1Tm 5.8; At 2.45), seguidos por nossos vizinhos e família cristã mais remota (Gl 6.10; 2Co 8–9). Mais longe ainda moram nossos distantes vizinhos não cristãos.

O princípio admite exceções, e devemos tomar cuidado para não nos tornarmos como o advogado que procurou redefinir o próximo dentro dos limites adequados à carne (Lc 10.29). “A proximidade aumenta a responsabilidade” não justifica a insensibilidade para com misérias distantes, por exemplo. Mas nos adverte contra fixar nosso olhar em vinhas distantes enquanto as raposas devoram as nossas próprias (Pv 17.24; Ct 2.15).

Entre os bilhões do mundo, algumas pessoas estão “particularmente perto de você”. E, mais do que aqueles mais distantes, eles merecem sua “atenção particular”.

Quem mais precisa da sua atenção?

Uma questão talvez nos ajude a aplicar esse princípio com grande clareza: Quem mais precisa da sua atenção?

Muitas das pessoas e preocupações para as quais damos nossa atenção não precisam, de fato, dela — como evidenciado pelo fato de que elas nunca saberão que a tiveram. Celebridades e estrelas do esporte não precisam de nossa atenção. Ditadores estrangeiros não precisam de nossa atenção. A maioria dos amigos do ensino médio nas mídias sociais não precisa de nossa atenção. Ainda podemos decidir, algumas vezes, dar-lhes nossa atenção, mas, quer façamos ou não, eles provavelmente não saberão nem se importarão.

Enquanto isso, podemos facilmente ignorar aqueles que precisam de nossa atenção — aquelas pessoas que realmente ficariam piores sem nosso cuidado focado e caloroso: nossos cônjuges e filhos, membros da igreja e vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Retirar nossa atenção do Twitter passará despercebido; retirar nossa atenção de nossos filhos não. Muito mais do que os distantes, aqueles que estão perto de nós precisam de nossa atenção.

E para a típica pessoa ocupada, as chances são altas de que nossos relacionamentos mais próximos precisem não apenas de um pouco da nossa atenção (os minutos restantes do dia), mas tudo o que podemos dar. Poucas esposas florescem sob um marido meio atencioso. Poucas crianças se sentem cuidadas por um pai distraído. Poucos grupos pequenos prosperam com membros comprometidos. E poucos trabalhos são bem-sucedidos sob uma mão negligente. Qualquer que seja o relacionamento, cuidar bem daqueles mais próximos de nós exige nosso foco conjunto — e nossa recusa em oferecer esse foco em outro lugar.

Três práticas para a proximidade

Se vivermos dentro de nossos limites, priorizando o próximo sobre o distante, talvez precisemos morrer algumas pequenas mortes. Mas, se priorizarmos o distante sobre o próximo, as pessoas ao nosso redor sofrerão com isso. Como, então, podemos dedicar nosso foco distante mais perto de casa? Considere três áreas da vida onde podemos praticar o princípio da proximidade.

Oração: de perto para longe

Se quisermos nos lembrar de nossas principais responsabilidades todos os dias, talvez não façamos nada melhor do que lembrá-las diante de Deus a cada manhã. Antes de ligar seu celular e voar para círculos mais distantes, pegue suas preocupações mais próximas e queridas e coloque-as diante de seu Pai.

Em seu livro Dynamics of Spiritual Life, Richard Lovelace escreve:

Se todos os membros da igreja regenerada na cristandade ocidental intercedessem diariamente simplesmente pelas mais óbvias preocupações espirituais visíveis em seus lares, seus locais de trabalho, suas igrejas e denominações locais, suas nações e o mundo e a missão total do corpo de Cristo dentro dele, a transformação que resultaria disso seria incalculável. (p. 160)

Observe que orar em círculos concêntricos não nos impede de interceder por questões nacionais ou globais. A prática apenas garante que comecemos onde estamos, que passemos tempo em casa antes de viajar para o exterior.

A transformação de tal prática pode realmente ser incalculável — não apenas nas respostas que se seguiriam, mas na postura do coração e da mente que se formariam, pois onde estiverem suas orações, aí também estarão sua atenção e afeição.

Tempo: orçando nossos dias

Muitos iniciantes no orçamento ficam surpresos ao descobrir para onde seu dinheiro realmente vai todos os meses. Como eles gastaram 50 dólares em café ou 150 dólares em roupas? À medida que começam a realocar seu dinheiro, eles podem perceber que estavam com menos falta de dinheiro do que pensavam: estavam apenas gastando nos lugares errados.

Sem dúvida, muitos de nós descobriríamos algo semelhante se prestássemos mais atenção para onde nosso tempo vai. Quem ou o que merece pouco do nosso tempo, mas recebe muito? Quem ou o que merece muito do nosso tempo, mas recebe um pouco? À medida que vamos realocando nossas horas, podemos também perceber que não estávamos tão limitados de tempo como pensávamos: estávamos apenas gastando nossos momentos em lugares errados.

E se dedicássemos um pouco daquele tempo lendo notícias para orar por nosso pequeno grupo? E se, quando sentíssemos vontade de verificar o e-mail, mandássemos mensagem para um parceiro de responsabilidade? E se transformássemos o desejo de postar algo on-line em uma oportunidade de escrever um bilhete para um vizinho?

De qualquer forma, considere dar seu tempo da mesma forma que Deus o chama para dar seu dinheiro (Pv 3.9): o primeiro e melhor vai para seus círculos mais próximos; qualquer coisa restante torna-se tempo arbitrário.

Notícias: história sem manchetes

Se quisesse, o apóstolo Paulo certamente poderia ter preenchido suas cartas com notícias do império. Ele poderia ter oferecido opiniões quentes sobre eventos atuais ou mencionado a última controvérsia em Éfeso. Em vez disso, ele passa a maior parte do tempo falando sobre necessidades e relacionamentos locais: ele quer que a igreja em Colossos seja realmente a igreja em Colossos (Cl 1.2). E quando ele menciona notícias, ele foca em eventos raramente citados nos altos lugares: o avanço do evangelho por meio de seus trabalhos missionários. Como ele diz aos colossenses: “Quanto à minha situação, Tíquico, irmão amado, e fiel ministro, e conservo no Senhor, de tudo vos informará” (Cl 4.7).

Os maiores eventos da história raramente chegam às manchetes, porque o principal que está acontecendo no mundo não é a ascensão e queda das nações, ou a eleição de presidentes, ou a mudança do clima, ou as explorações do homem no espaço. A principal história do mundo é como Jesus está construindo sua igreja e como os portões do inferno estão caindo diante dela (Mt 16.18).

Nós entramos nessa história em nossos círculos próximos ao levarmos a graça e as boas-novas de Jesus para nossos familiares, amigos, vizinhos e locais de trabalho. E entramos nessa história nos círculos mais distantes das igrejas fronteiriças, ligadas a nós pelo mesmo sangue. Então, por que não selecionar nossas notícias diárias de acordo com isso?

Círculos da vida

Já não vivemos num mundo tão simples como o Éden. Adão não teve outra escolha a não ser se dedicar ao que estava a sua volta; podemos nos cercar (pelo menos digitalmente) com quase tudo o que queremos.

Mas ainda andamos pelo mundo como filhos de Adão, finitos como nosso primeiro pai. Somos criaturas limitadas, presas a um lugar e tempo, com menos atenção, energia e emoção do que às vezes queremos admitir. Não podemos estar sempre em todos os lugares; não podemos nem estar em dois lugares ao mesmo tempo. E aqueles que tentam, muitas vezes, acabam não chegando a lugar nenhum.

A vida distante pode parecer desejável, uma fuga da monotonia do presente momento. Mas, no início, Deus declarou uma benção sobre esses corpos limitados (Gn 1.28, 31) e na encarnação ele coroou a finitude com sua aprovação eterna (Cl 2.9). E assim, nós também podemos descobrir que os círculos que Deus nos dá são portais para a vida: a vida humana e feliz para a qual ele nos criou.

Por: Scott Hubard. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Live Closer to Home: How Proximity Shapes Responsibility.
© Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Júlia Maria. Revisão: Zípora Dias. Edição: Vinicius Lima.