Prestar atenção nunca foi tão difícil

O desafio de administrar bem nossa atenção em uma época de excessivas informações

Quando damos a alguém toda a nossa atenção — nosso olhar paciente, atencioso e esquecido de si mesmo — nos parecemos um pouco com Deus. A glória de Deus consiste, em parte, no fato de que ele, ao contrário dos deuses de madeira e pedra, presta atenção ao seu povo (1Rs 18.29; 2Cr 7.15; Sl 34.15). Nenhuma distração afasta seu olhar; nenhuma interrupção tira o seu foco. O verdadeiro Deus é um Deus perfeitamente atento — e quando oferecemos toda a nossa atenção aos outros, nos parecemos um pouco com ele.

Ao mesmo tempo, é claro, nossa atenção é surpreendentemente diferente da de Deus. Deus pode submeter ao seu foco total dez trilhões de lugares de uma só vez; nós devemos escolher um entre os trilhões. A visão de Deus pode abranger todo o espaço e tempo; nossos dois olhinhos voltados para a frente enquadram nossa visão aqui e agora. Deus pode caminhar pelo pomar de um milhão de acres da vida e ver cada porção de fruta; nós precisamos parar diante desta árvore, deste ramo, desta maçã.

O que significa que a atenção humana é um dos dons mais preciosos que temos para dar. Por ela, oferecemos à outra criatura a dignidade de nossa consideração amorosa. Nós nos humilhamos para conhecer e sermos conhecidos. Convidamos alguém ou algo para nos marcar, mesmo que somente por um momento, com sua existência única e surpreendente. 

Talvez, nunca antes tanto como em nossa época, quando a atenção humana é uma espécie em extinção.

Lições para administrar a atenção

Mais de meio século atrás, o grande Martyn Lloyd-Jones lamentou:

O mundo e as organizações da vida ao nosso redor tornam as coisas quase impossíveis; a coisa mais difícil da vida é ordenar sua própria vida e gerenciá-la. […] Há muitas coisas que nos distraem. […] Cada um de nós está lutando por sua vida no momento, lutando para possuir, dominar e viver nossa própria vida. (Spiritual Depression, p.  209).

Há muitas coisas que nos distraem. Lloyd-Jones tinha em mente distrações como o jornal da manhã. O que ele diria de uma sociedade onde a maioria vive com um “jornal-televisão-câmera-telefone-rádio-caixa de correio” preso à nossa mão? Estamos todos lutando por nossas vidas — e, quer percebamos ou não, lutando por nossa atenção, lutando para possuir, dominar e prestar atenção, em vez de tê-la tirada de nós.

E luta é a palavra certa, pois as apostas são altas. Não podemos seguir Jesus sem dar-lhe nossa atenção (Mc 4.24; Hb 2.1). Não podemos nos tornar como Jesus sem contemplá-lo atentamente (2Co 3.18; Hb 12.1-3). E não podemos amar como Jesus sem oferecer aos outros nossa consideração sem pressa, sem distração, com calma e atenção.

Como, então, podemos administrar nossa atenção limitada, preciosa e ameaçada? Em suma, vivendo como humanos feitos à imagem de Deus, e não como deuses feitos à imagem da Internet.

Simplifique suas entradas

Se você é como a maioria das pessoas na era digital, você recebe informações demais todos os dias — pelo menos, informações demais para processar, muito menos para armazenar como conhecimento de longo prazo. Você acorda todas as manhãs sutilmente tentado a atender o mundo como Deus faz. Como sempre, aqueles que buscam a divindade perdem sua humanidade: ao tentar prestar nossa atenção em todos os lugares, enfraquecemos nossa capacidade de dá-la significativamente em qualquer lugar.

Poderíamos buscar o apoio da neurociência, que nos garante que uma abundância de informações, especialmente as que são disparadas contra nós pelas centenas de mangueiras de incêndio da Internet, empobrece a memória e nos vicia na distração. Em seu livro de referência de 2010, The Shallows, (Águas Rasas) por exemplo, Nicholas Carr escreve: “O influxo de mensagens concorrentes que recebemos sempre que estamos online não apenas sobrecarrega nossa memória de trabalho, torna muito mais difícil para nossos lobos frontais concentrar nossa atenção em qualquer coisa” (p. 194).

Mas a neurociência apenas confirma a antropologia que encontramos nas Escrituras. Os humanos são muito mais parecidos com árvores do que com computadores: a informação se torna conhecimento e sabedoria tão rápido quanto a água se torna fruto no galho. A água não pode penetrar nas raízes, subir pelos troncos e pelos galhos em um instante; leva tempo e muitas vezes requer o processo dolorosamente lento de meditação (Sl 1.3). Uma abundância de informações processadas rapidamente cria almas distraídas e superficiais; uma quantidade limitada de informação processada lentamente gera conhecimento e aquela qualidade cada vez mais rara tão louvada nas Escrituras: sabedoria.

Considere, então, simplificar suas entradas. Leia menos, mas leia melhor. Aprenda menos, mas aprenda melhor. Ouça menos, mas ouça melhor. Você não pode comer todas as maçãs do pomar de informações da vida; você seria tolo em tentar. Portanto, faça as pazes com sua humanidade gloriosamente limitada e aprenda a escolher e saborear apenas algumas maçãs.

Priorize o próximo sobre o distante

Durante a maior parte da história, os humanos não tiveram escolha a não ser dar atenção às pessoas e coisas que estavam por perto. Adão e Eva não só não sabiam o que estava acontecendo fora do Éden; eles não podiam saber. Não havia Folha do Oriente Próximo naquela época. Então, o que eles poderiam fazer além de passar suas horas de vigília dedicadas ao que podiam ver?

Hoje, somos tão limitados quanto nossos primeiros pais, com as mesmas horas no dia e mesma capacidade de foco, mas com bilhões de objetos a mais competindo por nossa atenção. Não precisamos mais nos preocupar com pessoas que podem responder ou com o mundo sensorial. Podemos passar todo o nosso tempo no lado digital do globo.

Essa disponibilidade, no entanto, não mudou fundamentalmente nossa responsabilidade. Embora hoje possamos saber sobre assuntos muito além do jardim chamado lar, Deus ainda nos responsabiliza, em primeiro lugar, por quão bem amamos, cuidamos e atendemos às pessoas e chamados ao alcance de nossa mão.

O que antes era um fato inevitável da vida das criaturas agora precisa ser declarado: a proximidade aumenta a responsabilidade. Os efésios deveriam cuidar de todas as famílias da igreja, mas especialmente das suas próprias (1Tm 5.8). Os gálatas deveriam fazer o bem a todos, mas especialmente aos irmãos crentes (Gl 6.10). Israel caiu sob julgamento, não por negligenciar os pobres de Edom, mas os pobres dentro de seus próprios portões (Am 8.4-6).

Se você é uma pessoa normal e ocupada, seus círculos mais próximos provavelmente precisam de toda a atenção que você puder dar. Poucos de nós podem atender bem ao cônjuge, aos filhos, membros da igreja e vizinhos ao mesmo tempo em que atendem bem às controvérsias digitais, notícias internacionais e postagens de amigos do ensino médio no Instagram. Algo deve ceder, e não precisamos nos sentir culpados por priorizar o próximo sobre o distante.

Não apenas veja, mas observe.

O músculo da atenção se fortalece ou atrofia, em parte, durante os momentos cotidianos e comuns. O que você faz quando chega a algum lugar cinco minutos mais cedo ou quando espera na fila do supermercado? Como tantos, eu me pego segurando meu retângulo de bolso brilhante, aquela amada janela para reinos distantes. Mas esta janela também é uma persiana, fechando meus olhos para o reino bem à minha frente.

A criação tornou-se obscura para muitos. Vemos sem ver e ouvimos sem ouvir. O êxtase do mundo tornou-se um zumbido de fundo; o espectro de cores se transformou em tons de cinza. Crescemos injustamente ao contrário do Deus do Salmo 104, aquele admirador que nunca se cansa de fontes jorrando no vale, animais do campo, pássaros por entre a ramagem e a grama em crescimento, cardumes de peixes, a imensidão e vastidão (Sl 104.10-11, 12, 14, 25-26).

Também nos tornamos diferentes do atento Jesus, aquele Deus do Salmo 104 feito carne. Ele tinha um jeito de perceber o que os outros só viam, não tinha? Os discípulos viram alguns pássaros e flores; ele notou a mão paternal de Deus (Lc 6.22-31). As multidões viram sementes e fermento; ele percebeu o reino vindouro (Mt 13.31-33). As multidões viram um mendigo cego; Jesus notou o próprio Bartimeu, em toda a sua necessidade desesperada (Mc 10.46-52).

Em Emma, de Jane Austen, enquanto a heroína se encontra esperando em uma vitrine com apenas uma rua monótona do lado de fora, o narrador nos diz: “Uma mente viva e disposta pode fazer muito com o pouco que vê, e não pode ver nada que não ofereça respostas.” (p. 174). Sim, uma mente viva e tranquila — uma mente atenta — não precisa buscar compulsivamente o celular em seu bolso. Pode ver o que parece nada, porque nesse “nada” está a obra de Deus, pronta para responder ao nosso olhar. Você percebe?

Viva na atenção de Deus.

O mandamento das Escrituras de “prestar atenção” quase sempre inclui Deus ou suas palavras como objeto. Então, ele chama seu povo para prestar atenção “em tudo o que vos tenho dito” (Êx 23.13), “às minhas palavras” (Jr 6.19), na “palavra profética” (2Pe 1.19), ou simplesmente, em “mim” (Is 51.4). No entanto, quando lhe damos nossa atenção, descobrimos que ele já nos deu a sua (Sl 34.15).

Talvez muitos precisem de um “momento Agar”, um momento de despertar para a presença de El-Roi, o Deus que nos vê (Gn 16.13) — e em Cristo, o Deus que nos vê graciosamente, para sempre e constantemente. Não encontramos, quando olhamos para ele, um Deus que nos dá metade de sua atenção, ou metade de si mesmo, mas tudo: seu olhar pleno, sob sua plena graça, agora e por séculos sem fim.

Nada molda tanto nossa atenção como viver — diariamente, em adoração — na atenção amorosa de Deus. Volte seus olhos para ele ao levantar-se e veja os olhos dele voltados para você. Fale com ele nas calmarias do dia e encontre seu ouvido aberto. Retorne a ele antes de desligar sua atenção durante a noite e depois deite-se sabendo que a vontade dele jamais se desliga.

Por: Scott Hubbard. ©️ Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Endangered Attention.
©️ Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradutor: Paulo Reiss Júnior. Editor: Vinicius Limas. Revisão: Zípora Dias.