O que a morte nos ensina?

A importância de profundas reflexões nos fins que presenciamos

Melhor é … o dia da morte, melhor do que o dia do nascimento.

Eclesiastes 7.1

Eu entendo que essa é uma forma abrupta de se começar um artigo, mas é assim que o Pregador inicia Eclesiastes 7. Sem aliviar nada; ele nos empurra, de uma vez, para o fundo da piscina existencial. E então, cá estamos nós. O que você acha da afirmação do pregador? Você concorda com ele?

A afirmação se torna mais perturbadora quando percebemos que o Pregador não está falando sobre nossas mortes, mas sobre a morte das pessoas que conhecemos e amamos — mortes que experimentamos como perdas. Ele está falando sobre a morte dos nossos avós, pais, irmãos, cônjuges, filhos, membros, o restante da família, amigos, colegas e vizinhos.

Reflita sobre isso por um instante. O Pregador — e Deus, através do Pregador — está realmente dizendo que o dia em que choramos pela morte de um ente querido é melhor do que o dia que sorrimos de alegria pelo bebê recém-nascido de alguém que amamos? Sim, ele está. Mas ele diz em um sentido limitado e específico.

O que a morte tem a dizer

Nós podemos ver o que o Pregador quer dizer ao lermos mais do contexto: 

Melhor é a boa fama do que o unguento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia do nascimento.

Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração.

Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.

O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria. 

(Eclesiastes 7.1-4)

Isso esclarece o ponto do Pregador. O dia da morte é melhor que o dia do nascimento no sentido de que fala conosco de maneiras que o nascimento não fala. Porque a morte diz,

Você também vai morrer, talvez antes do que imagina. E o mesmo vale para todas as pessoas que você ama e todo enlutado que presta condolências para sua pessoa amada cuja existência terrena chegou ao seu fim. Se você é sábio, levará isso para o coração e viverá com a consciência do seu fim.

Essa não é uma mensagem que se ouve em um chá de bebê.

O caminho contraintuitivo da sabedoria 

Quando nós lemos a literatura de sabedoria da Bíblia, vemos esse tema peculiar: nós ganhamos sabedoria ao prestar uma atenção especial e ao aprender a aceitar as coisas que preferiríamos evitar.

Nós preferimos evitar desconforto significativo que a disciplina requer, contudo, vemos que “quem ama a disciplina ama o conhecimento” (Provérbios 12.1).

Nós preferimos evitar a desagradável e humilhante experiência de sermos corrigidos, contudo, vemos que “o que rejeita a disciplina menospreza a sua alma, porém o que atende à repreensão adquire entendimento” (Provérbios 15.32).

Certamente nós iriamos preferir evitar correções dolorosas, como a de sermos repreendidos, mas ouvimos um homem sábio dizer, “Fira-me o justo, será isso mercê; repreenda-me, será como óleo sobre a minha cabeça, a qual não há de rejeitá-lo” (Salmos 141.5). 

Nós ganhamos sabedoria ao prestar uma atenção especial e ao aprender a aceitar as coisas que preferiríamos evitar.

O caminho da sabedoria é, muitas vezes, contraintuitivo. Devemos aprender a amar a instrução de professores que, intuitivamente, tememos, porque eles possuem as lições que não podemos viver sem. É por isso que, quanto aos chás de bebê e funerais, o Pregador diz, “O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria” (Eclesiastes 7.4).

Mas ele não diz que somos tolos por celebrar o nascimento de um bebê. Pois o Pregador também diz, “Tudo tem o seu tempo determinado”, incluindo o “tempo de nascer e tempo de morrer,” e Deus “fez tudo formoso no seu devido tempo” (Eclesiastes 3.1-2, 11). Há um tempo para desfrutar a beleza de uma nova vida. Mas o Pregador afirma que somos tolos se, por temer a morte, evitarmos escutar suas deprimentes instruções ao nos manter distraídos e entretidos em casas de alegria. Pois o sábio descobre que mananciais essenciais para a vida fluem do que aprendemos na casa de luto.

O que os fins revelam

O Pregador também quer que saibamos que é sábio escutar não apenas o que a morte tem a nos ensinar, mas ao que todo encerramento significante tem a nos ensinar. É por isso que ele amplia seu foco na morte para incluir fins em geral: “Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio” (Eclesiastes 7.8).

O fim de algo revela o que o seu princípio esconde.

Ele fala isso não apenas porque todo fim significante em nossas vidas carrega o eco da mensagem da morte, mas também porque o fim de algo revela o que o seu princípio esconde. Ao passo que o início nos deixa esperançosos por um futuro melhor e promissor, descobrimos apenas no fim se a promessa, ou a pessoa que fez a promessa, era realmente digna da esperança que depositamos nelas. E fins significantes também frequentemente revelam o verdadeiro estado espiritual dos nossos corações — no que realmente confiamos, o que realmente nos dá esperança, e o que realmente apreciamos. 

Aqui está um exemplo de um fim revelador.

A morte de uma promessa

Um dia, anos atrás, quando meu irmão e eu estávamos limpando janelas para nos sustentar durante nossos estudos (eu na faculdade e meu irmão no seminário), nós estávamos trabalhando na casa de um casal de idosos abastados. O marido tinha conquistado um sucesso admirável em sua carreira como o fundador de uma empresa que geria uma grande cadeia regional de supermercados, que ele, então, deixou para seus filhos quando se aposentou. Ele alcançou o American Dream (Sonho Americano). 

Mas ele acabou se tornando um homem sisudo, depressivo, raivoso e amargo. Em certo ponto, depois dele dizer algo desnecessariamente duro para nós e sair, com dificuldade, do cômodo, sua esposa veio e pediu desculpas. Ela revelou-se ser o exato oposto: dinâmica, alegre, graciosa e gentil. Enquanto conversávamos, descobrimos que ela era uma irmã em Cristo, e possuía uma fé vibrante e sincera. Ela compartilhou conosco, discretamente, sobre a profunda dor que sentia no coração por conta da rejeição que seu marido tinha por Cristo e sua preocupação sobre a sua depressão severa, que começou quando sua capacidade e saúde em declínio o forçaram a renunciar sua liderança e influência na sua amada empresa. Quando sua carreira se encerrou, o mesmo aconteceu com qualquer sentido significante em sua vida. Quando terminamos o trabalho com as janelas, nós oramos com ela e por ele.

No ano seguinte, quando a mulher nos contratou novamente, ela estava só. Seu marido, não tendo nada mais pelo que viver, morreu. Ela estava enlutada. Mas sua esperança em Cristo era forte, e sua paz excedia o entendimento humano.

Sem dúvida, esse homem começou sua carreira movido pela esperança de um futuro promissor. Mas o seu fim revelou que a data de vencimento dessa promessa era a mesma que a de sua carreira. Quando tudo chegou ao seu fim, o prestígio e prosperidade que lhe restou eram vazios, agora que foram esvaziados de um futuro e uma esperança.

Você está prestando atenção? 

O Pregador sabe o quão atraídos somos pelos esperançosos cantos de sereia que pairam sobre as casas da alegria, e o quanto repugnamos os terríveis cantos fúnebres que emanam das casas de luto. Mas ele também sabe o quão enganosos esses cantos de sereia podem ser e como esses cantos fúnebres podem nos levar para a Fonte do manancial da vida.

Então, em Eclesiastes 7, ele nos empurra para o fundo da piscina ao declarar que o dia da morte é melhor que o dia de nascimento, e o encerramento de algo é melhor que o seu início. Em outras palavras, “Seria sábio prestar uma atenção cuidadosa no que os seus encerramentos estão te dizendo, especialmente quando você se encontra com a morte. Esses temíveis instrutores te tornarão sábio se você os escutar, mas os ignore por sua conta e risco.”

O Pregador deixa cada um de nós com uma pergunta implícita para respondermos: O que os seus fins estão te revelando? Pois, se prestarmos atenção, eles nos revelarão no que realmente colocamos nossa fé, o que é realmente nossa fonte de esperança, e o que realmente valorizamos. São lições importantes para se aprender. Pois tudo que carregamos conosco após a morte é a nossa fé, nossa esperança, e o nosso amor.

Por: Jon Bloom. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Sit At The Feet Of Loss – What Endings Teach The Living. Traduzido por Leonardo Souza. Revisor e Editor: Vinicius Lima.