Espaço, presença e onipresença de Deus

Onde Deus está?

Onde está Deus nesse exato momento? No céu, em uma catedral, em alguma parte da terra, orbitando uma estrela, em todos os lugares, em lugar nenhum? No seminário, em aulas de teologia sistemática, aprende-se que Deus apresenta o atributo de onipresença, a capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, e geralmente ficamos espantados ao pensar nesse atributo da onipresença. Por outro lado, desde pequeno aprendemos que ninguém pode estar em dois lugares diferentes do espaço ao mesmo tempo. Ainda que cônjuges infiéis, bandidos e até crianças, quando confrontados com suas faltas, tentem argumentar que estavam em outro lugar na hora do delito, as leis da física não permitem tal expediente. Por que é assim? Porque no universo criado por Deus a noção de espaço não admite ubiquidade, ou você está em um determinado lugar ou em outro. 

O mistério do espaço

Aliás, um dos grandes mistérios da ciência é a natureza do espaço, que vai além da noção de altura, largura e comprimento, a dimensão que é ocupado por objetos materiais, como cadeiras, planetas, partículas atômicas e seres vivos. O conceito atual de espaço é representado como um tecido quadridimensional, uma espécie de gelatina cósmica na qual o universo está imerso, onde toda a matéria existente se encontra chafurdada, e segundo a teoria da relatividade admite dilatação temporal e mesmo contração espacial. Tanto o tempo quanto o espaço mostram-se difíceis de entender e definir, dada a intrínseca conexão que há entre os dois. 

São duas as principais dificuldades em entender a dimensão espacial. A primeira de certa forma está ligada à noção de pertinência, pois por familiaridade entendemos o espaço como um lugar onde as coisas estão. Temos o espaço público, o espaço mental, o espaço abstrato, o espaço subjetivo, o espaço astronômico, o espaço de probabilidades, entre muitos outros. Em todos os casos, o espaço define um lugar, um limite, uma área. De certa forma, desde pequenos, instintivamente percebemos nossa limitação espacial, nosso pertencimento em algum lugar, e essa percepção não admite a onipresença. Portanto, a questão do espaço está relacionada com a definição de localidade, lugar. A segunda dificuldade reside na confusão dos termos espaço, espaço sideral ou mesmo o vácuo. Tendemos a achar que espaço é o espaço sideral, um lugar enorme, com alguns planetas e estrelas aqui e ali, e ao redor apenas vácuo, um vazio. Estes dois entraves dificultam o entendimento da natureza do espaço e mesmo da existência do próprio espaço, mas isso não tem impedido o ser humano de tentar entender a natureza da dimensão espacial.

Em relação à primeira dificuldade, algumas concepções científicas, como na relatividade einsteiniana, o espaço é apresentado como uma construção geométrica, que se deforma e se contrai, onde o espaço-tempo é curvado pela presença de matéria e energia, sendo a gravidade uma implicação dessa curvatura (algo bem diferente da física newtoniana, onde o espaço é absoluto e independente do tempo e da matéria). A teoria das cordas, por sua vez, dependendo da abordagem escolhida, defende a existência de onze dimensões espaciais extras, ou 26 ou até mais, que existem como dimensões compactadas em escalas quase infinitesimais, imperceptíveis aos nossos instrumentos. A complexidade em descrever o conceito de espaço se revela também na matemática, o qual é estudado em termos de topologia, um campo que investiga as propriedades espaciais que permanecem inalteradas quando este sofre contínuas deformações. Isso ajuda a entender as propriedades geométricas do espaço independentemente de uma métrica específica. Quase uma forma de caracterizar ou determinar o que faz do espaço um lugar no espaço.

Quanto a segunda dificuldade, consideremos a natureza do espaço de outra perspectiva: se fosse possível retirar toda a matéria física existente do universo, o que sobraria? Um nada? Não, ainda sobraria o espaço existente, como uma das estruturas da realidade (bem como o tempo). A ausência de matéria não faria o espaço deixar de existir, apenas o tornaria fisicamente vazio. Contudo, mesmo o vácuo mais perfeito, a mais perfeita ausência de matéria, não pode ser entendido como o nada, pois o nada por definição é a ausência absoluta de qualquer forma de existência. O vácuo sideral não está completamente vazio, mas repleto de radiações eletromagnéticas, partículas subatômicas e até flutuações quânticas (oscilações de curta duração no espaço-tempo que envolvem pares de partículas e antipartículas virtuais, em constante aniquilação) em nanoescalas inconcebíveis. Nada nesse universo criado por Deus está de fato vazio. Assim, o espaço (em conjunto com o tempo) não é exatamente um lugar, mas a estrutura na qual a matéria e energia criadas existem fisicamente. 

Falar de espaço implica também em falar de tamanho. Qual o tamanho do espaço universal? Alguns afirmam que o espaço que o universo ocupa é imenso, alguns sugerem que é infinito. Atualmente estima-se, de forma bem grosseira, que espaço observável do universo é de 93 bilhões de anos-luz (um ano-luz é equivalente a 9,5 trilhões de km), um número inimaginável para os padrões humanos. A vastidão do espaço em que o universo material está inserido é impossível conceber. Aqui vale um trocadilho: há literalmente espaço de sobra. Para a física, não é só impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas é totalmente inconcebível estar em todos os lugares deste imenso espaço, ou mesmo ter acesso a toda essa vastidão a qualquer momento. Sob essas circunstâncias, os seres que residem nesse universo, juntamente com toda a matéria existente, estão irrevogavelmente confinados pelas propriedades espaciais desse domínio de realidade. Possuem dimensão espacial, portanto se movem no espaço tridimensional (e no tempo), mas não o transcendem. Um desdobramento inquietante é que um ser que existe neste universo terá extrema dificuldade em conceber o que poderia ser uma dimensão superior a esse plano, ou mesmo imaginar a natureza de uma existência além das restrições físicas do tempo e do espaço. E é precisamente nessa restrição que reside a dificuldade em compreender a onipresença divina. Aliás, para alcançar alguma compreensão correta sobre este atributo de Deus, é essencial que algumas concepções equivocadas sejam sumariamente descartadas. Listo ao menos três.

Concepções equivocadas da onipresença divina

A primeira concepção confunde onipresença com imensidão. Alguns defendem que Deus está presente em todo o lugar por acreditar que seu tamanho é maior que o espaço do universo, e por isso o universo está contido dentro dEle, como uma esponja de cozinha no meio do oceano, onde a água se infiltra em todas as suas reentrâncias. Deus no caso preencheria os espaços e, portanto, estaria em todos os lugares. Isso é reduzir a onipresença a uma mera operação de conjunto, onde A contém B. Deus certamente é maior que o espaço, mas imensidão para Deus não é uma questão de extensão espacial, mas de infinitude em sua essência. Outra ideia igualmente equivocada é confundir Deus com o universo, a velha e ardilosa doutrina panteísta que afirma que deus é tudo e tudo é deus e, portanto, em todos os lugares deus está, porque todas as coisas são divinas. O monismo, que alega que o universo é apenas uma emanação de Deus, defende a mesma tolice. O erro nesses casos é considerar Deus e o universo em relação de identidade entre conjuntos, onde A é igual a B, eliminado qualquer paradoxo que possa vir a existir. Se tudo é divino, isso não implica que Deus está presente em todo lugar, antes indica que tudo que existe é, por implicação, divino, o que acarretaria graves dilemas morais e filosóficas na compreensão da realidade como se apresenta. 

Uma terceira concepção, um pouco mais sofisticada e um tanto bizarra, defende que Deus está em todos os lugares ao mesmo tempo, mas não nos mesmos momentos. Nessa concepção, como Deus transcende o tempo, Ele pode acessar dois (ou muitos) lugares diferentes, utilizando de frações diferentes de tempo, mas não exatamente no mesmo momento. Confuso? Explico. Dado que um momento é por definição um intervalo muito breve de tempo, mesmo este intervalo é constituído por um número infinito de frações de tempo (em um segundo há um número infinito de frações de segundo, e nenhuma fração é igual a outra). Deus, nesse caso, poderia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, sempre acessando uma fração infinitesimal de tempo diferente em cada lugar, mas nunca no mesmo momento. E, como em um cálculo integral bizarro, a soma de todas as frações infinitesimais resultaria em um contínuo espaço-temporal, dando a impressão que Deus está em todos os lugares ao mesmo tempo. Engenhoso, porém a dificuldade dessa concepção é tornar Deus limitado ou ao tempo (nunca no mesmo momento) ou ao espaço (nunca em lugares diferentes ao mesmo tempo). Há outras concepções equivocadas, mas o fato é que, toda vez que tentamos justificar a onipresença de Deus reduzindo Sua essência, ou restringindo-O ao tempo e/ou espaço, o resultado será invariavelmente um emaranhado de inconsistências lógicas ou afirmações metafísicas absurdas ou ridículas.

Onipresença e o acesso a Deus

Temos que ter claro em nossas mentes que a presença de algo no espaço é característico das coisas físicas que foram criadas e existem dentro desta dimensão. Deus não é um ser material, é espírito, não possui uma natureza física e, portanto, não está sujeito às limitações da natureza material. E por força lógica, ele não pode estar limitado a alguma coordenada espacial. Como afirmam as Escrituras, ele nem mesmo está confinado em santuários feitos pela mão humana (At 17.24). Teologicamente falando, o Senhor Deus é ilimitável, sua natureza, sua essência, aquilo que faz dele o que ele é, não conhece limites. O desafio reside em entender como essa natureza ilimitável se encaixa na natureza do espaço. A resposta mais simples é: não se encaixa, pois o espaço é uma dimensão física, e a realidade espiritual é, por falta de outra palavra, metafísica. Visto que Deus transcende a dimensão espacial, não é adequado entender que o Senhor Deus existe no espaço, posto que isso em última análise restringiria sua presença a um local ou a múltiplos locais, e a noção de localização não é aplicável a Deus. Por outro lado, se o Senhor é ilimitável, não há qualquer ponto do vasto espaço que esteja aquém ou além de sua presença. O universo físico não pode limitar o acesso de Deus a todos os lugares do espaço. Sua Pessoa se faz presente em um quarto de oração, em uma pequena rocha vagando no vasto espaço intergaláctico, ou mesmo no infinitesimal espaço de Planck entre dois fótons. Esta faceta da onipresença de Deus é traduzida pela palavra imanência, o atributo de estar presente em sua criação. Logo, não há lugar em que ele não possa ser encontrado, ainda que pareça contradizer a premissa inicial de não estar localizado em qualquer lugar. Essa inadequação de termos espaciais revela a tensão que existe entre a imanência e transcendência de Deus. Ele é Deus de longe, transcendendo o espaço, mas é Deus de perto, imanente, e sua presença perpassa todo o tecido da realidade. Não há onde se esconder de Deus, nem tampouco há algum lugar nesse universo material onde alguém possa estar mais perto ou mais distante de sua presença. Deus não está aqui ou ali, Ele simplesmente está. Todos os lugares lhe são igualmente acessíveis, ainda que possa agir de forma diferente em diferentes lugares. Ele é acessível em qualquer ponto de sua criação, estando presente em todos os momentos da existência daquele ponto, e não há lugar em que Ele não possa nos ouvir, socorrer ou mesmo derramar sua ira. Um pensamento tanto encorajador, por suas bênçãos, quanto perturbador, em seus juízos.

A Ele, seja a glória tanto neste mundo, quanto no do porvir.

Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.