O Senhor e a sua Palavra perfeitamente íntegra

A integridade da Palavra de Deus

A Palavra de Deus reflete o Senhor que se manifesta na Criação com ordem e beleza. Por isso, após descrever a sinfonia da Criação, o salmista canta a sublimidade e completude da Lei: “A lei do SENHOR é perfeita (tamiym)[1] e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices” (Sl 19.7).

Palavra que de nada carece

Calvino resumiu essas verdades ao dizer: “Ela não carece de nada que seja indispensável à perfeita sabedoria”.[2]

A Palavra é suficiente para as nossas necessidades, em todos os tempos, em todos os momentos e circunstâncias de nossa existência. Não precisa de complemento. Ela é perfeita (Tg 1.25).[3] “A glória da Bíblia é que ela é suficientemente para cada época e suficiente para cada pessoa”, exulta Schaeffer.[4]

Temos aqui um argumento a favor da doutrina enfatizada pela Reforma: Sola Scriptura. A Palavra de Deus é completa, não precisa de adendo, atualização ou revisão. Ela é perfeita e, por isso mesmo, infalível. Ela cumpre perfeitamente o propósito para o qual foi designada.

Os princípios bíblicos reunidos, interpretados contextualmente e aplicados, são suficientes para nos dirigir sabiamente de forma preventiva, orientadora e restauradora.

Restaura a alma

Ela é perfeita, completa, envolve ensinamentos que abrangem todas as nossas necessidades físicas e espirituais. Ela é suficiente e eficaz para nos gerar de novo e para nos conduzir em nossa caminhada de santificação.

“A lei do SENHOR é perfeita e restaura (shub) a alma….” (Sl 19.7). O sentido da palavra “restaurar” (Lm 1.11) é o de “refrigerar” (Sl 23.3), “restabelecer” (Sl 60.1; 85.4), “converter” (Ez 14.6).

Deus nos converte por meio de sua Palavra (Rm 10.17; Tg 1.18,21; 1Pe 1.23), nos cola na direção certa e, segue nos educando, aperfeiçoando, trazendo refrigério. Deus tira a nossa alma do exílio para uma viva alegria em sua presença. A Palavra confere sentido à nossa vida, conferindo alegria, por vezes, em meio ao caos.

Deus, com sua Palavra, dá-nos alento, trazendo-nos para junto de si mesmo a fim de que, confiados nele, possamos continuar a nossa caminhada. Deus transforma e converte o nosso desalento espiritual em fervor de serviço.

Fôlego restaurador

Na Palavra, reencontramos o fôlego restaurador da vida. Podemos estar como que “apegados ao pó” em nosso abatimento, mas a Palavra de Deus nos ergue, nos concedendo, pelas promessas dele um ânimo novo, fundamentado na certeza de que Ele reina e está em nós. “Deus emprega sua Palavra como instrumento para a restauração de nossas almas”, escreve Calvino.[5]

Somente o Espírito por meio da Palavra pode nos alimentar, corrigir, animar, conceder-nos real vitalidade amparado nas promessas de Deus. Por isso, usando uma expressão de Lutero (1483-1546), afirmamos que podemos prescindir de tudo, menos da Palavra.[6]

1. O caminho de Deus é íntegro

Não há contradição em Deus nem na sua forma de dirigir a história. A perfeição permeia toda a sua obra como expressão daquilo que Deus é em si mesmo. Por isso, as suas orientações são completas, sem mistura: “O caminho de Deus é perfeito (tamiym); a palavra do SENHOR é provada; ele é escudo para todos os que nele se refugiam” (Sl 18.30).

Ainda que possamos, pela Graça Comum de Deus, encontrar aqui e ali entre os homens elementos de verdade, somente na integridade da Palavra temos o absoluto de Deus para todos os desafios próprios de nossa existência. Por isso, quem segue a Palavra de Deus, e busca praticá-la com integridade de coração, será irrepreensível em seu caminho, em todas as circunstâncias.

2. Na integridade da Palavra não há motivo de vergonha

Quando assimilamos de coração a Palavra de Deus e a adotamos com integridade, independentemente das consequências e dos juízos dos outros, não teremos do que nos envergonhar.

Assim como o insensato alimenta em seu coração a afirmação de que não há Deus,[7] o salmista deseja profundamente algo oposto. Ele diz: “Seja o meu coração (leb) irrepreensível (tamiym) nos teus decretos, para que eu não seja envergonhado” (Sl 119.80).

Na integridade da Palavra não há engano ou mascaramento da verdade, antes, temos o absoluto de Deus para todas as nossas circunstâncias. Por isso, quem segue a Palavra de Deus buscando praticá-la com integridade de coração, será irrepreensível em seu caminho em todas as circunstâncias. Esse será bem-aventurado:

Bem-aventurados os irrepreensíveis (tamiym) no seu caminho, que andam (halak) na lei do SENHOR 2Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições e o buscam (darash)[8]  de todo o coração (leb); 3 não praticam iniquidade e andam (halak) nos seus caminhos. (Sl 119.1-3).

Bem-aventurado aquele que teme ao SENHOR e anda (halak) nos seus caminhos! (Sl 128.1).

3. Deus deseja que sejamos íntegros para com a sua Palavra

Como somos limitados, falhos, inclinados ao mal, devemos suplicar a Deus que nos dê discernimento quanto ao caminho que devemos seguir. Esta era a súplica do salmista: “Faze-me ouvir, pela manhã, da tua graça, pois em ti confio; mostra-me o caminho por onde devo andar (yalak), porque a ti elevo a minha alma” (Sl 143.8).

O caminho para sermos íntegros ‒ inteiros e não fragmentados ‒, é buscar a instrução na Palavra perfeita do Senhor.

Devemos buscar o caminho da perfeição. Davi relata o seu sincero projeto de reinado: obediência a Deus. Em outras palavras: seguir com discernimento e integridade o perfeito caminho do Senhor: Atentarei sabiamente (sakal)[9] ao caminho da perfeição (tamiym). Oh! Quando virás ter comigo? Portas a dentro, em minha casa, terei coração sincero (tom)[10] (Sl 101.2).

A vida cristã envolve necessária e essencialmente integridade. Integridade significa busca da verdade, compreensão e vida. Nenhum de nós é absolutamente íntegro, contudo, é impossível ser cristão sem esta busca de todo coração.[11]

Contudo, cabe aqui uma observação. Podemos ser íntegros para com aquilo que não tem integridade. Em outras palavras, podemos ser totalmente sinceros em relação ao erro por não percebermos o nosso equívoco. A nossa integridade, ainda que seja altamente recomendável, quando ela estiver por engano, depositada em algo de consistência frágil, movediça e enganosa, traz grande frustração.

Pense no ardor do jovem Saulo em perseguir a Igreja de Deus pensando justamente estar prestando um serviço que glorificasse a este mesmo Deus. Quanta dor e sofrimento ele causou a inúmeros cristãos sinceros e a ele mesmo quando, por graça, descobriu o seu equívoco e, convertido ao Senhor, passa a pregar com fidelidade e inteireza de coração a Palavra, ensinando ser Jesus o Cristo e Senhor (At 9; 22; 26; 1Co 15.9).

Deste modo, o mesmo Deus que exige de nós integridade, revela-se de forma coerente e verdadeira conforme a sua natureza, concedendo-nos a sua Palavra para que a conhecendo, conheçamos o seu Autor.

4. Deus abençoa os que preservam em seu coração a integridade de sua Palavra

Porque o SENHOR Deus é sol e escudo; o SENHOR dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente (tamiym) (Sl 84.11).

Adotar o caminho de Deus é sempre um testemunho de confiança em Deus e nas suas promessas, certos de sua soberania, bondade, amor e justiça: “Abomináveis para o SENHOR são os perversos de coração, mas os que andam em integridade (tamiym) são o seu prazer (ratson)(Pv 11.20).[12]

Deus se alegra em nossa obediência, em que atentemos para a sua vontade. A santa satisfação de Deus redunda em bênçãos.

Deus tem prazer em manifestar benevolência para com o seu povo: “Pois tu, SENHOR, abençoas o justo e, como escudo, o cercas da tua benevolência (ratson)(Sl 5.12).

Obedecer é mais relevante do que o celebrar ritualisticamente. O culto se manifesta em obediência aos preceitos de Deus.

Calvino (1509-1564) de forma bíblica, declara: “Ninguém é verdadeiro adorador de Deus senão aqueles que reverentemente obedecem a Sua Palavra”.[13]

A felicidade está no apego integral à Palavra de Deus: “Bem-aventurados os irrepreensíveis (tamiym) no seu caminho, que andam (halak) na lei do SENHOR” (Sl 119.1).

Quando declaramos que o Senhor é o nosso pastor, estamos dizendo que o nosso Pastor nos fala e dirige por meio de sua Palavra que é suficiente para nos orientar e conduzir em nossa vida.

 

 

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[1]A ideia da palavra traduzida por perfeita (Cf. Sl 18.30) tem também o sentido de aperfeiçoar (Sl 18.32); retidão (Sl 101.6); irrepreensível (Sl 119.1,80); inculpável (2Sm 22.24). Ela também se refere aos animais que não tinham defeito: No terceiro dia, oferecereis onze novilhos, dois carneiros, catorze cordeiros de um ano, sem defeito (tamiym) (Nm 29.20). Quanto a uma breve indicação deste termo como ocorre na Septuaginta, veja-se: Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897), Reprinted, 1981, p. 96-97.

[2] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 19.7), p. 424.

[3]Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar” (Tg 1.25).

[4] F.A. Schaeffer, O Deus que intervém, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 251.

[5]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 19.7), p. 425.

[6]“A alma pode prescindir de todas as coisas, menos da Palavra de Deus, e fora da Palavra de Deus nada mais pode auxiliá-la. Quando, porém, ela possui a Palavra, de nada mais necessitará, pois na Palavra ela encontrará satisfação, alimento, alegria, paz, luz, ciência, justiça, verdade, sabedoria, liberdade e todos os bens em abundância” (Martinho Lutero, Da Liberdade do Cristão: Prefácios à Bíblia, São Paulo: Fundação Editora da UNESP., 1998, p. 27) (Escreveu em 1520).

[7]“Diz o insensato (nabal) no seu coração (leb): Não há Deus (elohim)….” (Sl 14.1).

[8] Conforme já vimos, a palavra tem o sentido de procurar com integridade e compromisso.

[9] Agir com inteligência e discernimento. Sobre a palavra, vejam-se: William Gesenius, Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament, 3. ed. Michigan: WM. Eerdmans Publishing Co. 1978, p. 789-790; Louis Goldberg, Sakal: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1478-1480; Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (1897), Reprinted, 1981, p. 74, 224-225.

[10]Como vimos, a palavra tem o sentido de: Integridade (1Rs 9.4; Sl 7.8; 26.1,11; 37.37); sinceridade (Gn 20.5,6; Sl 25.21); pacato (Gn 25.27); ajustar (Ex 26.24). A palavra (tom) é da mesma raiz de (tamiym), (tamam): ser completo, estar terminado.

[11] “Para se viver com significado, é necessário descobrir a verdade, descobrir a realidade; uma vez descoberta, temos de viver em fidelidade para com a verdade. A integridade e a busca da verdade andam de mãos dadas” (Charles Colson; Harold Fickett, Uma boa vida, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 174).

[12]“O semblante alegre do rei significa vida, e a sua benevolência (ratson) é como a nuvem que traz chuva serôdia” (Pv 16.15).

[13]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 103.18), p. 603.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.