O Senhor e Pastor que guia o seu povo com justiça

O amparo de Deus ao seu povo

Retomo aqui parcialmente um assunto já tratado. A Palavra nos ensina que andar em justiça é uma forma preventiva de nos guardar da corrupção do pecado: “A justiça (tsedaqah) guarda ao que anda em integridade, mas a malícia subverte ao pecador” (Pv 13.6).

Quando seguimos a justiça de Deus, estamos amparados nos seus ensinamentos que são perfeitos, não há contradição neles.

A Palavra de Deus, dentro dos limites próprios do revelado, é uma expressão perfeita do que Deus é e do que Ele deseja de nós. Desse modo, podemos caminhar seguros em suas veredas.

Educar-nos a nos contentar sem fascínio pelo ímpio

Certamente, uma das formas de nos preservar no caminho da justiça é  educar-nos a contentar-nos com o que temos, sem deixar-nos fascinar pelo caminho tortuoso, aparentemente fácil e promissor da injustiça. Instrui Salomão: “Melhor é o pouco, havendo justiça (tsedaqah), do que grandes rendimentos com injustiça” (Pv 16.8).

A ambição não é necessariamente pecaminosa: Podemos desejar ter uma vida de maior comunhão com Deus, de não mais pecar, de procurar dar uma boa formação para os nossos filhos, ter uma maior estabilidade financeira, etc.[1] A questão é o quanto ambicionamos cada coisa, se o que estamos sacrificando não é o mais importante e, o caminho que seguimos para conseguir até mesmo uma boa ambição.[2]

Devemos seguir a justiça de Deus

Quando a injustiça é institucionalizada, ela, aparentemente deixa de ser injustiça. A normalidade do mundo que se autoafirma não pode se constituir para o cristão em padrão além de uma avaliação bíblica. O habitual não pode por si só tornar-se para nós em algo normal apenas pela sua frequência e visibilidade, por vezes, bem arquitetada.

Plutarco  (c. 46–120 A.D.), historiador grego da Beócia, nos conta que: “Havia em Tebas um quadro que representava os juízes sem mãos e o seu presidente com os olhos cerrados: era para indicar que a Justiça não deve aceitar recompensas, nem deixar-se seduzir”.[3]

Quando os interesses estão acima de princípios, podemos justificar todas as coisas ao nosso alvitre. Quando os fins justificam os meios, significa que os fins foram sacralizados e, por isso mesmo, os meios já estão santificados ou, digamos, perfeitamente racionalizados e legitimados.

A anormalidade da normalidade pecaminosa

O “todo mundo faz”, “é comum”, “ninguém mais pensa desse jeito”, não podem se constituir em padrão de justiça para o nosso pensar e realizar.

Afinal, quem estabelece o padrão de normalidade e justiça? A maioria? A minoria? Ou o Senhor por meio de sua Palavra?

Sandlin comenta:

A Bíblia nos revela a interpretação de Deus sobre o mundo. Ela nos diz como devemos ver e agir com nossa família e amigos, nossas mentes e corpos, bens, amor, sexo, lei, política, música e cultura popular. E não apenas mergulhar na Bíblia, mas confiar que o que Deus diz é verdade, e agir conforme essa verdade a todo momento.[4]

Por isso, a Bíblia nos ensina enfaticamente que a justiça que devemos seguir é a de Deus, conforme é-nos ensinada por Jesus Cristo. “A justiça requerida por Jesus é nada menos que a completa conformidade com a santa lei de Deus”, enfatiza Hendriksen.[5]

Lembremo-nos de que o Senhor conhece os nossos corações, sabe de nossas intenções e motivações (Jo 2.25). E é Ele mesmo quem nos julgará com justiça.

Contudo, quem de nós é suficiente para estas coisas? Precisamos, muitas vezes com dificuldade, discernir o que é justo e, num passo seguinte, agir conforme esta compreensão que deve ser modelada pela Palavra.

Os salmistas declaram a sua confiança em Deus aprendida na história do seu povo e em sua vivência. Por isso, relembram, evidenciam a sua fé e oram nesse sentido:

O teu povo, tu o conduziste (nachah), como rebanho, pelas mãos de Moisés e de Arão. (Sl 77.20).

Guiou-os (nachah) de dia com uma nuvem e durante a noite com um clarão de fogo. (Sl 78.14).

Dirigiu-o (nachah) com segurança, e não temeram, ao passo que o mar submergiu os seus inimigos. (Sl 78.53).

 E ele os apascentou consoante a integridade do seu coração e os dirigiu (nachah) com mãos precavidas. (Sl 78.72).

Guia-me (nachah) pelas veredas da justiça (tsedeq) por amor do seu nome. (Sl 23.3).

Em outro texto, o salmista pede a Deus discernimento para que possa viver em conformidade com os testemunhos de Deus: “Eterna é a justiça (qd,c,) (tsedeq) dos teus testemunhos; dá-me a inteligência (biyn)[6] deles, e viverei” (Sl 119.144).

Com discernimento, Salomão suplica a Deus o senso de justiça: “Concede ao rei, ó Deus, os teus juízos e a tua justiça (tsedaqah), ao filho do rei” (Sl 72.1).

Posteriormente, Salomão pôde dizer: “Ando pelo caminho da justiça (tsedaqah), no meio das veredas do juízo” (Pv 8.20).[7]

No Novo Testamento, Paulo insiste com o jovem Timóteo nesse ponto:

Segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão. (1Tm 6.11).

Foge,[8] outrossim, das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, o amor e a paz com os que de coração puro, invocam o Senhor (2Tm 2.22).

O verbo seguir[9] é extremamente forte. Indica no texto que devemos buscar intensamente a justiça, persegui-la constante e perseverantemente. Significa, então, que isso não é fácil.

Buscar a prática da justiça quando ainda temos inclinação para o pecado é extremamente difícil. Por isso a ênfase: buscar, empenhar-se, perseguir intensamente a prática da justiça de Deus em todas as nossas relações, em todos os nossos atos.

Justiça concreta

A justiça não é simplesmente uma questão abstrata: Nossas relações familiares, por exemplo, envolvem atitudes que estão relacionadas à nossa compreensão e prática de justiça.

Quando deixo de reconhecer o valor de alguém e a sua importância, não lhe dando o que é devido, não estaria sendo injusto?

Assim pensando, o princípio da justiça perpassa o cuidado que devo ter com meus filhos, o carinho, segurança e proteção que devo ao meu cônjuge, o respeito e a cortesia que deve marcar as minhas relações, etc.

Notemos, portanto, que o tema justiça está diluído no dia a dia em pequenas e grandes coisas.

Palavra de Deus integralmente justa

Conforme já tratamos, a Palavra de Deus é completa e integralmente justa: “Os juízos do SENHOR (Yehovah) são verdadeiros e todos igualmente (yahad) (= completamente), justos (tsadaq)” (Sl 19.9).

Deus nos instrui por meio de caminhos justos que refletem a sua justiça absoluta, perfeita e eterna.

Nos conduzir em justiça e retidão

A melhor maneira de escapar dos caminhos tortuosos e das armadilhas que preparam para nós em nosso propósito de servir a Deus, é nos conduzindo em retidão e justiça.

Contudo, somos falhos, não temos sempre clareza quando ao caminho a seguir e, além disso, somos pecadores, inclinados ao mal, por isso a oração de Davi: “SENHOR, guia-me (nachah) na tua justiça (tsedeq), por causa dos meus adversários; endireita diante de mim o teu caminho” (Sl 5.8).

Em nossos planos e decisões há sempre uma perspectiva de estarmos acertando no que fazemos. Todavia, há em nossas escolhas, em geral, uma expectativa pelo resultado delas.

Não estou me referindo a comportamentos explicitamente pecaminosos, antes, às decisões que tomamos as quais nos parecem corretas e necessárias, todavia, com o passar do tempo surgem dificuldades que nos fazem pensar se agimos certo, se a nossa escolha foi a mais sábia e prudente. O fato é que as nossas decisões são tomadas dentro das nossas contingências espaciais e temporais, próprias da nossa finitude. O máximo que conheço empiricamente, é o fato, não a possibilidade do fato. Esse conhecimento absoluto pertence unicamente a Deus que é o senhor do que ocorre e de todas as suas possibilidades, já que nada escapa ao seu domínio.

A misericórdia de Deus se manifesta no fato dele nos dirigir por meio de sua Palavra de forma justa. Retornemos à súplica do salmista: “SENHOR, guia-me na tua justiça, por causa dos meus adversários; endireita diante de mim o teu caminho” (Sl 5.8).

O salmista apela não para o seu senso de justiça, antes para a “Tua justiça”, ou seja: para a justiça de Deus, a qual é santa e perfeita.

Tantos eram os adversários do salmista que somente Deus poderia guiá-lo de forma segura; o terreno era minado, as armadilhas constantes, a falsidade predominava (Sl 5.8-9).[10]

Como nos conduzir em tal terreno?

Por isso a súplica por Deus guiá-lo em sua justiça. De modo complementar, podemos observar que quando somos injustiçados e perseguidos, talvez, de forma pragmática sejamos tentados a pensar que esta é a forma eficaz de agir. Deste modo, quando detemos o poder que julgamos ser adequado para nos vingar, tendemos a agir da mesma forma. Assim procedendo, cometemos os mesmos pecados dos quais fomos alvo pela malícia de nossos inimigos.

De fato, devemos suplicar a Deus que nos guie em justiça. O nosso senso de justiça pode ser muito apurado quando estamos em minoria, portanto, em desvantagem. O difícil é manter o senso de justiça, moldado pela Palavra, quando nos sentimos fortalecidos e supostamente com o poder de decidir o nosso futuro e a sorte de nossos inimigos.

Portanto, meus irmãos, devemos buscar sempre em oração o discernimento dado por Deus a fim de aplicar a sua Palavra em nossas decisões e escolhas. Além disso, nos esforcemos por entender as nossas circunstâncias e aplicar a Palavra na condução de nossa vida. Ajamos com integridade, certos da bênção de Deus.

“Ao meu redor Deus sempre está”

Essa direção de Deus é por si só uma grande bênção preservadora de seu povo: “Pois tu, SENHOR, abençoas o justo e, como escudo, o cercas (‘ãtar) da tua benevolência (ratson)(Sl 5.12).

Deus tem prazer em nos abençoar, manifestando de múltiplas formas a sua benevolência.

Como uma das palavras hebraicas para coroa (‘atãrãh) é derivada de (‘ãtar), acredito poder dizer que Deus nos protege, nos cercando, com a sua coroa real, declarando com isso que somos o seu povo, súditos do seu reino; ninguém poderá nos atingir se Ele assim não o permitir. Essa é a palavra de consolo e estímulo de Pedro às igrejas da dispersão:

9 Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;  10 vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia. (1Pe 2.9-10).

Davi declara que Deus coroa o seu povo preservando-o com graça e misericórdia:  “Quem da cova redime a tua vida e te coroa (‘ãtar) de graça (hesed) e misericórdia” (Sl 103.4). Sendo assim, bendigamos ao Senhor (Sl 103.2).[11]

O nosso Deus é Rei e Pastor. Como Rei, dirige a história. Como Pastor, nos guia em segurança pelo caminho da justiça.

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[1] “Todo crente deve sentir desejos de manter-se afastado da falsa ambição e da busca inadequada de grandezas e honras” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã,  São Paulo: Novo Século, 2000, p. 41).

[2] “É prática comum entre os ambiciosos adular torpemente  aqueles por cujo favor esperam o melhor para si; insinuam-se em suas boas graças, para que, quando os melhores homens tiverem sido destituídos, possam reinar sozinhos” (João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 6.12), p. 186).

[3]Plutarco, Os Mistérios de ìsis e Osíris, São Paulo: Nova Acrópole do Brasil, 1981, 10, p. 21.

[4]P. Andrew Sandlin, Deus decide o que é normal, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2021, p. 14.  (Edição do Kindle).

[5]William Hendriksen, Mateus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, v. 1, (Mt 5.20), p. 411. “O que o judeu descobriu, ou melhor, o que ele sabia ser-lhe revelado providencialmente, era que é apenas em conformidade com a justiça de Deus que o homem pode experimentar a mais alta felicidade para qual sua natureza foi criada. Estar em conformidade com a justiça de Deus é estar em ordem consigo mesmo, e assim descobrir harmonia e paz” (A.H. Leitch, Justiça: In: M.C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008., v. 3, p. 808-809).

[6]A palavra tem também o sentido de discernimento, prudência, sabedoria e percepção.

[7] “Quem se desvia do caminho da justiça, há de vagar na maior miséria pelas sendas da iniquidade” (Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulinas, 1997, (Patrística, 9/1), v. 1, (Sl 2.12), p. 29).

[8] O verbo, no presente imperativo, indica uma ação que deve se tornar um hábito de vida.

[9]O verbo está no presente imperativo ativo. Associando-se o fugir ao seguir, temos um comportamento constante e complementar que deve fazer parte da conduta cristã. Ele é utilizado sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra utilizada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14). O escritor de Hebreus diz que devemos perseguir a paz e a santificação (Hb 12.14). Pedro ensina o mesmo a respeito da paz (1Pe 3.11).

[10]8 SENHOR, guia-me na tua justiça, por causa dos meus adversários; endireita diante de mim o teu caminho; 9 pois não têm eles sinceridade nos seus lábios; o seu íntimo é todo crimes; a sua garganta é sepulcro aberto, e com a língua lisonjeiam” (Sl 5.8-9).

[11]Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios” (Sl 103.2).

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.