O Senhor e Pastor que é sensível às circunstâncias de nossa vida | parte 2

Deus preserva com cuidado seu povo

No post anterior terminei afirmando que o Senhor preserva o seu povo e, ainda que não entendamos e percebamos isso em cada circunstância, o nosso Rei e Pastor faz com que todas as coisas cooperem conjuntamente para o nosso bem; para que nos assemelhemos a Cristo.

Continuemos.

Os ímpios ridicularizam

No entanto, os ímpios e ateus ridicularizam a nossa forma de ver a realidade, de pensar e proceder. A nossa fé soa estranha e até mesmo desconcertante para os que não creem quando, por algum motivo, o que cremos afeta o interesse ou desejo de quem se opõe a essa perspectiva.

Há vários tipos de sanções sociais. Em algumas ocasiões de oposição amena, podem até caçoar de nós; mas devemos permanecer firmes. Na descrição feita do homem que nega a Deus, há um destaque para a sua ação contra os que confiam no Senhor:  “Meteis a ridículo (bosh) (= Confundem, envergonham) o conselho (’etsah) (= Caminho, desígnio) dos humildes, (‘aniy)[1]mas o SENHOR é o seu refúgio” (Sl 14.6).

Perseguição no campo das ideias

Como se não bastasse a exploração e destruição dos pobres, há também um tipo de perseguição no campo das ideias. Os iníquos por se julgarem muito fortes – por serem maioria e, portanto, conforme inferem, mais consistentes intelectualmente −, não havendo nada nem ninguém acima deles, se sentem livres para praticarem todos os atos de maldade. A maioria tende a ter a falsa sensação de impunidade, ainda mais quando o poder está em suas mãos.

Assim, eles ridicularizam (envergonham,[2] submetem a vexame,[3] confundem)[4] os projetos dos pobres, daqueles que não podem se defender.[5]

Esta é uma atitude comum ao ímpio, conforme vimos no Salmo 10:

2Com arrogância, os ímpios perseguem o pobre (‘aniy). (…) 8 Põe-se de tocaia nas vilas, trucida os inocentes nos lugares ocultos; seus olhos espreitam o desamparado. 9Está ele de emboscada, como o leão na sua caverna; está de emboscada para enlaçar o pobre (‘aniy): apanha-o e, na sua rede, o enleia. 10 Abaixa-se, rasteja; em seu poder, lhe caem os necessitados. (Sl 10.2,8-10).

O ímpio aqui descrito usa de todos os recursos que lhes vem à mão para destruir, dominar, intimidar e ridicularizar o crente fiel.

A motivação primária é o seu ódio a Deus e a tudo que pareça negar a sua cosmovisão. Desse modo, ele se vale de técnicas diferentes conforme as circunstâncias. Se não for possível perseguir, ele não o fará diretamente, porém, há formas alternativas como: A intimidação, a ridicularização, o isolamento intelectual ou o esquecimento, que não deixam de ser tipos de sanções.

Quanto a essas e outras formas de discriminação intelectual, precisamos permanecer firmados na Palavra, prontos a testemunhar de forma teórica e prática a respeito de nossa fé procedente da Escritura.

A instrução de Pedro parece-nos hoje de especial relevância: “Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15).

Deus nos dará o discernimento no momento certo.

Observo  há alguns anos, que adolescentes e jovens cristãos estão se despertando para a leitura de ficções. Isso é bom. Proporciona um dinamismo intelectual e imaginativo bastante significativo.

No entanto, é importante que os pais aprendam a contar histórias de sua família, origem, equívocos, momentos marcantes, personagens que foram decisivos, a adoção da fé cristã, características, etc.

O salmista dá testemunho da história que ele aprendeu a respeito do livramento dos seus pais por parte do Senhor. Seus pais confiaram no Senhor e não se frustraram: 4 Nossos pais confiaram em ti; confiaram, e os livraste.  5 A ti clamaram e se livraram; confiaram em ti e não foram confundidos (bosh) (Não foram envergonhados,[6] decepcionados, humilhados) (Sl 22.4-5).

Oração confiante

Em outro contexto, encontramos a súplica do salmista amparada no poder e cuidado de Deus: “Guarda-me a alma e livra-me; não seja eu envergonhado (bosh), pois em ti me refugio (chasah) (Sl 25.20) (Sl 31.1,17).

Jamais seremos envergonhados por depositar a nossa fé e esperança no Senhor. Por outro lado, os que agem de forma traiçoeira, experimentarão justamente o oposto: “Com efeito, dos que em ti esperam, ninguém será envergonhado (bosh); envergonhados (bosh) serão os que, sem causa, procedem traiçoeiramente” (Sl 25.3).

Em outro lugar, o salmista faz uma pergunta desconcertante: “Que homem há, que viva e não veja a morte? Ou que livre (malat) a sua alma das garras do sepulcro?” (Sl 89.48).

Deus não nos livra necessariamente da morte, dentro do tempo que Ele mesmo tem o controle, contudo, nos livra do poder da morte que nos fala de tristeza, amargura e incerteza.

A angústia da morte pode nos assolar de várias maneiras, especialmente quando a sentimos perto, geograficamente (pessoas perto de nós falecem), emocional e afetivamente (entes queridos e amigos morrem) ou, existencialmente (enfermidade e ou o avançar de nossos dias).

Esses fatos tendem a nos dominar, até que tornemos para a promessa de Deus que nos garante a vida eterna e a vitória sobre a morte por meio da obra vitoriosa de Cristo Jesus, o Sumo Pastor:

53 Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade.  54 E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória.  55 Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?  56 O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.  57 Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo. (1Co 15.53-57).

Paulo, o velho apóstolo, no final de sua jornada terrena, expressa essa convicção em sua orientação a Timóteo:

8 Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus,  9 que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos,  10 e manifestada, agora, pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho. (2Tm 1.8-10).

O que devemos fazer?

Clamar a Deus, suplicar pelo seu socorro. Esse é o testemunho do salmista ao resumir a peregrinação do povo no deserto: 18 A sua alma aborreceu toda sorte de comida, e chegaram às portas da morte.  19 Então, na sua angústia, clamaram ao SENHOR, e ele os livrou das suas tribulações.  20 Enviou-lhes a sua palavra, e os sarou, e os livrou (jl;m’) (malat) do que lhes era mortal” (Sl 107.18-20).

O salmista (Sl 116) narra a sua experiência de perigo de vida e sua oração confiante em Deus:

Amo o SENHOR, porque ele ouve a minha voz e as minhas súplicas.  2 Porque inclinou para mim os seus ouvidos, invocá-lo-ei enquanto eu viver.  3 Laços de morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim; caí em tribulação e tristeza.  4 Então, invoquei o nome do SENHOR: ó SENHOR, livra-me (jl;m’) (malat).  5 Compassivo e justo é o SENHOR; o nosso Deus é misericordioso.  6O SENHOR vela pelos simples; achava-me prostrado, e ele me salvou.  7 Volta, minha alma, ao teu sossego, pois o SENHOR tem sido generoso para contigo.  8 Pois livraste da morte a minha alma, das lágrimas, os meus olhos, da queda, os meus pés.  9 Andarei na presença do SENHOR, na terra dos viventes. (Sl 116.1-9)

Fé operosa no Senhor dos meios

Devemos usar dos recursos disponibilizados por Deus sem jamais colocar nossa fé nos recursos.

Dito de outro modo, precisamos aprender a confiar em Deus, ainda que nos valhamos licitamente dos recursos que Ele nos fornece: “O cavalo não garante vitória; a despeito de sua grande força, a ninguém pode livrar (jl;m’) (malat) (Sl 33.17).

Não devemos transferir a nossa confiança em Deus para os meios que Ele nos concede. Devemos nos valer com sabedoria de tudo que Deus coloca às nossas mãos, visando sempre à sua Glória.

Como temos visto, na iminência do cativeiro assírio, Israel foi desafiado a confiar em Deus, não em alianças com outras nações. Nas profecias contra os egípcios e os etíopes, Deus fala do futuro desses povos, nos quais Israel confiava:

 3 Então, disse o SENHOR: Assim como Isaías, meu servo, andou três anos despido e descalço, por sinal e prodígio contra o Egito e contra a Etiópia,  4 assim o rei da Assíria levará os presos do Egito e os exilados da Etiópia, tanto moços como velhos, despidos e descalços e com as nádegas descobertas, para vergonha do Egito.  5 Então, se assombrarão os israelitas e se envergonharão por causa dos etíopes, sua esperança, e dos egípcios, sua glória.  6 Os moradores desta região dirão naquele dia: Vede, foi isto que aconteceu àqueles em quem esperávamos e a quem fugimos por socorro, para livrar-nos (jl;m’) (malat) do rei da Assíria! Como, pois, escaparemos nós? (Is 20.3-6).

Zofar falando sobre o ímpio que explora o seu próximo, diz que na sua ansiedade em torno de seus bens e na calamidade,[7] o dinheiro extorquido e acumulado,   não lhe servirá de salvação:

17 Não se deliciará com a vista dos ribeiros e dos rios transbordantes de mel e de leite.  18 Devolverá o fruto do seu trabalho e não o engolirá; do lucro de sua barganha não tirará prazer nenhum.  19 Oprimiu e desamparou os pobres, roubou casas que não edificou.  20 Por não haver limites à sua cobiça, não chegará a salvar (malat) as coisas por ele desejadas. 21Nada escapou à sua cobiça insaciável, pelo que a sua prosperidade não durará.  22 Na plenitude da sua abastança, ver-se-á angustiado; toda a força da miséria virá sobre ele. (Jó 20.17-22).

Como vimos, Davi poupou a vida de seu cruel perseguidor. O texto nos diz que após Davi ter evidenciado o seu temor de Deus, manifestado em sua bondade e respeito para com o rei, lemos na narrativa as palavras de Saul:

 16 Tendo Davi acabado de falar a Saul todas estas palavras, disse Saul: É isto a tua voz, meu filho Davi? E chorou Saul em voz alta.  17 Disse a Davi: Mais justo és do que eu; pois tu me recompensaste com bem, e eu te paguei com mal.  18 Mostraste, hoje, que me fizeste bem; pois o SENHOR me havia posto em tuas mãos, e tu me não mataste.  19 Porque quem há que, encontrando o inimigo, o deixa ir por bom caminho? O SENHOR, pois, te pague com bem, pelo que, hoje, me fizeste.  20 Agora, pois, tenho certeza de que serás rei e de que o reino de Israel há de ser firme na tua mão.  21 Portanto, jura-me pelo SENHOR que não eliminarás a minha descendência, nem desfarás o meu nome da casa de meu pai.  22 Então, jurou Davi a Saul, e este se foi para sua casa…. (1Sm 24:16-22).

Uma bela cena de aparente arrependimento e reconciliação. Mas, há um porém. No final do verso 22, quando diz que Saul foi para a sua casa, regista: “Porém Davi e os seus homens subiram ao lugar seguro” (1Sm 24.22/1Sm 23.22).

Certamente Davi suspeitou das palavras do rei carregadas de emoção. A história vem nos mostrar que ele estava certo, já que a perseguição continuou. Em outro momento e, mais uma vez Davi poupa a vida de Saul e, mais uma vez, esse se arrepende e, posteriormente continuou a sua perseguição (1Sm 26.1-25). Mas, Davi, conhecendo a perspicácia e inconstância do rei em honrar a sua palavra, considerou mais seguro habitar entre os filisteus (1Sm 27.1-4).

Pura ironia. Davi ganhou projeção por ter matado o herói dos filisteus, Golias. Agora, para proteger-se de seu rei, se abriga entre os filisteus.

Deus continua dirigindo a história. Devemos usar do discernimento que Ele nos concede.

Por vezes somos levados simplesmente pelo que parece ser razoável e agradável e deixamos de examinar a questão dentro de um prisma bíblico, buscando a orientação de Deus.

Com frequência, superestimamos a nossa capacidade intelectual em detrimento dos preceitos de Deus. Isso é muito perigoso. O sábio Salomão nos instrui: “O que confia no seu próprio coração é insensato, mas o que anda em sabedoria (chokmah) será salvo (malat) (Pv 28.26).

Essa sabedoria é-nos ensinada por Deus. Por isso, andar em sabedoria, é andar segundo o caminho de Deus: “Eis que te comprazes na verdade no íntimo e no recôndito me fazes conhecer a sabedoria (chokmah)[8](Sl 51.6).

Henry (1662-1714) comenta:

Aqueles que fazem de qualquer criatura a sua expectativa e a glória, e desta maneira a colocam em lugar de Deus, cedo ou tarde se envergonharão dela. O desencanto com as criaturas, ao invés de levar-nos ao desespero, deveria nos levar a Deus; e a nossa expectativa não será vã. A mesma lição está agora vigente, e onde buscaremos socorro na hora da necessidade senão no Senhor, justiça nossa?[9]

A confiança em Deus e nas suas promessas, caracterizada pela obediência à Palavra e o abandono de uma vida que seja regida apenas pelo nosso coração – aqui envolvendo a nossa razão, emoção e vontade –, é o caminho da sabedoria e da libertação preventiva de uma série de males.

Nós crescemos quando aprendemos a confiar em Deus e a descansar em suas promessas.

A obediência é a fé manifestada.[10] A fé é a obediência oculta.

Cito Henry mais uma vez:

Muitas vezes o mundo considerará os crentes como loucos, quando se destacarem por obedecerem a Deus. Porém, o Senhor sustentará os seus servos submetidos aos efeitos mais agudos de sua obediência, e muitas vezes será leve para aqueles que são chamados a sofrer por Ele, quando comparados às multidões que gemem, anos após ano, por causa do pecado.[11]

O Senhor como nosso Pastor conduz o seu povo, o livrando e o preservando em fidelidade.

 


[1](‘aniy) (“necessitado”, “fraco”, “pobre”, “aflito”, “humilde”). Indica alguém que está indefeso, sujeito à opressão (Ver: Leonard J. Coppes, ‘Ãnâ: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1145-1146).

[2] Gn 2.25; 2Sm 19.5; Sl 25.2,3 (duas vezes); 119.46.

[3] Sl 6.11.

[4] Sl 22.6.

[5]“…. Nada parece mais ilógico aos sentidos da carne do que lançar-se nas mãos de Deus quando Ele nem mesmo percebe nossas calamidades; e a razão é que a carne julga a Deus tão-somente pelo prisma do que ela presencia imediatamente o que provém de sua graça. Portanto, sempre que os incrédulos veem os filhos de Deus tragados pelas calamidades, eles os invectivam por sua infundada confiança, segundo a impressão que eles têm, e com sarcásticos escárnios se riem da inabalável esperança com que se entregam a Deus, de quem, não obstante, não recebem socorro algum” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 14.6), p. 284-285).

[6] Is 45.16; Ez 36.32.

[7] “O ganho ilícito a quem quer que seja leva mais à ruína que à prosperidade” (Sófocles, A Antígone, 2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1968, 310,  p. 17).

[8] Somente Deus pode nos ensinar para que tenhamos um coração sábio (Sl 90.12; Pv 2.6). Quem anda em sabedoria não caminha de forma cambaleante (Sl 107.27). A sabedoria começa pelo temor do Senhor (Sl 111.10; Pv 1.7). Ela nos faz feliz (Pv 3.13).

[9] Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Is 20), p. 575.

[10]Veja-se: Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, com toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 44.

[11]Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Is 20), p. 575.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.