O Senhor e Pastor que é sensível às circunstâncias de nossa vida | parte 3

O perfeito cuidado de Deus com seu povo

2. Cuida do seu povo

A origem de nossa palavra “cuidar”, em sua evolução, está associada  à “prestar atenção”, “cautela”, “assistir”, “pôr solicitude”. O cuidar é o exercício do cuidado; é o cuidado em ato. É na família onde vemos o seu primeiro exercício, especialmente por parte da mãe que protege o seu bebê que, em relação aos animais, nasce totalmente defasado, não podendo sobreviver sozinho nos períodos mais tenros de idade. O cuidado nesse caso, relaciona-se diretamente com o seu amor preservador. Por isso, inclusive, soa tão natural a expressão: “Quem ama cuida”.

O nosso cuidado

Quando falamos a respeito do cuidado exercido por nós, me  ocorrem algumas particularidades que pontuo:

1) Fragilidade circunstancial ou não de quem ou do que será alvo do cuidado e a responsabilidade de quem cuida.

Por exemplo:

O pai quando viaja e pede simbolicamente ao filho pequeno que cuide de sua mãe.

A família que viaja e pede à vizinha que cuide de suas plantas e/ou cachorro.

Na realidade, a mãe continuará cuidando (alimentando e protegendo) do seu filho. No outro exemplo, é possível que o dócil pitbull espante algum intruso que desejava pular o muro para invadir a casa da sua “cuidadora” e a vizinha aproveite umas folhas de boldo que pegou no seu quintal (na sua ausência enquanto alimentava o Argos) o  para fazer um chá… Nesses casos, quem “cuidou” de quem?

2) Envolve o grau de interesse pelo quê guardamos: É muito importante para mim? – Uma foto recuperada de nossos avós, uma carta, um livro, etc.

3) O valor objetivo e subjetivo do quê guardamos: É muito valioso em si ou subjetivamente: para mim ou para alguém? – Um anel de ouro incrustado de diamantes, o notebook que acabei de comprar, a primeira carta que o casal trocou há 40 anos quando se apaixonou.

4) O fator tempo e propósito: O que pretendemos fazer com isso? Guardar por guardar? Esperar para valorizar?

O nosso cuidado sofre, entre outras, de uma limitação básica: Cuidamos e guardamos dentro de nossas possibilidades físicas, intelectuais e morais. Contudo,  com propósitos que não temos como garantir de que serão atingidos.

Assim, relíquias se quebram pela decomposição do material; vendemos a casa que herdamos de nossos pais com a sensação de que parte de nossa história se perdeu ali; nos desfazemos de objetos (móveis, bibliotecas) que guardamos com tanto carinho mas, já não temos mais espaço: nos mudamos para uma casa menor…

Um pouco da eficácia de nosso cuidado só poderá ser visto após alguns ou muitos anos e, mesmo assim, apenas parcialmente.

O Cuidar perfeito de Deus

O homem não vive em um vácuo temporal distante de Deus que é eterno e transcende o tempo e a matéria. O homem e toda a criação, ou seja; todo o universo é preservado (cuidado) por Deus.

O cuidar de Deus transcende totalmente à nossa capacidade de o perceber em toda a sua extensão. Vemos alguns aspectos aqui e ali e, mesmo assim, mudamos de opinião, fruto de nossa limitação, a respeito dessa realidade.

Ilustro: Imaginem uma empresa que durante o período de pandemia atravessa uma grave crise financeira. Por isso, resolve cortar drasticamente seus custos. Com isso, temos as demissões. Você não foi demitido. Contudo, colegas, amigos e talvez alguns irmãos seus o foram. Você pode dizer: Deus cuida dos seus. Talvez até pense lá em uma zona cinzenta de seu coração: Eles adotaram um critério justo, afinal, sou um excelente funcionário…

Seis meses depois, a empresa fecha suas portas. É decretada falência. Descobre-se que ela já não vinha pagando impostos há muito tempo, nem dando o destino certo ao recolhimento do INSS, nem depositando o FGTS de muitos funcionários. Por isso, a empresa não tem como saldar as suas dívidas e as  multas rescisórias. Ou seja:  Você é demitido com todos os direitos, mas, sem nada receber…  O número de anos pagos para a sua aposentadoria está comprometido.

Talvez alguém demitido há seis meses – que enfrentou um período de incompreensão e até revolta −, diga agora: Deus cuidou de mim, fui demitido antes da empresa quebrar; recebi todos os meus direitos e deu até para tentar o empreendimento pelo qual orava. Este pode pensar e verbalizar com a esposa: “Deus escreve certo por linhas tortas”.

Afinal, Deus cuidou de você lá ou agora?

O cuidado de Deus obedece a uma agenda eterna que é regida por sua soberania, sabedoria e bondade, envolvendo a maldade do ser humano, os nossos pecados, arrependimento, confissão, orações, etc. Por isso é que o seu cuidado é sempre perfeito tendo em vista o seu propósito eterno. Portanto, em resposta à pergunta anterior, podemos dizer que Deus cuidou antes e depois e, continua cuidando de seu povo.

Ainda que Deus em sua soberania e bondade se valha de meios para nos proteger – o que deve ser alvo de nossa consideração –, devemos ter a firme convicção de que quem nos protege é o Senhor em todas as circunstâncias. Esse é um aspecto da soberania de Deus sobre todas as coisas. (2Rs 5.1).[1]

O Antigo Testamento emprega diversas expressões que indicam o cuidado de Deus e a confiança dos salmistas na preservação do Senhor.[2] Vamos, dentro desse tópico analisar algumas delas.

A ideia de guardar é de cuidar criteriosamente.

Deus está ao nosso lado nos guardando

O salmista confiante em Deus, suplica o cuidado do Senhor contra os ímpios e violentos, porque o Senhor está acima de todos e sabe de seu procedimento e do propósito do ímpio: Guarda-me (shamar), SENHOR, da mão dos ímpios, preserva-me do homem violento, os quais se empenham por me desviar os passos” (Sl 140.4).

Em outros contextos o salmista dá testemunho concernente à certeza do cuidado preservador de Deus:

Se o SENHOR não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o SENHOR não guardar (shamar) a cidade, em vão vigia a sentinela (shamar). (Sl 127.1).

O SENHOR te guardará (shamar) de todo mal; guardará (shamar) a tua alma. SENHOR guardará (shamar) a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre. (Sl 121.7-8).

O seu cuidado não diminui os nossos esforços em guardar e vigiar a cidade. No entanto, o vigiar da sentinela será inútil sem a concorrência do propósito e poder preservador de Deus.

Todas as circunstâncias, lugares e para sempre

O cuidado de Deus não é apenas em algumas circunstâncias, antes envolve a saída e a entrada.

Todos os nossos empreendimentos; a nossa ida e volta ao trabalho; dentro e fora de casa; dentro e fora da cidade; em nosso trabalho, estudo e lazer.

Não há impedimentos espaciais para a demonstração do amor e cuidado de Deus. É isso que nos diz o salmista: 9 Se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, 10ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá” (Sl 139-9-10).

“Desde agora e para sempre” (Sl 121.8), declara o salmista. Deus nos guarda agora e, nos levará a salvo à eternidade. Ninguém poderá nos separar do seu eficaz cuidado. Ele é a nossa herança para sempre!

O cuidado de Deus tem um objetivo eterno. Nós somos filhos da eternidade, não do tempo; e é para ela, em outras palavras, para Deus mesmo que Ele nos preserva; para estarmos perfeitamente com Ele em glória na contemplação da majestade de seu Filho. (Jo 17.24/ Fp 1.23; 1Ts 4.17).

Essa é a confiança do apóstolo Paulo transmitida aos romanos:

Porque eu estou bem certo de que nem morte, nem vida, nem anjos, nem principados, nem cousas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Rm 8.38-39).

Calvino comenta:

Fôssemos julgar com base na mera aparência, e os filhos de Deus estariam longe de ser assim amparados sob seu cuidado; amiúde lutam e ofegam com dificuldade, ocasionalmente tropeçando e caindo, e é com muito esforço que avançam em sua trajetória; mas como no meio de toda essa decadência é tão-somente pelo singular auxílio de Deus que são preservados a cada instante de cair e de ser destruídos, não nos surpreende que o salmista fale em termos tão exaltados da assistência que recebiam da administração angelical.[3]

Paulo no final da vida, transmite a sua mais sincera segurança:  “Porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo que é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (2Tm 1.12).

Vivemos neste mundo. Este mundo pertence a Deus. No entanto, Deus tem para nós uma vida plena em um mundo transformado, onde não haverá mais pecado. Em nosso íntimo temos uma certa nostalgia de uma companhia perdida pelos nossos Pais, quando desobedeceram a Deus, sendo expulsos do Paraíso.

Deus cuida de nós, nos guiando de volta ao lar. Podemos encarar a nossa vida sem medo. Não importa o que aconteça, o Senhor cuida de nós. Ele mesmo nos conduzirá à glória juntamente com o nosso Senhor.[4]

Mcgrath escreveu com profunda sensibilidade:

Nossa alma é como uma agulha de metal atraída para o polo magnético de Deus. Apesar de vivermos aqui na terra, a beleza, a alegria e a esperança do paraíso modelam nossos pensamentos e atos. O evangelho desvela um mundo modelado na história que confere sentido aos enigmas da nossa experiência – enquanto ao mesmo tempo oferece esperança para o futuro”.[5]

 

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[1]“Naamã, comandante do exército do rei da Síria, era grande homem diante do seu senhor e de muito conceito, porque por ele o SENHOR dera vitória à Síria; era ele herói da guerra, porém leproso” (2Rs 5.1).

[2] “O cuidado de Deus com a humanidade é enfatizado do começo ao fim do Antigo Testamento. Deus é o pastor que nos acompanha, apoia e sustenta, mesmo no vale da sombra da morte  (Sl 23.4)” (Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 169).

[3]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 91.12), p. 453.

[4]Veja-se: J.I. Packer, Força na fraqueza: vencendo no poder de Cristo, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 30.

[5]Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 157.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.