Quantas coisas você pode fazer sem Jesus?

À parte da graça, o homem nada pode fazer. O “livre-arbítrio” nada pode fazer e nada é.

– Martinho Lutero

Como dissemos anteriormente, começamos um novo tipo de postagem no Voltemos ao Evangelho: Voltemos aos Clássicos, onde iremos ler e discutir juntos um livro que seja um clássico da literatura cristã. Para esta discussão era preciso ler o capítulo 4 do livro Nascido Escravo.

Recapitulando

Chegamos ao capítulo final de Nascido Escravo, uma versão condensada do clássico De Servo Arbitrio, publicado inicialmente em 1525. Nele, Lutero responde à defesa de Erasmo do livre-arbítrio (definido por este como “o poder da vontade humana, mediante o qual uma pessoa pode aplicar ou afastar-se das coisas que conduzem à eterna salvação”, p. 45)

No primeiro capítulo, Lutero examina o que as Escrituras ensinam sobre o livre-arbítiro e conclui que “o ‘livre- arbítrio’ nada é senão um escravo do pecado, da morte e de Satanás” (32). No segundo capítulo, Lutero examina o que Erasmo ensinava, refutando principalmente o argumento de que se Deus ordenou algo então devemos ter uma capacidade inata de cumpri-lo. Lutero responde que “ao homem é mostrado o que ele deve fazer, e não o que ele pode fazer” (52). No terceiro capítulo, lemos o que Lutero pensava sobre o ensino de Erasmo, onde aquele acusa este de deturpar o sentido simples do texto, principalmente Romanos 9. Lutero defende que quando a Bíblia diz que Deus endureceu o coração de Faraó significa que “farei com que o coração do Faraó se endureça” (75), mas isso sem criar “uma nova maldade no coração dos homens” (74).

No quarto capítulo, que iremos debater hoje, Lutero rebate as respostas de Erasmos contra textos bíblicos que são contra o livre-arbítrio (Gn 6.3, 5; 8.21; Isaías 40.1-2, 6-7; Jr 10.23; Pv 16.1; Jo 15.5).

O que é nascido da carne é carne

A grande questão neste capítulo é que o homem é carnal. Contudo, o termo “carne” pode ser tanto usado no sentido daquilo que é oposto ao Espírito, quanto no sentido de corpo físico. Como diferenciar? Esta é a resposta de Lutero:

“Você observará que, nas Escrituras, sempre que a palavra “carne” é contrastada com a palavra “espírito”, ela significa tudo aquilo que se opõe ao Espírito de Deus. Somente quando a palavra “carne” é usada isoladamente é que se refere ao corpo físico.” (89)

Erasmo parecia querer negar a dicotomia entre carnal e espiritual que existe na Bíblia. Já Lutero afirma que faz “uma clara distinção entre ‘carne’ e ‘Espírito’” (93). Eis a análise dele de João 3.6:

A esta altura, é importante darmos atenção à passagem de João 3.6: “O que é nascido da carne, é carne; e o que é nascido do Espírito, é espírito”. Este texto nos mostra, claramente, que tudo aquilo que não nasceu do Espírito de Deus é carne. Isso não quer dizer que somente uma porção, ou mesmo uma grande porção do homem natural consiste em carne. E certamente também não significa que a porção mais excelente do homem seja a sua carne. Antes, significa claramente que todos os homens destituídos do Espírito de Deus são “carne”, e, por conseguinte, estão sujeitos ao julgamento de Deus. (92)

Lutero também ressalta que não existe um estágio intermediário nessa dicotomia: “Jesus disse que quem nasceu da carne não pode ver o reino de Deus. Não existe um estágio intermediário entre o reino de Deus e o reino de Satanás. Se alguém não faz parte do reino de Deus, certamente faz parte do reino de Satanás.” (93)

Lutero também afirma que toda carne é ímpia (93) e que a carne nada pode fazer senão impiedade. “Moisés de fato escreveu: ‘E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração’ (Gn 6.5). Isso não é meramente uma tendência para o mal. Deus ensina que coisa alguma, senão a malignidade, é concebida ou imaginada pelo homem, durante toda a sua vida” (90).

Daí alguém pergunta, então por que Deus manda o homem se arrepender? Isso foi respondido na semana anterior: “ao homem é mostrado o que ele deve fazer, e não o que ele pode fazer” (52).

Daí outro pergunta: mas o homem carnal não faz também boas ações? Eis a resposta de Lutero:

O fato é que você continua olhando somente para atos externos. Você precisa olhar para o coração humano. Mesmo que tais pessoas existissem, elas estariam operando para a sua própria glória, visto que, à parte do Espírito Santo, não teriam qualquer desejo de glorificar a Deus com as suas ações. (93)

Se há nada somente oposição a Deus, então é a obra do Espírito em buscar o pecador. Consequentemente, “a graça não é a recompensa pelas tentativas do ‘livre-arbítrio’. A graça divina é concedida apesar do pecado e de tudo quanto ele merece” (91).

Quantas coisas podemos fazer sem Jesus?

Sendo assim, “sob o domínio de Satanás, a vontade do homem nem mais é livre, nem tem domínio próprio; antes, é escrava do pecado e de Satanás, só podendo desejar o que seu príncipe lhe determina” (96). Se a carne nada pode, de onde vem nossa capacidade? Jesus mesmo responde: nada podeis fazer sem mim (Jo 5.5). Mas para Erasmo nada é nada perfeitamente. De acordo com essa explicação, “sem Cristo podemos fazer ‘um pouco, mesmo que imperfeitamente’” (95). Lutero rebate que “a questão, enfim, resume-se no seguinte: ‘nada’ significa nada, e nada é capaz de alterar isso! À parte da graça, o homem nada pode fazer. O ‘livre-arbítrio’ nada pode fazer e nada é” (96).

Mas e as pessoas que reconhecem sua incapacidade e sua necessidade da graça e buscam a Deus? Eles não o fazem pela sua própria força?

Lutero responde que não: “Mas, nem por isso você está comprovando o poder do ‘livre-arbítrio’. Pois quem solicitará a ajuda do Senhor, senão aqueles em quem habita o Espírito Santo? Aquele que ora, assim o faz pelo Espírito de Deus (Rm 8.26,27)” (94). Resumindo: só busca a Deus quem o faz pelo Espírito e não pela carne; e se é pelo Espírito não é pela capacidade inata do homem, mas pela graça de Deus.

Além disso, “o fato de o homem cooperar com Deus não prova o ‘livre-arbítrio’”. “Deus é onipotente. Ele exerce total controle sobre tudo quanto Ele mesmo criou. E isso inclui os ímpios, os quais, à semelhança daqueles a quem Deus justificou e transportou para o seu reino, cooperam com Deus neste mundo. Todos os homens precisam seguir e obedecer aquilo que Deus tenciona que eles façam” (96).

O homem é criado e sustentado naturalmente por Deus, sem ajuda do homem. Da mesma forma nosso novo nascimento e sustento espiritual vem de Deus, sem nossa ajuda. Mas, isso não significa que o homem é um robozinho. “Deus não nos regenera sem que tenhamos consciência do que está sucedendo, porque Ele nos recria e preserva precisamente com esse propósito: que venhamos a cooperar com Ele” (97).

Sem o Espírito o homem carnal nada pode fazer à respeito das coisas concernentes à salvação; e com o Espírito, o homem espiritual coopera com Deus, mas o faz pelo Espírito e não em sua própria capacidade. Sendo assim, “o que é atribuído ao ‘livre-arbítrio’ em tudo isso? Que resta para o ‘livre-arbítrio’? Nada! Absolutamente nada” (97)!

Sua vez!

1) Você leu todo o livro e acompanhou toda as postagens?

2) Qual sua opinião sobre o “livre-arbítrio”? O homem carnal o possuí?

3) O que mais chamou a sua atenção neste capítulo?

4) Algo que você discordou?