Misericórdia que vem dos céus

Você já foi desprezado? O desprezo, a indiferença, a hostilidade e a oposição implacável deixam feridas abertas na alma. Diante dessas experiências, especialmente para quem está na posição de vítima, as marcas podem demorar uma vida inteira para sarar.

O salmo 123 foi cantado por pessoas que enfrentaram a carranca do desprezo. Os editores da Bíblia de Jerusalém referiram-se a este salmo como uma “oração dos deserdados” para ressaltar a dor cantada pelos peregrinos. Contudo, no turbilhão da angústia, a luz da providência raiou de tal forma que Spurgeon chamou essa passagem de “salmo dos olhos da esperança.”

Os cristãos também são chamados para suportar situações de escárnio e desprezo. No contexto da modernidade líquida parece que o cristianismo ortodoxo e robusto não tem mais o direito de se afirmar na esfera pública sem ser ridicularizado e colocado debaixo da pecha de obscurantismo, fundamentalismo e fanatismo.

Como lidar com o desprezo? Vejamos, pois, o que nos ensina o salmo 123.

Elevando os olhos

Os peregrinos, quando cantaram o salmo 123, não usavam a religião como instrumento para fuga da realidade. Quem cantou este salmo sabia muito bem o que é sofrer. Ele conhecia a capacidade funesta dos soberbos. Ele conhecia a humilhação, mas não permitiu que o ódio cegasse os olhos da alma.

Para onde os olhos dos peregrinos se moviam? Os peregrinos olhavam para o alto – eles olhavam para Deus. Eles acreditavam que Deus estava ao lado dos homens, mas acima de tudo, acreditavam na transcendência do Senhor. Quando eles cantavam: “a ti, que habitas nos céus, elevo os olhos” era como se eles estivessem dizendo, com outras palavras, o seguinte: “nos céus tem o Senhor o seu trono e seus olhos estão atentos aos filhos dos homens.” (Sl 11.4). Que consolo precioso recebemos neste salmo! O mundo é o lugar da habitação dos soberbos, mas o Senhor está acima deles. Aleluia! Do seu trono Deus julga retamente (Sl 9.4).

Quando os peregrinos diziam: “para ti olharemos”, de forma simples, eles estavam afirmando o caráter proposicional e pessoal da revelação de Deus. Deus não é um poder irracional ou um tipo de “totalmente outro” sobre quem nada se pode saber. O Deus que se revela nas Escrituras transcende a soberba e, ao mesmo tempo, se coloca na intimidade da oração do seu povo aflito para levar conforto.

Olhos fitos no Senhor

O Senhor é o assunto mais importante desta oração. Os olhos dos peregrinos estão cravados na revelação do Senhor. Contudo, a partir do verso 2, o salmista ilustra a atitude do seu olhar recorrendo ao padrão de relacionamento do escravo e do senhor. Assim como o escravo espera ser cuidado, protegido e amparado por seu dono o peregrino se aproxima de Deus como um servo que em tudo precisa do seu Senhor. Suas queixas, necessidades e pendências, ele as entrega todas nas mãos de Deus esperando por misericórdia.

Embora não seja possível precisar com certeza o lugar existencial deste salmo, presumo, acompanhado outros estudiosos, que ele se refere ao período pós-exílio de Esdras e Neemias onde o povo foi duramente hostilizado (Ne 2.19-20). Naquela conjuntura, os peregrinos aprenderam a perseverar no Senhor. Ao cantar o salmo 123 era como se eles estivessem dizendo: “somos servos do Senhor! Não olharemos para vocês que nos oprimem, mas colocaremos nossos olhos em Deus esperando nele por compaixão.” Que bela e santa lição! Confiando em Deus os peregrinos transformaram o achincalhe do mundo em oração e cântico de louvor ao Senhor! Enquanto o soberbo reclama sua posição e status o crente ora e clama pelas promessas de Deus.

A misericórdia transcendente

Nos versos 3 e 4 surge a oração. O nervo dolorido da alma foi exposto. Podemos dividir essa oração em duas partes:

  • O clamor pela misericórdia: para os peregrinos, o único remédio para a alma é o clamor insistente pela graça de Deus. Só a misericórdia do alto pode trazer alento para a sua vida.
  • O peso da alma: na oração o salmista não diz apenas o que gostaria de ser ou sentir, antes, ele também diz as coisas que sente e que sufocam sua alma. Sem nenhum escrúpulo ele diz: “estou farto, ou seja, estou enjoado, com a garganta entalada (empanturrado) de tanto desprezo.” Ele ora com a alma saturada, mas cheio de esperança no Senhor!

A métrica da misericórdia

Nas horas de desprezo somos chamados a cantar aquilo que oramos e cremos. Se cremos na graça de Deus precisamos clamar por ela em nossas vidas. Precisamos dizer em oração: “Senhor nossos olhos estão fitos em Ti! Preciso da tua graça para não perder o coração para a amargura!”

Humilhações são facas afiadas, mas entenda uma coisa: você não encontrará paz pagando na mesma moeda. A única maneira de vencer o ressentimento é clamando pela misericórdia que vem dos céus – fite os olhos naquele que está acima dos humilhados e dos soberbos.

Ainda que humilhamos ainda somos servos com os olhos fitos no Senhor. Essa é a nossa identidade. A métrica do Espírito Santo nos ensina a exaltar a graça de Deus, colocar nele nosso fardo, perseverar na obediência e clamar por mais graça. Tenha esperança! Diante de Jesus todo joelho se dobrará e toda língua confessará que ele é Senhor. Ele é o Senhor cheio de humildade que devemos confiar e imitar.

Lembre-se do Evangelho! Jesus sofreu humilhações e escárnios em nosso lugar para que pudéssemos encontrar misericórdia em Deus. Porque nosso redentor sofreu essa dor em nosso lugar nenhuma humilhação deste mundo terá o poder de roubar nossa esperança na misericórdia de Deus. Ele foi saturado com a humilhação para que pudéssemos provar da abundante graça de Deus. Essa é a perfeita métrica da misericórdia!

Que o Senhor nos ajude!

Por: Francisco Macena. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: O principal motivo da alegria.