“O Estado é laico!” – A falácia do Estado ateu nas universidades (Parte 1)

O ambiente acadêmico brasileiro ainda dá muito o que falar (especialmente o público). Não apenas pelos alunos confusos em relação à sua vocação, fragilizados intelectualmente, ou que perpetuam atos de corrupção endêmica na hora de fazer uma prova (o famoso: colar na prova). Temos que lidar com professores que espalham ideias distorcidas e narrativas – quer como uma extensão do que receberam outrora como alunos, quer por desonestidade.

A grande verdade é que já passou o tempo de ser vítima da manipulação direta ou indireta, por parte de líderes pretensiosamente negligentes – a busca pela efetização de uma coalização pelo evangelho, nos faz contar com o reconhecimento das estruturas fortes que Igreja possui, além de perceber o direito como aliado à religiosidade cristã – mas ainda existem “hot spots” (pontos quentes), que não podemos esquecer. Nesta primeira parte de nosso texto, vamos abordar que o exercício da religião, em sua plenitude, é a comprovação da existência de senso crítico na cristandade. Passamos ao texto.

“Crede, Ut Intelligas: O exercício da religião é a comprovação de existência do senso crítico da cristandade”

A universidade é um ambiente para o desenvolvimento do senso crítico – de fato, não há dúvidas que está frase é verdadeira e importante. Entretanto, vemos em nossa era a profissão de fé tratada como um objeto estranho a essência da Universidade – fruto de uma constante separação entre fé e intelecto. Contudo, a história nos demonstra que a preocupação com o intelecto é uma das características da Igreja – protagonista na construção de centros para o exercício do saber, conforme aponta Justo L. González:

“A origem da maioria das universidades modernas – Paris, Salerno, Bologna e Oxford – datam do século 12, e tal origem é o resultado de uma combinação de fatores tais como a tradição das escolas catedrais […]. Porque Paris e Oxford tinham as melhores faculdades teológicas, a teologia ocidental gravitou em torno daqueles dois grandes centros universitários durante o século 13.”[1]

Este cenário que enaltece a ligação entre fé e conhecimento ganha mais força com os “cônegos regulares de Santo Agostinho”[2] – uma ordem criada por São Dominique, em 1215 d.C., com o objetivo de criar novas regras monásticas, para responder através de uma vida santa, tudo aquilo que contrariasse os pilares da verdadeira Igreja:

“Desde sua origem, esta nova ordem insistiu na importância do estudo para a concretização desta tarefa. A vida monástica foi adaptada às necessidades do estudo, pregação e o cuidado das almas. A princípio, os dominicanos centraram seus estudos e ensino em seus próprios monastérios. Mas eles logo vieram a ocupar cadeiras das principais universidades, especialmente Paris e Oxford.”[3]

Figuras da Igreja ocuparam e investiram nas “escolas catedrais que tornaram-se as universidades, espaço de pesquisa e produção do saber, mas também foco de vigorosos debates”[4] – vale lembrar da entrada do pensamento de Aristóteles e da filosofia árabe e judaica que também permearam, por anos, os debates acadêmicos. A motivação para estes envolvimentos entre fé e conhecimento está ligado à premissa bíblica reproduzida por Santo Agostinho: “Não procures entender para crer, mas crê para entender, porque, se não credes, não entendereis”[5].

Os cristãos sempre estiveram interessados na busca pelo conhecimento, por isso fazer parte da sistemática natural da Fé – o conhecimento em prol da excelência para a unidade cristã. Tal ideia é corroborada na proposta da mente renovada dissecada pelo Apóstolo Paulo em Romanos 12: 1-3, nas palavras de Craig S. Keener:

“Essa mente renovada tem consciência de que cada crente recebeu uma medida de fé para determinadas atividades (12.3,6), portanto nenhum membro é nem mais nem menos valioso que outro. Os papéis podem ser diferentes, mas cada membro recebe dons para servir aos outros, sem se vangloriar, cumprindo fielmente a incumbência de Deus como sua dádiva para o corpo.”[6]

Apesar desta herança claramente religiosa, há quem trate a fé cristã como algo intelectualmente debilitante, além de representar uma ameaça ao poder do Estado. Passeando pelas considerações salutares do Dr. Donald Carson, constataremos que isto é fruto de um julgamento “em nome da manutenção da separação entre Igreja e Estado”[7], que tem por objetivo a promoção de uma “rota da religião puramente privatizada […]”[8] – ao dissertar sobre a nova tolerância social (discurso para justificar o movimento secularista), ele apresenta uma modalidade de mundo – ao qual devemos atentar, pois é um objetivo buscado por organizações e intelectuais adversos ao Cristianismo:

“Neste mundo bastante privatizado, permite-se que os cidadãos pensem qualquer coisa que quiserem a respeito de assuntos religiosos. Como eles praticam a religião com os outros, no entanto, podem ser monitorados e altamente controlados. Pode haver uma retórica rebuscada sobre liberdade de religião (afinal, permite-se que as pessoas acreditem naquilo que desejarem), mas quase não existe uma liberdade autêntica quando a religião se torna qualquer coisa exceto completamente privada (por exemplo, passar suas crenças para os filhos, cultuar com outras pessoas em locais não especificamente religiosos, tentar trazer outras pessoas para a sua religião).” [9]

Trata-se de uma intolerância disfarçada de tolerância – situação que nos parece imperar nas universidades, especialmente às públicas, em solo brasileiro. Este trabalho de influência tem efeitos patentes e violentos, conforme veremos adiante.

Universidade como infantário

Os secularistas chamam para si a identidade de simpatizantes à liberdade religiosa, mas em casos determinantes como o exercício de culto, demonstram uma intenção de aparar, progressivamente, a dinâmica da devoção. Ou seja, usam o discurso da liberdade religiosa como instrumento para promover a privatização da religião – conforme veremos adiante, isso se dá através do processo de subversão.

Trata-se de uma técnica que consiste na distorção do significado original de uma palavra, resultando em uma adulteração do conteúdo. No Brasil, este problema ainda é forte nas universidades, tendo em vista que temos um “excesso de estruturas de plausibilidade”, ainda enfatizando as lições do D.A. Carson, citando Peter L. Berger[10], definindo-as como:

“estruturas de pensamento aceitas por uma cultura específica de forma geral e quase inquestionável. […] em uma cultura bastante diversificada, como a que predomina em muitas nações do mundo ocidental, as estruturas de plausibilidade são necessariamente mais restritas, pelo fato de haver menos posições sustentadas em comum.”[11]

Com o excesso de deturpações às acepções originais, o pensamento ocidental fica dividido, gerando um consequente enfraquecimento do senso crítico – ambiente propício para a relativização, que resulta em um cenário ao qual “saltamos da permissão da articulação de crenças dos quais discordamos para a afirmação de que todas as crenças e todos os argumentos são igualmente válidos”.[12]

Nos termos do magistério de Camille Paglia, a linha do tempo da existência acadêmica foi afetada por uma espécie de destruição do ensino das humanidades – aniquilando o ambiente propício para a vida intelectual. A professora detecta tal problema como resultado do New Criticism – um modelo de pensamento que “produziu uma geração de acadêmicos que pensavam a literatura separadamente do seu contexto histórico.”[13]

Tal identificação explica, mesmo que por analogia, o fato de algumas figuras lutarem para tornar o ambiente acadêmico totalmente afastado da religião – mesmo que a religiosidade tenha contribuído para existência da Universidade. Assim como buscam pensar a literatura fora do contexto histórico, pensam a existência de ideias múltiplas fora do plano heterogêneo de pensamento (que inclui a religião).

Isto é resultado da substituição da pluralidade  (existem ideias diferentes mas nem todas são válidas) pelo pluralismo  (só serão válidas as ideias que estão debaixo de um mesmo plano) – que resulta na imposição de uma pequena comunidade ideológica sobre a maioria[14] que deseja exercitar sua fé livremente no campus.

Como isso funciona na prática? O fato que aconteceu no campus da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) pode nos responder. Um grupo de oração universitário, tendo por nome Santa Terezinha de Jesus, tem os seus encontros às quartas e quintas fora dos horários de aula. Trata-se de um grupo não institucionalizado pela faculdade, sendo sua participação feita de forma voluntária para aqueles que assim o desejem. Apesar do grupo não ser um ato de imposição da faculdade (que apenas autoriza a realização da reunião), alguns professores e alunos sentiram-se contrafeitos com a existência do grupo, conforme declarações que circularam na Universidade. O argumento para justificar a insatisfação toma por base uma suposta “ameaça quanto a laicidade do Estado”, somada a um argumento de que “a Universidade é lugar de produção de conhecimento científico e do debate calçado no pensamento crítico”.

O argumento é defeituoso por dois motivos: 1) É subversivo – porque não expõe a real ideia do conceito de Estado Laico; e 2) É contraditório – por usar a característica de “ambiente para o pensamento crítico” como justificativa para vedar a realização de um encontro religioso. Como se proteger de tais afrontas? O Direito Religioso pode ser um bom aliado para tratar dessas questões e é exatamente o que veremos na segunda parte deste texto.

[1] GONZALÉZ, Justo L. UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO CRISTÃO – volume 2. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 218.
[2] Ibdem, p. 220
[3] Ibdem, p. 220
[4] FERREIRA, Franklin. A IGREJA CRISTÃ NA HISTÓRIA: DAS ORIGENS AOS DIAS ATUAIS. São Paulo: Vida Nova, 2013. P. 123 e 124
[5] AGOSTINHO, Santo. TRATADO AO EVANGELHO DE JOÃO. 29.6
[6] KEENER, Craig s. A MENTE DO ESPÍRITO: A VISÃO DE PAULO SOBRE A MENTE TRANSFORMADA. São Paulo: Vida Nova, 2018. P. 249 e 250.
[7] CARSON, D.A. A INTOLERÂNCIA DA TOLERÂNCIA. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. P. 144
[8] Ibdem, p. 147
[9] Ibdem, p. 147
[10] BERGER, PETER L. THE SACRED CANOPY: ELEMENTS OF A SOCIOLOGICAL THEORY OF RELIGION. NOVA YORK: DOUBLEDAY, 1967.
[11] CARSON, D.A. A INTOLERÂNCIA DA TOLERÂNCIA. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. P. 11.
[12] Ibdem, p. 12
[13] PAGLIA, Camille. MULHERES LIVRES HOMENS LIVRES – Sexo, género e feminismo. Quetzal Editores. Portugal, 2018. P. 121
[14] JORDAN PETERSON: Pronomes de gênero e liberdade de expressão. Disponível em: < https://youtu.be/1NE4RkIhiTE > Acesso em 03/04/2019 às 19hr45min

Por: Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: “O Estado é laico!” – A falácia do Estado ateu nas universidades.