Confissões de um pregador (Parte 2)

Leia a Parte 1 aqui.

Recentemente, no período de perguntas e respostas de um evento, alguém perguntou como o Deus santo pode habitar em pecadores como nós. Confesso que por uns instantes minha mente foi em várias direções, tentando achar uma resposta que fosse clara e satisfatória. Não sei se consegui. Reconheci para mim mesmo que estava diante de mais um daqueles mistérios que encontramos toda vez que tentamos conciliar textos bíblicos que aparentemente ensinam coisa contraditórias.

Mais tarde, sozinho, refleti mais uma vez no fato de que a realidade que nos cerca é permeada por essa aparente contradição. A natureza, o mundo, as pessoas, estão mergulhados numa realidade onde a graça, a santidade, a justiça e a misericórdia de Deus se misturam de maneira nem sempre compreensível com imperfeição, impureza, trevas e morte. Vejo isso em mim mesmo. Ao mesmo tempo em que percebo a graça de Deus em minha vida, percebo a minha incapacidade de ser reto e justo o tempo todo. Minhas palavras, meus sermões, meus escritos, tudo reflete ao mesmo tempo santidade e queda, pureza e imperfeição, vida e morte.

De uma maneira que não consigo compreender, Deus está presente em mim, mesmo que eu continue um pecador corrompido em todas as minhas faculdades. O Deus que habitou em um templo imperfeito no Antigo Testamento consegue igualmente habitar no templo imperfeito que sou eu. A sua imanência nesse mundo é igualmente misteriosa. Apesar da criação estar no estado de queda, decomposição e morte, Deus está presente nela, sustentando-a e guiando a sua história para o fim que já determinou.

Por isso, salvação e juízo também estão presentes e atuando no mundo. Deus está graciosamente salvando pecadores por meio do Evangelho, ao mesmo tempo em que está já julgando e derramando seu juízo sobre ímpios e impenitentes. O reino de Deus já está presente, mas ainda não em plenitude. Cristo já reina, mas ainda não derrotou seu último inimigo, que é a morte. Satanás já foi derrotado, mas continua ativo contra a igreja. Eu fui justificado e santificado em Cristo, mas ainda sou um pecador e irei provar a morte (a menos que o Senhor volte antes). Na experiência cristã, bem e mal estão inseparavelmente entrelaçados até a consumação da história, até a vinda de Cristo. Nenhum bem está livre da mancha do pecado e nenhum mal está além da redenção.

Na prática, esse mistério representa vários desafios para o cristão. Por um lado, viver pela fé confiando que, mesmo diante do pecado e do mal, a graça e a misericórdia de Deus estão presentes. Por outro, conformar-se a viver nessa tensão não resolvida. Justo e pecador. Conformar-se com a imperfeição de suas melhores ações, orações e pensamentos, apesar de seus melhores esforços para viver de maneira santa. Lamentar e chorar por eles, mas regozijar-se com a misericórdia de Deus que nos chega mediante Jesus Cristo. E por último, ansiar e desejar a chegada do eschaton, quando essa tensão finalmente se resolverá. Maranata!

Por: Augustus Nicodemus. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Confissões de um pregador (Parte 2).