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Perdão e abuso: O perdão depende do arrependimento? (Parte 4)
Muito bem, vimos na primeira parte que a questão do perdão não é algo simples. Em particular, destaquei que muitos dos problemas com o perdão estão relacionados à situação do arrependimento. O perdão deve ser oferecido incondicionalmente mesmo sem arrependimento ou condicionalmente ao arrependimento?
Dick Lucas, após o bombardeio de St. Helens em 1992, foi questionado se ele perdoava os bombardeiros. Ele respondeu dizendo: “Não sei se alguém pediu perdão”. É esta a resposta que a vítima de abuso também deve dar? O arrependimento deve preceder o perdão? Se eu fui abusado, devo perdoar meu agressor se ele não se arrepender?
Distinguir é crucial
Bem, deixe-me, primeiro, dar minha resposta, e depois tentar mostrar o porquê. Quero argumentar que a vítima de abuso é chamada a perdoar seu agressor, de coração, independentemente de ele estar arrependido ou não. Mas, o perdão total e a reconciliação só são recebidos no arrependimento. Deixe-me explicar fazendo uma série de perguntas simples.
Em primeiro lugar, como recebemos perdão como cristãos? Recebemos perdão por meio da fé e do arrependimento. Jesus diz: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15). Os cristãos só recebem perdão quando reconhecem seus pecados, se arrependem e colocam sua fé e confiança em Jesus. Todo cristão sabe disso.
O que é arrependimento? Arrependimento significa “mudar nossas mentes”. Não é simplesmente pedir desculpas pelo pecado. É reconhecer a gravidade de nosso pecado e nos afastar radicalmente dele. Rachel Denhollander, ex-ginasta, que foi repetidamente abusada sexualmente por seu treinador quando adolescente, disse isso a seu agressor no tribunal:
“Você falou em orar por perdão. Mas, Larry, se você leu a Bíblia que carrega, sabe que o perdão não vem de fazer coisas boas, como se as boas ações pudessem apagar o que você fez. Vem do arrependimento, que exige enfrentar e reconhecer a verdade sobre o que você fez em toda a sua total depravação e horror sem mitigação, sem desculpa, sem agir como se as boas ações pudessem apagar o que você viu neste tribunal hoje.”
Denhollander nos lembra que um coração arrependido entende o horror do pecado, sem dar uma desculpa para ele. Uma pessoa só recebe o perdão de Deus quando se arrepende dessa forma.
Portanto, essa verdade, alinhada com Lucas 17. 3-4, certamente significa que uma vítima de abuso não tem que perdoar seu agressor, pelo menos não até que ele se arrependa. Parece certo, não é? Isso soa bíblico. No entanto, essa não é toda a história. Deixe-me fazer outra pergunta: Quando o perdão é oferecido por Deus? O perdão é oferecido por Deus antes do arrependimento.
Perdão de Deus e nosso arrependimento
O Senhor Jesus expiou totalmente nossos pecados na cruz, antes de qualquer arrependimento de nossa parte. O Evangelho chega ao crente como um pacote completo – Jesus morreu na cruz quando ainda éramos pecadores. Portanto, o arrependimento não acrescenta nada à obra consumada de Cristo. Nosso arrependimento não contribui em absolutamente nada para nossa salvação.
Na verdade, a Bíblia deixa claro que o arrependimento é um dom de Deus. É um fruto da graça de Deus para nós. Ele veio em nossa direção com misericórdia, de braços abertos. Como Beach escreve: “A graça de Deus vem antes do nosso arrependimento, produz arrependimento em nós e segue após o nosso arrependimento. Sua graça certamente não é condicionada pelo nosso arrependimento, dependente dele ou necessita dele. Nosso arrependimento é muito frágil e insosso para a salvação depender dele.”
É vital que entendamos essas verdades, principalmente se ensinarmos que o perdão está condicionado ao arrependimento. Se isso for verdade, a graça de Deus se torna transacional e mecânica. Em outras palavras, se eu mostrar que estou arrependido o suficiente, ele me perdoará. No entanto, a gloriosa verdade do Evangelho é que Deus se move em nossa direção com misericórdia e, só então, nos arrependemos. Ele toma a iniciativa, nós respondemos. Beach é útil novamente: “Nosso arrependimento não é a condição para Deus nos dar o dom do perdão. Em vez disso, dar perdão permite que nosso arrependimento o receba e o aproveite.” A fé aceita o dom da salvação de Deus, e o arrependimento é o fruto da nova vida.
Perdão entre pecadores
E o perdão de pessoa para pessoa? Como alguém é perdoado? O perdão acontece quando o perpetrador reconhece seu pecado e se arrepende dele. Isso é importante porque a finalidade do perdão é a reconciliação. Quando eu peco contra minha esposa, o perdão e a reconciliação não acontecem até que haja um reconhecimento do meu pecado e eu me afaste do que fiz. Da mesma forma, não pode haver reconciliação sem arrependimento. O perdão não pode levar à reconciliação sem arrependimento.
Dito isso, precisamos responder à segunda pergunta: Quando o cristão deve oferecer perdão? Se estamos imitando a Deus, temos que estar dispostos a oferecer perdão antes do arrependimento. Volf resume bem: “Se eles imitarem o Deus que perdoa, os perdoadores continuarão a perdoar, quer os ofensores se arrependam ou não. O perdão dos perdoadores não é condicionado pelo arrependimento. O perdão dos ofensores, no entanto, é condicionado pelo arrependimento. . .”
Se a pessoa não se arrepender, o perdão é suspenso. É como se eu mandasse um presente caro para o meu irmão e, em vez de abri-lo, ele simplesmente o deixasse na mesa da cozinha enquanto decide se vai aceitá-lo ou não. Ele realmente recebeu o presente? Bem, não, porque ele se recusa a abrir e aceitar. Da mesma forma, se alguém não se arrependeu, o perdão fica preso entre quem dá e quem recebe.
Portanto, não é totalmente bíblico dizer: “Eu só vou perdoar quando alguém se arrepender”. Se estamos imitando a Deus, temos que estar dispostos a oferecer perdão, não importa como essa oferta seja tratada. Nossos corações devem estar cheios da misericórdia e graça de Deus. Beach novamente diz: “Perdoar como Deus significa misericórdia concedida onde a misericórdia não é buscada”.
O cristão é chamado a deixar a má vontade de lado e ter um coração brando para com aqueles que o prejudicaram. Na verdade, significa que mostramos compaixão por eles. O Evangelho transforma nosso coração para que possamos amar aqueles que fizeram o mal contra nós (por mais impossível que isso possa parecer). Lutero escreve que quando o Espírito começa a trabalhar em nós, ele nos permite “sofrer mais pelo pecado de (nossos) ofensores do que pela perda ou ofensa a (nós mesmos). E (nós) fazemos isso para que (nós) possamos lembrar aos ofensores de seus pecados, em vez de vingar os erros que (nós mesmos) sofremos.” Em outras palavras, o Senhor amolece nossos corações para que não busquemos vingança, mas possamos ter pena do ofensor e ver o dano que seu pecado fez a Deus e a eles próprios. Torna-se menos sobre a ofensa contra nós e mais sobre o mal do próprio pecado.
Perdão e Reconciliação
Novamente, não podemos espelhar exatamente o perdão de Deus porque somos criaturas pecadoras. Quando Deus perdoa, ele perdoa gratuitamente. Ele é soberano e, portanto, não é movido por nosso arrependimento. Ele mostra misericórdia para com quem ele deseja mostrar misericórdia (Rm 9.15).
No entanto, achamos mais fácil perdoar aqueles que estão contritos. Tornamo-nos mais sensíveis para com aqueles que mostram evidências de arrependimento. Quando alguém nos faz mal e simplesmente encolhe os ombros como se não se importasse, então é muito difícil mostrar qualquer simpatia por eles, quanto mais perdoá-los. Além disso, a base do perdão do crente é a união com Cristo, enquanto o agressor incrédulo está preso em seus pecados.
A questão é que somos chamados a ecoar o perdão de Deus, não copiá-lo exatamente. E esse eco deve ser regulamentado mostrando misericórdia e graça para com aqueles, ao nosso redor, quer estejam eles arrependidos ou não. Como Leon Morris comenta sobre Lucas 17. 3-4, “(Jesus) está dizendo que o perdão deve ser habitual. Do ponto de vista do mundo, uma repetição sétupla de uma ofensa em um dia deve lançar dúvidas sobre a autenticidade do arrependimento do pecador. Mas isso não é da conta do crente. Seu negócio é o perdão”.
O arrependimento é, portanto, crucial para o perdão e restauração totais. O crente só recebe o perdão de Deus por meio do arrependimento e da fé. De maneira semelhante, o agressor só é perdoado quando há arrependimento genuíno. No entanto, se estamos ecoando o perdão de Deus, então, pela graça de Deus, somos capazes de estender o perdão, esteja o arrependimento presente ou não.
O perdão é uma coisa; restauração e reconciliação é outra. O perdão é obrigatório, a reconciliação depende do arrependimento. Embora seja doloroso e difícil, a vítima do abuso deve permitir que o Senhor trabalhe em seu coração para que, se o agressor se arrepender, esteja pronta para perdoar.