Liberdade religiosa vale para mim, mas para os outros não?

Este texto contém excertos do livro: Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas, autoria de Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina [3ª Ed. Rev. e ampl. São Paulo, Vida Nova.]

É nosso dever enquanto cristãos, das mais diferentes confissões de fé, defender a causa de pessoas que sofrem perseguição. Trata-se de um legado deixado pela Reforma Protestante. Mesmo que determinado grupo de pessoas professe uma fé que não está de acordo com nossos dogmas e crenças, compete a nós defendermos o direito de crença de cada um e suas respectivas liberdades de escolha e consciência.

Por isso, vamos compartilhar mais uma lei importante que existe no ordenamento jurídico brasileiro. Primeiro, defendemos a liberdade de escolha porque somos inspirados pela Palavra de Deus, segundo, buscamos ter uma vida digna porque somos cidadãos que nos esforçamos para observar as leis legítimas e justas. No texto de hoje, falaremos um pouco sobre o Estatuto da Igualdade Racial (lei nº 12.288/2010) que prevê, do artigo 23 ao artigo 26,35 a garantia da inviolabilidade de consciência e de crença:

Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Art. 24. O Direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: I — a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II — a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões; III — a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas; IV — a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica; V — a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana; VI — a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; VII — o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII — a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.

A função desta norma legal é assegurar a liberdade de culto e protegendo o local de culto e suas liturgias, garantindo que a população negra brasileira tenha igualdade de tratamento e oportunidades, visando o combate à discriminação, que também se dá por meio de seu credo professado.

Como já falamos em outros textos, ainda existe muito desrespeito à liberdade religiosa por meio de intolerância, especialmente às religiões de matriz africana. É natural que os cristãos, em cumprimento ao ide de Cristo[1], busquem propagar o evangelho entre todos, inclusive àqueles que professam credo distinto ao cristianismo, tais como a umbanda ou candomblé.

Todavia, tal prática deve ser perpetrada em amor e com civilidade, nunca por meio de violência ou força, mesmo que de forma verbal. Não se pode esquecer que o proselitismo visa, “em grande medida, salvar o outro, trazê-lo, por meio da argumentação, para o caminho que se julga mais saudável e seguro”[2]. Assim, trata-se, também, de um instrumento infraconstitucional que garante o proselitismo religioso.

O proselitismo religioso é uma garantia constitucional e um direito humano, previsto no artigo 12 do Pacto de São José da Costa Rica, entretanto, deve ser praticado com urbanidade e bom senso, senão deixa de ser um garantia para se tornar um ato de intolerância.


[1] “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19).

[2] Paschoal, Janaína Conceição. Religião e Direito Penal – interfaces sobre temas aparentemente distantes (São Paulo: LiberArs, 2003), p. 104.