Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste (Parte 1)

A Misericórdia Pactual do Deus da Aliança

Este post faz parte da série Salmo 32.

O Antigo Testamento emprega duas palavras que mais especificamente se adéquam aos conceitos de “graça” e “misericórdia” expressos no Novo Testamento. As palavras são: (hesed) e  (hen). Aqui nos ateremos à primeira palavra.

Hesed, cuja etimologia é obscura,[1] pode ser traduzida por “bondade”, “graça”, “benevolência”, “benignidade”, “clemência”, “beneficência”, “humanidade” (ARA. 2Sm 2.5), “fidelidade” (ARA. 2Sm 16.17) e “misericórdia”. Ocorre cerca de 250 vezes no Antigo Testamento, principalmente nos Salmos (127 vezes).

Figuradamente, Deus é chamado de “Misericórdia” por Davi: “Minha misericórdia (hesed) e fortaleza minha, meu alto refúgio e meu libertador, meu escudo, aquele em quem confio e quem me submete o meu povo” (Sl 144.2).

Hesed pode ser empregada acerca de Deus e acerca do homem. Quando a palavra se refere ao homem, reflete o seu amor para com o seu próximo e para com Deus. Quando a palavra é aplicada a Deus, denota a sua graça, envolvendo dois elementos importantes:

A autoentrega de Deus a Israel na relação de um pacto[2]

 A ideia principal é a de que Deus manifesta o seu amor ativamente na forma de uma relação pactual; é um “amor consistente”.[3]

Hesed é um “amor de Pacto” (Dt 7.9,12; Jr 31.3);[4]Hesed da aliança”;[5] “comportamento correto segundo a aliança”.[6]

O Pacto de Deus é unilateral no que concerne às suas demandas e provisões. Compete ao homem aceitá-lo ou não; porém, não pode modificar os seus termos. O Hesed é a causa e o efeito do Pacto. Deus fez o Pacto por misericórdia; ele revela a sua misericórdia de acordo com o Pacto (1Rs 8.23[7] [2Cr 6.14]; Ne 1.5; 9.32; Is 55.3; Dn 9.4).

Está associada à justiça de Deus

O Hesed de Deus não é barato. Deus não age movido por um sentimento incontrolável e incoerente; antes, encontra um justo caminho para estabelecer uma relação sólida com o homem pecador sem omitir a condição pecaminosa do homem nem, baratear a sua justiça.

O fundamento desta nova relação é o próprio Cristo. A manifestação da justiça é, concomitantemente, a expressão da sua graça.[8] A graça de Deus nunca é barata nem inconsequente.

Devido ao seu Hesed, Deus voluntariamente elege o seu povo, mantendo-se fiel nesta relação independentemente da fidelidade circunstancial dos seus eleitos (Dt 7.6-11;[9] 2Sm 2.6; Sl 36.5; 57.3; 89.49; Is 54.10; 55.3).

Miséria e Misericórdia operante

Deus se relaciona conosco em misericórdia. Ele é pleno de seus atributos; portanto, rico em misericórdia por causa do seu grande amor (Ef 2.4).[10]

Tiago alegra-se na misericórdia de Deus: “Eis que temos por felizes os que perseveraram firmes. Tendes ouvido da paciência de Jó e vistes que fim o Senhor lhe deu; porque o Senhor é cheio de terna misericórdia(πολύσπλαγχνός – polysplanchnos) e compassivo (οἰκτίρμων – oiktirmōn) (Tg 5.11).

A misericórdia de Deus, por sua vez revela também a nossa miséria. Só pode haver misericórdia – justamente por carecer dela –, para com os miseráveis.

O salmista atento à obra de Deus, conclama: “Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia (hesed) dura para sempre” (Sl 118.1 = Sl 106.1; 107.1, etc.).

Relacionamento por misericórdia

Aqui há a compreensão de que toda a nossa relação com Deus se baseia em sua misericórdia.

Após a destruição de Jerusalém, Jeremias escreve: “As misericórdias (hesed) do Senhor são a causa de não sermos consumidos porque as suas misericórdias não têm fim” (Lm 3.22).

Tudo que somos e temos pode ser resumido na “misericórdia eterna de Deus”, que se compadece de nós e propicia a nossa salvação.

No salmo 130 encontramos o salmista em uma situação extrema. Ele não se ilude com soluções humanas. Nenhuma metodologia de autoajuda o pode socorrer. Por isso, pode dizer do mais profundo de seu coração, das “profundezas” de sua situação: “Clamo a ti, Senhor” (Sl 130.1).

Ele sabe perfeitamente a quem se dirige. A sua experiência compartilhada é de esperar em Deus visto que ele é o Deus misericordioso: A minha alma anseia pelo Senhor mais do que os guardas pelo romper da manhã. Mais do que os guardas pelo romper da manhã, espere Israel no Senhor, pois no Senhor há misericórdia (hesed); nele, copiosa redenção” (Sl 130.6-7).

Nas Escrituras fica evidente que os servos de Deus sempre tiveram um conceito claro e abrangente de alguns importantes aspectos da sua misericórdia. Vejamos alguns testemunhos:

a) A bondade do Senhor está espalhada por toda Terra.

“Ele ama a justiça e o direito; a terra está cheia da bondade (hesed) do SENHOR” (Sl 33.5). (Do mesmo modo: Sl 119.64).

b) A misericórdia de Deus é eterna.

O salmista pede a Deus que em sua lembrança olhe para Ele com misericórdia, não considerando os pecados de sua juventude.

“Lembra-te, SENHOR, das tuas misericórdias (racham) e das tuas bondades (hesed), que são desde a eternidade. Não te lembres dos meus pecados da mocidade, nem das minhas transgressões. Lembra-te de mim, segundo a tua misericórdia (hesed), por causa da tua bondade (tub), ó SENHOR” (Sl 25.6-7).

“Ao único que opera grandes (gadol) maravilhas (pala), porque a sua misericórdia (hesed) dura para sempre” (Sl 136.4).

No Salmo 31, Davi pôde expressar a Deus o seu contentamento reconhecendo a bondade de Deus: “Como é grande a tua bondade (tub), que reservaste aos que te temem, da qual usas, perante os filhos dos homens, para com os que em ti se refugiam!” (Sl 31.19)

c) Davi pede a Deus que o livre, o salve pela sua misericórdia

“…. salva-me por tua graça (hesed) (Sl 6.4). (Do mesmo modo: Sl 31.16).

d) O salmista reconhece como a misericórdia de Deus nos acompanha

Por isso, expressa o desejo de que assim permaneça. Em última instância a nossa confiança deve estar sempre em Deus não em nossas supostas habilidades ou circunstâncias favoráveis. Deus é o Senhor do tempo, das circunstâncias e da eternidade. Faremos muito bem se aprendermos a confiar nele, aquela que nos acompanha sempre (Sl 33.12-17).

18 Eis que os olhos do SENHOR estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua misericórdia (hesed)19 para livrar-lhes a alma da morte, e, no tempo da fome, conservar-lhes a vida.  20 Nossa alma espera no SENHOR, nosso auxílio e escudo.  21 Nele, o nosso coração se alegra, pois confiamos no seu santo nome.  22 Seja sobre nós, SENHOR, a tua misericórdia (hesed), como de ti esperamos.  (Sl 33-18-22).

“Bondade e misericórdia (hesed) certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do SENHOR para todo o sempre (Sl 23.6).

e) A misericórdia de Deus é preciosa e, aqueles que a reconhecem, refugiam-se em Deus

“Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade! (hesed) Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas” (Sl 36.7).

f) Davi sabe que o seu culto a Deus é resultante da riqueza da misericórdia de Deus.

“…. eu, pela riqueza da tua misericórdia (hesed), entrarei na tua casa e me prostrarei diante do teu santo templo, no teu temor” (Sl 5.7).

O nosso culto a Deus é sempre uma expressão da graça de Deus. Deus se dá a conhecer e nos capacita a nos relacionar com Ele em amor, fidelidade e obediência.

No Novo Testamento Paulo roga aos irmãos que, considerando as misericórdias de Deus, se ofereçam integralmente como um culto agradável a Deus: Rogo-vos (parakale/w) (suplicar, exortar, solicitar, chamar), pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional”  (Rm 12.1).

g) Deus responde as nossas orações devido à sua misericórdia.

Quanto a mim, porém, SENHOR, faço a ti, em tempo favorável, a minha oração. Responde-me, ó Deus, pela riqueza da tua graça  (hesed); pela tua fidelidade em socorrer (…). Responde-me, SENHOR, pois compassiva (tôb)[11] é a tua graça (hesed); volta-te para mim segundo a riqueza das tuas misericórdias (racham). (Sl 69.13,16).

h) O salmista rende graças a Deus considerando as suas maravilhosas obras fruto de sua misericórdia:

“Ao único que opera grandes (gadol)[12] maravilhas (pala) (admiráveis, extraordinárias), porque a sua misericórdia (hesed) dura para sempre” (Sl 136.4).

Davi canta com alegria a magnificente misericórdia de Deus que se manifestou em seu livramento e alento de sua alma:

Render-te-ei graças, SENHOR, de todo o meu coração; na presença dos poderosos te cantarei louvores.  2 Prostrar-me-ei para o teu santo templo e louvarei o teu nome, por causa da tua misericórdia (hesed) e da tua verdade, pois magnificaste (gadal) acima de tudo o teu nome e a tua palavra.  3 No dia em que eu clamei, tu me acudiste e alentaste a força de minha alma. (Sl 138-1-3).

O povo de Deus, deve também fazê-lo, inclusive considerando o cuidado de Deus para com a sua Igreja conforme o seu pacto de misericórdia que preserva o seu povo ao longo da história:

Cantarei para sempre as tuas misericórdias (hesed), ó SENHOR; os meus lábios proclamarão a todas as gerações a tua fidelidade.  2 Pois disse eu: a benignidade está fundada para sempre; a tua fidelidade, tu a confirmarás nos céus, dizendo:  3 Fiz aliança com o meu escolhido e jurei a Davi, meu servo:  4 Para sempre estabelecerei a tua posteridade e firmarei o teu trono de geração em geração. (Sl 89.1-4).

i) Deus nos guarda e protege com a sua misericórdia.

Davi escreve: “Muito sofrimento terá de curtir o ímpio, mas o que confia no Senhor, a misericórdia (hesed) o assistirá  (sabab)” (Sl 32.10).

A palavra assistir, que tem um amplo sentido literal e figurado, significa envolver, cercar, contornar. Apenas para ilustrar, mencionamos que esta é a palavra usada para descrever as voltas que o exército de Israel deu sobre Jericó durante sete dias (Js 6.3,4,7,11,14,15). A ideia expressa é a de que Deus nos cerca, nos envolve por todos os lados com a sua misericórdia.

O hesed de Deus é o seu incansável, fiel e misericordioso amor pactual que se revela em sua relação com o Seu povo. Ele pode ser esperado, desejado e suplicado, porém, não pode ser exigido.[13] A misericórdia de Deus se manifesta de forma boa e agradável a fim de nos restaurar. Ela se relaciona com a profundidade de seu amor que se revela em atos concretos de compaixão.

O esquecimento dos atos de Deus

No entanto, mesmo sendo evidente a misericórdia de Deus em sua relação com o seu povo, a desconsideração leviana da bondade de Deus caracterizou a vida de Israel em diversas e contínuas situações.

O esquecimento dos atos de Deus contribui para o nosso afastamento dele e de sua Palavra. Esse é o diagnóstico que faz o salmista ao considerar a rebeldia de Israel: “Nossos pais, no Egito, não atentaram (sakal) às tuas maravilhas (pala); não se lembraram (zakar) da multidão das tuas misericórdias (hesed) e foram rebeldes junto ao mar, o mar Vermelho” (Sl 106.7).

O povo se manteve indiferente a Deus. Não considerou a Palavra de Deus, seus atos e a aliança feita.

Creio que essa experiência não é estranha a muitos de nós. Em alguns momentos, sob o impacto de um grande livramento, a concretização de um desejo intensamente acalentado, o restabelecimento de uma enfermidade, a conquista de um emprego depois de meses sem sucesso…. Quem sabe, louvamos a Deus com sinceridade e integridade. Assumimos compromissos santos diante de Deus, e confessamos as nossas falhas… Mas, em seguida, passados os primeiros momentos de júbilo, gradativamente podemos incorrer no esquecimento de Deus, dos seus atos e de nossas promessas. Foi o que aconteceu com o povo de Israel:

11 As águas cobriram os seus opressores; nem um deles escapou.  12 Então, creram nas suas palavras e lhe cantaram louvor.  13 Cedo, porém, se esqueceram (shakach)  das suas obras e não lhe aguardaram os desígnios (…)   21 Esqueceram-se (shakach)  de Deus, seu Salvador, que, no Egito, fizera coisas portentosas (gadol). (Sl 106.11-13, 21).

As maravilhas de Deus envolvem a sua Palavra. Por isso, devemos considerá-la com sinceridade e louvor.

Considerar os feitos de Deus em louvor e adoração

No Salmo 105, o salmista considerando as obras maravilhosas de Deus na história de Israel, instrui: Lembrai-vos (zakar) das maravilhas que fez, dos seus prodígios e dos juízos (mishpat)[14] de seus lábios” (Sl 105.5).

Asafe em profunda angústia, se reanima na consideração dos feitos de Deus:

2 No dia da minha angústia, procuro o Senhor; erguem-se as minhas mãos durante a noite e não se cansam; a minha alma recusa consolar-se.  3 Lembro-me de Deus e passo a gemer; medito, e me desfalece o espírito.  4 Não me deixas pregar os olhos; tão perturbado estou, que nem posso falar.  5Penso nos dias de outrora, trago à lembrança os anos de passados tempos.  6De noite indago o meu íntimo, e o meu espírito perscruta.  7Rejeita o Senhor para sempre? Acaso, não torna a ser propício?  8 Cessou perpetuamente a sua graça (hesed)? Caducou a sua promessa para todas as gerações?  9Esqueceu-se Deus de ser benigno? Ou, na sua ira, terá ele reprimido as suas misericórdias?  10 Então, disse eu: isto é a minha aflição; mudou-se a destra do Altíssimo.  11 Recordo os feitos do SENHOR, pois me lembro das tuas maravilhas (pele) da antiguidade.  12 Considero também nas tuas obras todas e cogito dos teus prodígios.  13 O teu caminho, ó Deus, é de santidade. Que deus é tão grande como o nosso Deus?  14 Tu és o Deus que operas maravilhas (pele) e, entre os povos, tens feito notório o teu poder. (Sl 77.2-14).

Asafe canta: “Graças te rendemos, ó Deus; graças te rendemos, e invocamos o teu nome, e declaramos as tuas maravilhas  (pala) (Sl 75.1).

O salmista rememorando os feitos  misericordiosos de Deus na história de seu povo, escreve: Rendam graças ao SENHOR por sua bondade (hesed) e por suas maravilhas (pala) para com os filhos dos homens!” (Sl 107.8).

O salmista assume um compromisso pessoal: “Louvar-te-ei, SENHOR, de todo o meu coração; contarei todas as tuas maravilhas (pala) (Sl 9.1).

Apologético, Missional e pedagógico

Os feitos maravilhosos de Deus ultrapassam os limites de Israel. Isso tem também um propósito apologético e missionário. A igreja por sua vez, deve narrar os feitos de Deus com propósitos adoracionais e pedagógicos.

No testemunho de Asafe vemos o propósito apologético-missional:

13 O teu caminho, ó Deus, é de santidade. Que deus é tão grande como o nosso Deus?  14 Tu és o Deus que operas maravilhas (pele) e, entre os povos, tens feito notório o teu poder. 15 Com o teu braço remiste o teu povo, os filhos de Jacó e de José.  16 Viram-te as águas, ó Deus; as águas te viram e temeram, até os abismos se abalaram.  17 Grossas nuvens se desfizeram em água; houve trovões nos espaços; também as suas setas cruzaram de uma parte para outra.  18 O ribombar do teu trovão ecoou na redondeza; os relâmpagos alumiaram o mundo; a terra se abalou e tremeu.  19 Pelo mar foi o teu caminho; as tuas veredas, pelas grandes águas; e não se descobrem os teus vestígios.  20 O teu povo, tu o conduziste, como rebanho, pelas mãos de Moisés e de Arão. (Sl 77.13-20).

Em outro lugar o salmista conclama o povo a anunciar entre os povos a glória e as maravilhas de Deus: “Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os povos, as suas maravilhas (pala) (Sl 96.3).

O mesmo Asafe, estabelece a necessidade de educar seus filhos e as futuras gerações contando as maravilhas de Deus na história:

3 O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais,  4 não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do SENHOR, e o seu poder, e as maravilhas (pala) que fez.  5 Ele estabeleceu um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos,  6 a fim de que a nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes;  7 para que pusessem em Deus a sua confiança e não se esquecessem dos feitos de Deus, mas lhe observassem os mandamentos;  8 e que não fossem, como seus pais, geração obstinada e rebelde, geração de coração inconstante, e cujo espírito não foi fiel a Deus. (Sl 78.3-8).

O nosso Deus de misericórdia tem operado maravilhas em nossa cotidianidade. Os seus atos na história devem ser objeto de nossa reflexão e gratidão. Sei que é muito difícil para nós ultrapassarmos os limites do que é apenas imediatamente percebido, contudo, amparados da certeza de quem é o nosso Senhor, ainda que com modéstia epistemológica,[15] podemos vislumbrar aspectos da grandeza de sua direção em nossa vida. O Senhor deve ser louvado. Devemos instruir nossos filhos nesse caminho e proclamar a todas as pessoas os seus feitos.

A misericórdia de Deus é uma realidade contínua em nossa existência. Contudo, ela se torna mais eloquente para nós quando tomamos consciência do nosso pecado e do perdão de Deus.

No Salmo 6, o salmista Davi, tendo pecado, arrependido, suplica a Deus: “Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me por tua graça (hesed)(Sl 6.4).[16]

Por maiores que sejam os nossos pecados, exponhamos a Deus em oração. Não tenhamos vergonha de colocar diante de Deus as nossas angustias, temores e ansiedades. Tenhamos vergonha de pecar. Lamentavelmente tendo feito isto, arrependidos, não tenhamos vergonha de confessar a Deus a nossa transgressão rogando-lhe a graça do perdão.

Devemos ter sempre presente diante de nossos olhos que a restauração concedida por Deus à nossa vida é unicamente amparada em sua misericórdia e graça, cujo fundamento é a obra redentora de Cristo.

Esse Deus misericordioso é o nosso Pastor, que nos acompanha sempre com sua misericórdia em todos os lugares e circunstâncias.

Foi nesse contexto de angústia que Davi escreveu o Salmo 51. O salmo 32 parece ter sido composto depois, quando o salmista recuperou a sua paz com Deus e pôde refletir mais demoradamente sobre a sua teologia e experiência que ilustra aquela.

Este salmo retrata de forma didática, sensível e intensa a bem-aventurança do perdão de Deus resultante de Sua misericórdia que nos assiste. Aliás, “Só serão bem-aventurados aqueles que põem sua confiança na misericórdia de Deus”.[17]


[1]H.J. Stoebe, desex: In: Ernst Jenni; Claus Westermann, eds. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 1, p. 832.

[2] Vejam-se: W. Zimmerli, et. al. Xa/rij: In: G. Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982, v. 9, p. 383ss.; Walther Eichrodt, Teologia del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1975, v. 1, p. 213ss.

[3]C.E. Armerding, Misericórdia: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 4, p. 296.

[4]Van Groningen, comentando o Salmo 111.1, chama a expressão de “fidelidade pactual”; no Salmo 118.1, designa de “amor pactual” (Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 351, 363). Packer, a traduz por “Amor constante” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 88); “Amor imutável”, traduzem Baer e Gordon (D.A. Baer; R.P. Gordon, Hsd: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 209). Eichrodt, chama de “amor solícito” (Walther Eichrodt, Teologia del Antiguo Testamento, v. 1, p. 213). Harris seguindo a versão King James, crê que uma boa tradução é “bondade amorosa” (R. Laird Harris, hsd: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 503).

[5]R. Laird Harris, ihsd: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 501.

[6]H.H. Esser, Misericórdia: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 177.

[7]22 Pôs-se Salomão diante do altar do Senhor, na presença de toda a congregação de Israel; e estendeu as mãos para os céus 23 e disse: Ó Senhor, Deus de Israel, não há Deus como tu, em cima nos céus nem embaixo na terra, como tu que guardas a aliança e a misericórdia (hesed) a teus servos que de todo o coração andam diante de ti” (1Rs 8.22-23).

[8]Cf. Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 230.

[9]6 Porque tu és povo santo ao Senhor, teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra. 7 Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, 8 mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito. 9 Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia (hesed) até mil gerações aos que o amam e cumprem os seus mandamentos; 10 e dá o pago diretamente aos que o odeiam, fazendo-os perecer; não será demorado para com o que o odeia; prontamente, lho retribuirá. 11Guarda, pois, os mandamentos, e os estatutos, e os juízos que hoje te mando cumprir” (Dt 7.6-11).

[10]Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou” (Ef 2.4).

[11]A palavra hebraica é traduzida de forma variada no AT.: Bondade (Sl 21.3; 23.6); bom (Sl 25.8; 34.9,15); bem (Sl 34.11,12; 37.3); melhor (Sl 63.3; 118.8,9); vale mais (Sl 84.10); bens (Sl 107.9). A Criação é, em seu estado original, avaliada por Deus como sendo boa (Gn 1.4,10,12,18,21,25,31).   Por vezes a palavra tem o sentido estético (belo, agradável) ainda que não indique necessariamente algo bom, mas, o caminho adequado para se conseguir o que deseja ou, na mesma linha de subjetividade, o que parece bom aos nossos olhos (Gn 19.8; Js 9.25; Et 3.11; 2Rs 20.3). Tipo o “Imperativo Hipotético” de Kant, associo eu. (Para um estudo mais exaustivo do termo, vejam-se: Alan Richardson, ed. A Theological Word Book of the Bible, London: SCM Press, 13. impression, 1975, p. 99; Andrew Bowling, Tôb: In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr.; Bruce K. Waltke, orgs. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 564-566 (Artigo bastante didático). Robert P. Gordon, Twb: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 352-356; E. Beyreuther, Bom: In:  Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 319-327; W. Grundmann, A)gaqo/j: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 1, p. 10-18; W. Grundmann, Kalo/j: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 3, p. 536-550; I. Höver-Johag, bOs: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1980 (Revised edition), v. 5, p. 296-317; Bom: W.E. Vine; Merril F. Unger; William White Jr., Dicionário Vine: o significado exegético e expositivo das palavras do Antigo e do Novo Testamento, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2002, p. 55-56 (Pequeno, porém, significativo artigo).

[12] Para um estudo mais exaustivo do uso da palavra e de suas variantes, vejam-se: M.G. Abegg, Jr., Gdl: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 798-801; Jan Bergman, et. al., Gâdhal: In: G.J. Botterweck, Helmer Ringgren, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1977 (Revised edition), v. 2, p. 390-416. (Para os nossos objetivos, especialmente, as páginas 406-412).

[13]Veja-se: R. Bultmann, E)/leoj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 2, p. 479-482.

[14] “Juízos”, enfatizam a suprema autoridade de Deus em nos prescrever as leis que devem regular as nossas relações e exigir que as cumpramos. “Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos (mishpat) que eu vos ensino, para os cumprirdes, para que vivais, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR, Deus de vossos pais, vos dá. (…) 5 Eis que vos tenho ensinado estatutos e juízos (mishpat), como me mandou o SENHOR, meu Deus, para que assim façais no meio da terra que passais a possuir.  (…)  8 E que grande nação há que tenha estatutos e juízos (mishpat) tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho? (…) 14Também o SENHOR me ordenou, ao mesmo tempo, que vos ensinasse estatutos e juízos (mishpat), para que os cumprísseis na terra a qual passais a possuir” (Dt 4.1,5,8,14). “Chamou Moisés a todo o Israel e disse-lhe: Ouvi, ó Israel, os estatutos e juízos (mishpat) que hoje vos falo aos ouvidos, para que os aprendais e cuideis em os cumprirdes” (Dt 5.1). “Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos (mishpat) que mandou o SENHOR, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses na terra a que passas para a possuir” (Dt 6.1).

[15] “A fé reformada incentiva a humildade epistemológica ao tentar dizer o que Deus está fazendo na história. (…) A história de uma perspectiva calvinista é, na verdade, cheia de mistério” (Darryl G. Hart, 1929 e tudo aquilo, ou o que o calvinismo diz aos historiadores em busca de significado?: In: David W. Hall, Calvino em praça pública,  São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 21).

[16]Para um estudo mais detalhado do Salmo 6, veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Homem no Teatro de Deus: Providência, Tempo, História e Circunstância,  Eusébio, CE.: Peregrino, 2019, p. 367-382.

[17] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 32.1), p. 40.