Preguiça espiritual

Você já reparou que nós, cristãos, somos capazes de perseguir nossos sonhos, desejos, projetos e afetos com um empenho que dificilmente projetamos em nossa “vida espiritual”?

Acordar cedo para trabalhar é normal, vale a pena, mas acordar cedo para orar e ler a Bíblia é coisa de outro mundo.

Ler livros e mais livros para a faculdade, e calhamaços para prestar um concurso, é difícil, mas a gente encara, mas ler a Bíblia toda, uma porção por dia, é uma missão impossível.

Fazer jejum intermitente para cuidar do corpo é ótimo. Apesar da dificuldade, a gente encara e se aplica, mas, fazer um jejum espiritual é exagero, beira ao fanatismo religioso. Legalismo?

Temos disposição de sobra para passar o fim de semana sentados, maratonando séries, mas se o culto passar 15 minutos do horário, é inaceitável. “Como se a gente não tivesse mais o que fazer, em pleno domingo?”

Como cristãos, lamentavelmente, temos sido um reflexo do nosso tempo. Hoje, as pessoas são puramente hedonistas, são incapazes de fazer qualquer esforço que não lhes proporcione autossatisfação, de preferência, imediata. E inconscientemente, nos tornamos uma versão disso. Somos incapazes de fazer coisas que não nos tragam prazer e retorno imediato.

A nossa equação é basicamente esta: entre orar e ler a Bíblia e assistir uma série, o que me dá mais prazer? O resultado é, quase sempre, aquilo que mais satisfará o nosso coração imediatamente.

A menos, é claro, que estejamos em apuros, aí, optamos por orar e ouvir Deus, por meio de sua Palavra.

Sim, somos uma geração fraca de devoção. “Ah…”, você dirá, “não seja tão radical, por que colocar um fardo pesado sobre os nossos ombros?”. Mas, eu te pergunto: será mesmo que o fardo é tão pesado assim, ou nossos ombros é que estão fracos demais por falta de exercício espiritual?

Veja, cristãos de outras épocas fizeram muito mais com muito menos do que nós temos hoje. Uma das características que mais se destacava neles é justamente aquilo que mais nos falta hoje: DISCIPLINA (eu sei, essa palavra causa arrepios em muitos).

Fazer o seu skincare “religiosamente”, mesmo cansada, com preguiça e sem vontade, é autocuidado, mas negligenciar o cuidado da alma, pelos mesmos motivos, tudo bem.

Ir pra academia todos os dias é autodisciplina, mas fazer devocional todos os dias é uma disciplina impossível de se ter, quem consegue está “acima da média”. Será mesmo? Ou estamos apenas tentando nos convencer disso, para aplacar as nossas consciências? Quem disse que disciplina espiritual é para cristãos “acima da média”? A situação é tão crítica que quando alguém faz o mínimo que deveria fazer, como cristão — meditar na Palavra e orar diariamente, por exemplo — a pessoa é louvada como sendo “super espiritual”! “Como você consegue?”, perguntam, como se fosse algo de outro mundo.

Chegamos a um ponto em que justificamos, aceitamos e, até, apoiamos a negligência espiritual em nome do comodismo, tudo em nome da “leveza”. Mas isso está nos matando! Sim, sei que isso é forte, mas é verdade. A busca pela leveza, como um ideal de vida e um fim em si mesmo, está levando o pêndulo ao outro extremo da mera religiosidade, e a falta de disciplina está matando (silenciosamente) a nossa devoção e as nossas afeições espirituais.

Não queremos Deus, queremos conforto e, talvez, no fim das contas, seja esse o nosso verdadeiro deus.

Escrevo isso com lágrimas e pesar, pedindo perdão a Deus por minha própria falta de disciplina e negligência espiritual. No fim das contas, temos tempo para absolutamente tudo, menos para o que mais importa.

Que este não seja só mais um texto, lido, comentado ou compartilhado, mas que nos leve a refletir e, acima de tudo, produza as mudanças que precisam ser feitas em nós.

Que Deus nos ajude.