Salmo 32: A Misericórdia que nos assiste – (parte 18)

Os efeitos da disciplina de Deus em nós (Continuação)

A sentença que Davi indignado apresentara ao profeta Natã se cumpriu em sua própria vida, já que o personagem descrito pelo profeta era o rei. Ele estava tão enleado por seu pecado e culpa, que não conseguiu se ver naquele quadro descrito pelo profeta: “Tão certo como vive o Senhor, o homem que fez isso deve ser morto. E pela cordeirinha restituirá quatro vezes, porque fez tal cousa e não se compadeceu” (2Sm 12. 5-6).

Ele perdeu tragicamente quatro de seus filhos: O seu filho com Bate-Seba, Amnon, Absalão e Adonias.

  1. a) Seu filho com Bate-Seba morreu com 7 dias de nascido (2Sm 12.15-18).
  2. b) Seu filho Amnon estuprou a própria irmã, Tamar. O seu suposto amor pela irmã transformou-se em nojo (2Sm 13.1-19).
  3. c) Absalão, outro dos filhos de Davi, planeja a vingança e dois anos depois mata Amnon (2Sm 13.23-29).
  4. d) Davi passa a perseguir a Absalão, que foge, por três anos (2Sm 13.37-39).
  5. e) Davi traz Absalão de volta à Jerusalém (2Sm 14.24), demorando-se mais uns dois anos para que se reconciliasse totalmente com o seu filho (2Sm 14.28,33).
  6. f) Absalão seduz o povo promovendo uma revolta em Jerusalém. Davi foge com os seus soldados leais (2Sm 15.1-18).
  7. g) Absalão para afrontar ainda mais a Davi, coabita diante de todo o povo com as concubinas de Davi que permaneceram em Jerusalém para cuidar do palácio (2Sm 16.22).
  8. h) Joabe, seu general, amigo e conselheiro, desconsiderando a ordem de Davi, mata a Absalão, causando grande tristeza ao rei (2Sm 18.9-33).
  1. i) Adonias, seu filho mais jovem, a quem Davi fez todas as vontades (1Rs 1.6) – ajudado por dois homens de confiança de Davi, o sacerdote Abiatar e o comandante Joabe –, tenta assumir o trono preterindo a Salomão, filho de Davi com Bate-Seba, a quem Davi prometera suceder-lhe. Esta situação não se agravou ainda mais porque Salomão depois de coroado rei, perdoou o seu irmão sob condição de ser-lhe leal (1Rs 1.5-53).

 

  1. j) Posteriormente, após a morte de Davi, Salomão interpretando o interesse de Adonias em se apossar do trono, ordena a sua morte (1Rs 2.13-25).

A disciplina de Deus é uma manifestação de sua bênção, um testemunho do seu amor para com os Seus filhos que caíram em pecado.[1]

O escritor da Carta aos Hebreus estimula os seus destinatários a caminharem firmes em sua fé, não a abandonando em meio às perseguições, mostrando também, que Deus exerce a sua disciplina para aproximar a sua igreja mais de si mesmo, evidenciando assim, o seu amor para conosco:

Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue 5 e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; 6 porque o Senhor corrige (paide/uw) a quem ama e açoita[2] a todo filho a quem recebe; 6porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. 7É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? 8Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos. 9Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos? 10 Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. 11Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça.12Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos; 13e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco; antes, seja curado. 14Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.4-14). (Destaques meus).

A correção de Deus como expressão de seu amor por nós que fomos acolhidos por Ele, envolve, por vezes, o doloroso açoite e a reprovação. No entanto, esta correção é sempre educativa.

Calvino sumaria isso:

Estejamos seguros de que quando Deus nos faz sentir sua mão, de modo a humilhar-nos sob ela, que Deus nos está fazendo um favor especial, e que se trata de um privilégio que Ele não concede a ninguém, senão a seus próprios filhos.[3]

Na instrução e correção Deus se vale ordinariamente de sua Palavra para nos mostrar o caminho da obediência por Ele proposto. Do mesmo modo, Ele abre os nossos olhos para percebermos as bênçãos provenientes de um procedimento compatível com a sua Palavra e, os riscos decorrentes da desobediência. A Escritura é proveitosa também neste propósito, conforme escreve Paulo:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,[4] para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2Tm 3.16-17).

Paulo afirma que a Escritura Sagrada, que é plenamente inspirada e provém de Deus, é útil para nos ensinar e, também para corrigir, para refutar o erro e repreender o pecado. O termo usado aqui para “repreensão” já possuía um rico emprego na literatura secular,[5] significando, de modo especial:

  1. a) A exposição lógica e objetiva dos fatos de uma matéria, com o objetivo de refutar os argumentos de um oponente; daí a ideia de refutar e convencer.
  2. b) A correção do modo de viver dos homens, feita pela consciência, pela verdade ou por Deus.

Uma ideia embutida na palavra grega é a de evidenciar o erro, expô-lo e trazê-lo à luz, objetivando corrigi-lo. Há na palavra o sentido de “disciplina educativa”, ou seja, a educação e a correção devem caminhar juntas (Pv 3.11,12; Hb 12.5; Ap 3.19).

Paulo nos mostra que a Palavra de Deus, justamente por ser perfeita, evidencia o nosso pecado para que, em submissão a Deus, possamos corrigi-lo. Na contemplação do que é perfeito as imperfeições ganham vida ainda que tal vitalidade, por vezes, nos entristeça.

Quando de fato buscamos nas Escrituras orientação para a nossa vida, descobrimos também que ela nos mostra os nossos erros. Ela traz luz à nossa conduta que, muitas vezes, está manchada, pois, acomodamo-nos com este ou aquele pecado visto ser “normal” dentro do mundo em que vivemos. Entretanto, Paulo nos chama a atenção para o fato de que as Escrituras são úteis para nos corrigir segundo o modelo divino.

As Escrituras evidenciam a anormalidade de nosso pecado a despeito de, por vezes, estarmos acostumados a ele porque não o denominamos assim e, no contexto em que vivemos aquilo é perfeitamente aceitável ou mesmo elogiável.

A disciplina corretamente entendida, envolve ensino e repreensão. O ensino correto previne muitos males e conduz o fiel ao arrependimento pelos seus pecados. Deste modo, devemos entender a disciplina de maneira formativa e corretiva.[6] A disciplina formativa que consiste no ensino da Palavra é, pelo Espírito, amplamente corretiva.

O padrão da correção das Escrituras é o padrão de Deus, não um modelo de uma época ou cultura. Toda cultura tem um padrão de homem ideal. A “recompensa” e as “repreensões” são o resultado social do preenchimento destes objetivos, que variam de época para época e de povo para povo. Entretanto, Deus nos corrige por intermédio da sua Palavra, não para que nos moldemos ao “homem ideal de uma época”, mas para que sejamos conforme seu Filho, que é o modelo de todos os eleitos de Deus em todas as épocas: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). O objetivo da revelação de Deus é nos instruir a fim de que sejamos moldados à imagem de Jesus Cristo.

Meditando sobre a repreensão de Deus, Elifaz diz a Jó: “Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina; não desprezes, pois, a disciplina do Todo-Poderoso. 18Porque ele faz a ferida e ele mesmo a ata; ele fere, e as suas mãos curam” (Jó 5.17-18/Pv 15.32).

De semelhante modo, instrui Salomão: “Filho meu, não rejeites a disciplina do Senhor, nem te enfades de sua repreensão. Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o Pai ao filho a quem quer bem” (Pv 3.11-12).

Por outro lado, devemos ter a confiança de que se buscarmos a Deus arrependidos de nossos pecados, confiantes em sua misericórdia, Ele não nos desamparará. Como já dissemos, a disciplina de Deus deve ser olhada como uma manifestação de seu amor e cuidado para com o seu povo.

[1]Veja-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 175. “A disciplina é uma evidência segura da filiação do crente e do amor de Deus” (V.R. Edman, Disciplina: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 476).

[2] Esta palavra, com exceção desta passagem, sempre é usada no contexto do sofrimento imposto a Jesus Cristo ou aos seus discípulos. De forma decorrente, podemos também entender que aqui está se referindo aos discípulos de Cristo, filhos de Deus. Figuradamente, Deus “aplica punição corretiva” aos seus filhos.

[3]Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 49.

[4] As duas palavras dispõem de boa base documental, siginficando “convicção”, “repreensão”, “castigo” ou “trazer à luz”, “expor”, “demonstrar”, “convencer”, “persuadir”, “punir”, “disciplinar”.

[5]Vejam-se: H.M.F. Buchsel, E)le/gxw: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 2, p. 475; H.-G. Link, Culpa: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 572.

[6] Veja-se o excelente artigo: John Armstrong, Chorar pelos que erram e os caídos erguer: In: John F. MacArthur Jr., et. al., Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 85-110.

Autor: Hermisten Maia. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.