O corpo confessional jurídico das igrejas no Brasil

A natureza e importância do Estatuto Social e demais documentos da igreja

Nota do editor: Chegamos ao fim de nossa série O pastor e administração bíblica! Foram 29 artigos sobre questões ligadas à administração bíblica e ações pastorais. Na série original, que é um journal do ministério IXMarks, o último artigo é um exemplo de Estatuto Social e de Estatuto de Reunião de Presbíteros. Por conta das leis brasileiras serem um tanto quanto diferentes, convidamos um especialista brasileiro em Direito Religioso, que já é nosso colunista aqui no Voltemos ao Evangelho, o Dr. Thiago Rafael Vieira, para nos instruir sobre as questões de natureza jurídica e estatutária em nossa contexto eclesiástico brasileiro.


O nascimento jurídico das confissões religiosas

Você sabe o que é igreja? Com certeza a tua resposta será teológica. Você está certo. Todavia, o que é igreja para a filosófica política e para o direito? Sejamos agraciados com a sensacional resposta de Jacques Maritain:

Que é a igreja? Antes de tudo, que é a igreja para o não crente? Aos olhos dos que não têm fé, é a igreja, ou são as igrejas, associações ou corpos organizados que se ocupam especialmente com as exigências e os credos religiosos de alguns dos seus concidadãos, isto é, com valores espirituais aos quais se dedicaram e dos quais dependem os seus critérios morais. Esses valores espirituais constituem uma parte — de fato a parte mais importante, como a história no-lo demonstra — desses bens supratemporais, em relação aos quais mesmo na ordem natural da pessoa humana transcende, como vimos, a sociedade política, e que constituem a herança moral da humanidade, o bem comum espiritual da civilização ou da comunidade dos espíritos. Mesmo que o ímpio não creia nesses valores espirituais e particulares, tem de respeitá-los. A seus olhos, a igreja ou as igrejas constituem, na comunidade social, corpos particulares que devem desfrutar daquele direito à liberdade que se identifica, não apenas com o direito à livre associação que naturalmente pertence à pessoa humana, mas ainda com o direito de acreditar livremente na verdade reconhecida pela própria consciência, isto é, com o mais fundamental e inalienável de todos os direitos humanos. É assim que o ímpio, sob o seu próprio ponto de vista — refiro-me, sem dúvida, ao ímpio que, pelo menos, acredite na razão e, além disso, seja um ímpio de espírito democrático — reconhece como qualquer coisa de normal e necessário a liberdade da igreja ou das igrejas (1966, p. 148).

Depois dessa resposta espetacular de Maritain, resta-nos identificar o nascimento da igreja para o Direito brasileiro. Estabelece o Código Civil brasileiro que a organização religiosa, para adquirir personalidade jurídica e fluir das garantias constitucionais, deve se instituir de modo formal, bem como proceder sua inscrição junto ao Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas da Receita Federal do Brasil, sendo, a partir daí sujeito plenamente da garantia constitucional de organização, como instituição, evidentemente que não se confunde com a liberdade religiosa da pessoa ou de um grupo de pessoas, que não carece de qualquer formalidade.

No Brasil, o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, o nome costumeiro da abreviação comumente utilizada no Brasil como CNPJ também é um passo importante. O Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica visa identificar a pessoa jurídica e sua atividade, sendo a forma de organização das pessoas jurídicas no Brasil.

Não é o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica o ato inaugural das pessoas jurídicas em solo brasileiro. A “certidão de nascimento” da pessoa jurídica brasileira é seu ato constitutivo, e, em se tratando de organizações religiosas, seu Estatuto Social (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 290). Senão vejamos:

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

A lei civil é clara e precisa: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de Direito privado com a inscrição do ato constitutivo” no Registro de Pessoas Jurídicas. Evidentemente que estamos tratando aqui da organização religiosa como pessoa jurídica de direito privado. Um agrupamento de amigos que se reúnem para cultuar a Deus semanalmente possui todas as garantias e proteções oriundas da liberdade religiosa, mas não são uma organização religiosa e, provavelmente nem possuem o ânimo de ser uma ou de se tornar uma organização religiosa (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 290).

O Código Civil trata da criação da instituição formal, da pessoa jurídica de direito privado na forma de Organização Religiosa e é sobre esta que vamos tratar. O Professor José Eduardo Sabo Paes ensina que existem duas etapas para a criação de uma pessoa jurídica de direito privado. A primeira diz respeito a sua constituição e a segunda ocorre com o registro destes atos. Ensina o professor:

Na primeira etapa, ocorre a constituição da pessoa jurídica por ato inter vivos – nas associações e nas sociedades -, e por ato inter vivos ou causa mortis nas fundações, sendo sempre uma declaração de vontade para cuja validade devem estar presentes os requisitos da eficácia dos negócios jurídicos.

A segunda etapa constitui-se no registro. Com o propósito de fixar os principais momentos da vida das pessoas naturais, onde se assentam o seu nascimento, casamento e morte, onde se averbam as ocorrências acidentais como a interdição, o divórcio, a alteração do nome etc. Também para as pessoas jurídicas foi criado o sistema de registro, por via do qual ficam anotados e perpetuados os momentos fundamentais de sua existência (seu começo e fim), bem como as alterações que venham a sofrer no curso de sua vida. O começo da existência jurídica está fixado no instante em que é inscrita no Cartório de Registros Públicos. (2003, p. 60.).

O Estatuto Social de uma organização religiosa é o principal documento jurídico dela e de todos os seus membros, por assim dizer é a Constituição, a lei máxima daquela organização. No dizer de Jean Regina, o Estatuto nasce a partir dos membros e a todos vincula:

Nasce da comunhão de objetivos, sentimentos e crenças de um determinado grupo de pessoas que reunidos em seu templo religioso, provisório ou permanente, através de Assembleia Geral Extraordinária se organizam para fundar a Organização Religiosa, ou seja, a Igreja, deliberar e aprovar seu Estatuto Social e eleger a primeira diretoria e conselho fiscal. (2014, p. 17).
O Estatuto devidamente registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas cria norma interna corporis, que, em síntese, é a “lei” que rege a Igreja na esfera civil e disciplinar. (BARROSO DE CASTRO, 2008, p. 66).

Entrementes, caso tal agrupamento de pessoas tenha o ânimo de ser uma organização religiosa, possua um conjunto mínimo de regras e reuniões esporádicas, já são uma organização religiosa, visto que o Código Civil apenas reconhece uma situação prévia, por isso que acertadamente dispõe que o poder público reconhece, ou seja, só é possível “reconhecer” algo ou alguém que previamente existia.

§ 1º São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

Então, o que nasce legalmente com o registro do ato constitutivo é a organização religiosa, o culto e a fé são precedentes, sempre. Inclusive uma vez fundada pelo grupo de fiéis e o estatuto da organização religiosa estiver devidamente criado, a organização religiosa já nasceu de fato e depende apenas do registro do Cartório para nascer de direito. É a “existência legal” prevista no texto do art. 45 do Código Civil, já citado.

A criação do corpo confessional da Igreja Brasileira

Apesar de não sermos católicos romanos é inegável que saímos dela, logo sua influência permeia a igreja protestante em diversos assuntos, inclusive no que concerne ao conjunto de regras orientativas: o corpo canônico ou confessional da Igreja. Ensinou o Papa João Paulo II, no prefácio do Código Canônico de 1983:

O Código, como principal documento legislativo da Igreja, baseado na herança jurídica e legislativa da Revelação e da Tradição, deve considerar-se o instrumento indispensável para assegurar a ordem tanto na vida individual e social, como na própria actividade da Igreja. (1983, p. X).

No mesmo prefácio, o Papa João Paulo II refere que a fonte primária do Código Canônico, e de toda tradição jurídica e legislativa, é a Bíblia Sagrada. Ou seja, para a criação de qualquer corpo de direito canônico da ICAR a paleta da crença e da fé deve estar presente, sendo esta paleta que dará o tom das cores da norma canônica a ser elaborada. Evidentemente que as confissões religiosas cristãs terão como fonte primária de norma confessional a Bíblia Sagrada. Desta forma, o primeiro passo para a criação do corpo canônico/confessional de qualquer confissão religiosa é a identificação de seu sistema de crenças, pois este que será o plano de fundo, o fundamento para a norma a ser criada.

Surge agora uma outra questão sobre a natureza do próprio Código de Direito Canónico. Para responder devidamente a esta pergunta, é preciso recordar o antigo património de direito contido nos livros do Antigo e do Novo Testamento, de onde provém, como da sua primeira fonte, toda a tradição jurídica e legislativa da Igreja.

De facto, Cristo Senhor, não destruiu de modo algum a riquíssima herança da Lei e dos Profetas, que pouco a pouco se formara pela história e pela experiência do Povo de Deus no Antigo Testamento, mas deu-lhe cumprimento (cf. Mt 5, 17), de tal sorte que ela de modo novo e mais elevado começou a fazer parte da herança do Novo Testamento. (Código de Direito Canônico, 1983, X).

Para se criar uma organização religiosa, antes ou, pelo menos de forma concomitante, é necessária a criação de seu corpo confessional mínimo, ou seja, a criação do Estatuto Social. Sem este a organização religiosa não nasce no mundo jurídico brasileiro. É o Estatuto Social seu ato constitutivo e seu corpo canônico[1] primeiro, por mais que discordemos dessa nomenclatura “Estatuto Social”, o mais adequando seria Constituição da Igreja.

Assim sendo, para criação de uma organização religiosa, o grupo de fiéis que pretende cria-la devem, inicialmente, organizar as normas jurídicas internas que trarão ordem a sociedade eclesial e de fiéis da determinada confissão. Como dito acima, este conjunto de regras deverá ter como ponto de partida o sistema de crenças, pois este sistema será sua fonte primária, todavia o sistema de crenças não possui o condão de substituir as normas confessionais, assim como as normas confessionais não podem e não devem substituir o sistema de crenças. Uma vez mais nos socorremos do magistério do Papa João Paulo II:

Deste modo, é bastante claro que o Código de modo algum tem o objectivo de substituir a fé, a graça, os carismas e principalmente a caridade na vida da Igreja ou dos fiéis. Pelo contrário, o seu fim é antes o de criar tal ordem na sociedade eclesial que, atribuindo a primazia ao amor, à graça e aos carismas, torne ao mesmo tempo mais fácil o seu desenvolvimento ordenado na vida quer da sociedade eclesial, quer também de cada um dos homens que dela fazem parte. (Código de Direito Canônico, 1983, X).

Com a devida identificação do sistema de crença pelos fiéis que pretendem criar uma organização religiosa, o passo seguinte é a criação da sua norma canônica principal, o Estatuto Social. O Estatuto Social será criado a partir da cosmovisão previamente identificada e terá como objetivos principais a constituição da nova organização religiosa, tendo em vista ser seu ato constitutivo no direito brasileiro (art. 45 do Código Civil), a organização eclesial e diretiva, seus objetivos principais como Igreja, e demais normas de funcionamento interno, com os direitos e deveres do corpo eclesial e de membros, e demais regras que serão mais bem escandidas a seguir (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 299).

Na prática a criação do Estatuto Social da igreja se dá através da Assembleia (reunião) de todos os indivíduos (fiéis) que pretendem sua criação, com a direção e secretaria pelos seus próprios membros, após a discussão e a aprovação, pela maioria, de todas as normas reunidas em artigos, alíneas, itens e parágrafos, deverá ser lavrada uma ata de fundação da Organização Religiosa recém-criada e, na mesma ata, a criação de seu Estatuto Social, nos termos deliberados. Ressalta-se a necessidade, no ato seguinte da criação do Estatuto, a necessidade de eleição de uma diretoria mínima, nos termos do Estatuto recém-criado e aprovado, contando, como nominata exemplificativa17 de Presidente, Vice-Presidente, Tesoureiro, Secretário (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 300).

O Estatuto Social recém-criado e aprovado para ter eficácia no mundo jurídico deve ser devidamente registrado junto ao Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas da sede social da organização religiosa, devendo ser firmado por sua Diretoria e por Advogado, devidamente identificado, nos termos do art. 1º, § 2º da Lei 8.906/94.

A pessoa jurídica de Direito Privado ainda não “nasceu” perante a lei até que seu estatuto tenha sido levado ao respectivo registro, pois é exatamente nesse momento que ela adquire vida, adquire personalidade jurídica. (Carvalho, et al. 2006, p. 121).

O conjunto de normas contidas no Estatuto são de livre estipulação, bem como a forma de seu funcionamento, estruturação e organização, já que sua principal norma de direito canônico que tem como fonte primária seu sistema de fé e crenças, e, o Estado Brasileiro, Laico Colaborativo, que tem como baluarte a liberdade religiosa e a proteção ao fenômeno religioso de forma isonômica, pouco importando qual o sistema de crenças de cada confissão, deve assim garantir (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 304).

As únicas matérias de previsão estatutária obrigatória são aquelas previstas no art. 4619 do Código Civil Brasileiro que guardam relação com a identificação, representação e extinção da Igreja, que, evidentemente, inobstante o sistema de crenças, são normas necessárias para o próprio viver da instituição em sociedade e perante o corpo político.

Quanto às normas típicas do direito associativo, tais como existência de Conselho Fiscal, entre outras, não guardam nenhuma relação com o Direito Religioso, sobretudo Canônico ou Confessional, não sendo de reprodução ou criação obrigatória. O parágrafo primeiro do artigo 44 do Código Civil é a ilibação de qualquer dúvida quanto a importância das regras internas das confissões religiosas e da interdependência que elas possuem com o credo e confissões de fé de cada religião.  O legislador esgrima qualquer dúvida ao afirmar que a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas são livres e competem apenas internamente, com seus membros, fiéis e Deus (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 305).

§ 1o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

De outra banda, as disposições contidas no art. 53 a 61 do Código Civil Brasileiro não se aplicam às organizações religiosas, conforme disposição expressa do art. 44, § 1º do Código Civil Brasileiro. Além disso, conforme já referido, tais regramentos são expressamente direcionados para o Direito Associativo, ou seja, para associações civis, que não possuem qualquer lastro de transcendentalidade. O próprio legislador civilista sabiamente estipulou tais regras no capítulo II do Código Civil com a rubrica “DAS ASSOCIAÇÕES”, ou seja, pessoa jurídica diversa de ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS prevista no art. 44, inciso IV do Código Civil Brasileiro (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 307).

As normas canônicas ou confessionais possuem como fonte primária um sistema de crenças imaterial e sobrenatural, não podendo nenhum cartório negar registro a qualquer Estatuto Social que cumpra o art. 46 do Código Civil Brasileiro. O mestre português Joaquim dos Santos Abranches já ensinava no século XIX:

A Egreja é uma sociedade distincta da sociedade civil. – Esta proposição é um corollario das antecedentes, e só pode ser negada pelos que não admittem a divina missão de Jesus Christo. Com effeito, a Egreja é uma sociedade espiritual e sobrenatural no fim, meios e natureza: – a sociedade civil é temporal e natural na sua origem, no fim e nos meios. (1895, primeira parte, p. 42.0).

Assim sendo, com o registro do Estatuto Social da Organização Religiosa, além de seu nascimento para o mundo jurídico, também se cria o corpo jurídico interno da organização, denominado de Direito Canônico que, poderá ser somado posteriormente de Regimento Interno, Código de Conduta de Ministros, Código de Ética, Atas, entre outros.

Como visto, a elaboração desta principal norma canônica das organizações religiosas brasileiras é livre e não segue praticamente nenhuma estipulação legal sobre requisitos que deve preencher exatamente por ser o reflexo jurídico de um sistema transcendental. É o reflexo imanente do transcendente, logo não pode ser tratado de maneira diferente.

A liberdade de criação do Estatuto Social apenas deve atentar para os valores fundamentais da República Brasileira, estabelecidos no artigo 3º da Constituição, pois a Igreja, por meio das organizações religiosas, deve trilhar o caminho transcendental com o objetivo do bem comum da sociedade, sendo que o Estado não deve albergar em seu seio aquela organização religiosa que navega objetivamente contra o bem comum.

Conclusão

O corpo canônico ou confessional de uma organização religiosa tem como fonte primária sua expressão de fé e seu sistema de crenças. Ou seja, o Direito Canônico de uma organização religiosa terá como fundamento filosófico e teológico os axiomas de sua fé e o norte estabelecido por seus livros sagrados e demais documentos religiosos. Na Igreja Católica Apostólica Romana as fontes primárias são as Sagradas Escrituras, o Magistério da Igreja e a Tradição Apostólica, já para a Igreja Luterana tem como fontes de direito canônico a Bíblia Sagrada e o Livro de Concórdia. A paleta da religião sempre dará o tom das cores estampadas no direito canônico de cada organização religiosa.

No direito brasileiro uma organização religiosa, pouco importa sua cosmovisão (Exceção novamente a Igreja Católica Apostólica Romana, nos termos do Tratado Internacional Brasil e Santa Sé – Decreto 7.107/2010), será formalmente constituída através do Registro de seu Estatuto Social no cartório de registro competente. E é o Estatuto Social a principal norma jurídica legislativa da organização religiosa brasileira, sendo este a Constituição, a norma principal na hierarquia de normas canônicas da Igreja Brasileira, seguida de regimento interno, códigos de postura e ética, atas e demais documentos.

O Estatuto Social é o ato que constitui a Igreja como Organização Religiosa no Brasil, bem como estabelece sua estrutura interna e funcionamento, sempre tendo como premissa de sua formulação o sistema de crenças dos indivíduos que o formularam. A elaboração desta principal norma canônica das organizações religiosas brasileiras é livre e não segue praticamente nenhuma estipulação legal sobre requisitos que deve preencher exatamente por ser o reflexo jurídico de um sistema transcendental. É o reflexo imanente do transcendente, logo não pode ser tratado de forma diferente.

Com exceção de regras básicas de identificação da Igreja e de seus representantes, bem como a forma de sua extinção, caso venha a ocorrer (art. 46 do CCB), aquele que registra (Cartório de Registros) tal norma canônica não pode colocar nenhum empecilho para registra-lo, sob pena de estar ferindo o Código Civil Brasileiro (art. 44, § 1º do CCB) é a própria Constituição Brasileira, garantidora da Liberdade Religiosa e instituidora do Estado Laico Colaborativo, com a nítida separação das ordens secular e espiritual e proteção desta última que não pode suprir ou atender. A mesma regra se aplica para as alterações posteriores ao Estatuto Social e as demais normas canônicas das organizações religiosas. O cartorário deve apenas atentar se o rito estabelecido no Estatuto foi cumprido e, após, registrá-lo (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 322).

A liberdade de criação do Estatuto Social apenas deve atentar para os valores fundamentais da República Brasileira, estabelecidos no artigo 3º da Constituição, pois a Igreja, por meio das organizações religiosas, deve trilhar o caminho transcendental com o objetivo do bem comum da sociedade, sendo que o Estado não deve albergar em seu seio aquela organização religiosa que navega objetivamente contra o bem comum, na forma já escandida no final do capítulo anterior deste sobre o Estado Laico Colaborativo Brasileiro (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 297).

As Organizações Religiosas Brasileiras possuem, geralmente, um corpo canônico fraco, muitas vezes modelos replicados de outras denominações com sistemas de crença e fé às vezes até colidentes. Precisam, assim, aprender muito neste particular com a Igreja Católica Apostólica Romana ou com as Igrejas Luterana e Presbiteriana e demais igrejas confessionais de tradição reformada. É importante a conscientização das lideranças religiosas brasileiras que o conjunto de suas normas canônicas são o documento jurídico mais importante que possuem, sendo o reflexo de suas crenças (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 348).

O Estatuto Social nada mais é ou deveria ser o Reflexo Imanente do Transcendente de cada Confissão Religiosa (VIEIRA; REGINA, 2023, p. 348)”.


[1] Norma canônica ou norma confessional; corpo canônico ou corpo confessional; são termos intercambiáveis e serão utilizados de uma forma ou de outra neste texto, mas significam a mesma coisa.

Referências bibliográficas

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Por: Thiago Rafael Vieira. ©VoltemosAoEvangelho. Revisão e Edição por Vinicius Lima.