O pensamento grego e a igreja cristã (Parte 9)

A antiga crítica grega à religiosidade predominante

Vós sois assim, gregos, elegantes no falar mas loucos no pensar, pois chegastes a preferir a soberania de muitos deuses em vez da monarquia de um só Deus, como se acreditásseis estar seguindo demônios poderosos. – Taciano (c. 120-c.180 AD).[1]

É, portanto, relativamente sem importância se uma pessoa crê ou não na existência de Deus. Existência é um pseudoconceito. A questão importante é ‘Quem é Deus?’. A esta pergunta o Cristianismo oferece uma resposta trinitariana. – Gordon H. Clark (1902-1985).[2]

Na Grécia antiga, ateísmo,[3] na realidade, “impiedade” (a)se/beia) para com os deuses[4] era a acusação comum feita àqueles que fizessem crítica à religião predominante, sendo descuidados para com as suas obrigações rituais. Este comportamento era considerado antissocial.[5]

Se a pessoa fosse pública ou influente, essa acusação poderia servir como forma de vingança ou, para desacreditá-la diante da opinião pública. O caso mais conhecido é o do filósofo Sócrates (469-399 a.C.), que entre outras acusações, teve a de “não crer nos deuses em que o povo crê e sim em outras divindades novas”.[6]

Mas, na realidade – apesar de listas antigas de “ateus” gregos,[7] cuja crença é denominada por Platão (427-347 a.C.) de “doença”[8] – tem sido extremamente difícil provar além de qualquer contestação, que algum pensador grego tivesse sido ateu “puro”. No entanto, o que acontecia era coisa diferente: apesar do paganismo grego da Antiguidade ser cheio de lendas e superstições, de quando em quando alguns pensadores se levantavam contra as crenças e costumes populares, declarando algo de relevo. Muitas das críticas estavam relacionadas – ainda que não solitariamente –, à fragilidade moral dos deuses tão candidamente descrita nas obras de cunho histórico-religioso e que dominava a mente dos povos.[9]

Encontramos, por exemplo, a percepção de que os homens tendiam a fazer seus deuses à sua imagem e semelhança. Aliás, esta é uma característica do ser humano, projetando o seu mundo a partir de si mesmo,[10] dando uma espécie de “troco” a Deus.

Calvino (1509-1564), diz que o homem pretende usurpar o lugar de Deus: “Cada um faz de si mesmo um deus e virtualmente se adora, quando atribui a seu próprio poder o que Deus declara pertencer-lhe exclusivamente”.[11] No entanto, a compreensão de Calvino a respeito do homem crente, permanece: “o coração fiel não inventa um deus a seu gosto, mas põe a sua atenção no único Deus verdadeiro, e não Lhe atribui o que lhe parece bom, mas se alegra com o que de Deus lhe é revelado”.[12] E, “O único fundamento de toda a religião é a imutável verdade de Deus”.[13]

Xenófanes

Xenófanes faz uma crítica severa e pertinente a Homero e Hesíodo:

Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que para os homens é opróbrio e vergonha: roubo, adultério e fraudes recíprocas.

Como contavam dos deuses muitíssimas ações contrárias às leis: roubo, adultério, e fraudes recíprocas.

Mas os mortais imaginam que os deuses são engendrados, têm vestimentas, voz e forma semelhantes a eles.

Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos, e pudessem, com elas, pintar e produzir obras como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, e os bois semelhantes a bois, cada (espécie animal) reproduzindo a sua própria forma.

Os etíopes dizem que os seus deuses são negros e de nariz chato, os trácios dizem que têm olhos azuis e cabelos vermelhos.[14]

Xenófanes propunha uma visão aparentemente próxima ao monoteísmo ou pelo menos, um “politeísmo não antropomórfico”,[15] mas, ainda assim, cosmológico, identificando, conforme pontua Aristóteles, o uno, ou seja, o universo,[16] como sendo Deus.[17] Xenófanes escreve: “Um único deus, o maior entre deuses e homens, nem na figura, nem no pensamento semelhante aos mortais”.[18] Na realidade, Xenófanes destaca um deus supremo acima dos demais deuses e dos homens.[19]

Reale (1931-2014) e Antiseri acentuam que “depois das críticas de Xenófanes, o homem ocidental poderá nunca mais conceber o divino segundo formas e medidas humanas”.[20]

Heráclito

Heráclito – a quem, juntamente com Sócrates, Justino considera cristão antes de Cristo[21] –, ridiculariza o antropomorfismo e a idolatria da religião contemporânea, dirigindo a sua crítica à prática do sacrifício como meio de purificação, e às orações feitas às imagens:

Em vão procuram purificar-se, manchando-se com novo sangue de vítimas, como se, sujos com lama, quisessem lavar-se com lama. E louco seria considerado se alguém o descobrisse agindo assim. Dirigem também suas orações a estátuas, como se fosse possível conversar com edifícios, ignorando o que são os deuses e os heróis.[22]

Talvez isso revele o que Heráclito expressa no Fragmento 79: “O homem é infantil frente à divindade, assim como a criança frente ao homem”. Todavia devemos ressaltar que ele não era irreligioso, apenas discordava da prática religiosa que via.[23]

Heráclito, fugindo da ideia de fatalismo, entendia que o homem é responsável pelos seus atos, portanto, afirma: “O caráter é para o homem um demônio” (dai/mwn). (Frag., 119).[24]

Empédocles

Empédocles fala do privilégio de se conhecer a Deus, que é um ser espiritual:

Bem-aventurado o homem que adquiriu o tesouro da sabedoria divina; desgraçado o que guarda uma opinião obscura sobre os deuses.

Não nos é possível colocar (a divindade) ao alcance de nossos olhos ou de apanhá-la com as mãos, principais caminhos pelos quais a persuasão penetra o coração do homem.

Pois o seu corpo (da divindade) não é provido de cabeça humana; dois braços não se erguem de seus ombros, nem tem pés, nem ágeis joelhos, nem partes cobertas de cabelos; é apenas um espírito; move-se, santo e sobre-humano, e atravessa todo o cosmos com rápidos pensamentos.[25]

Na História Grega, o século 5º a.C., costuma ser denominado, “Século de Ouro de Atenas” ou “Século de Péricles”, especialmente, ainda que não exclusivamente, associado ao período em que Péricles governou Atenas (444-429 a.C.).

Nessa época foi que Atenas teve o seu grande desenvolvimento político, artístico, literário e social, além da preparação de um exército bem treinado.

Aqui temos um período de grande desenvolvimento democrático de Atenas. As assembleias e tribunais dependiam da habilidade retórica dos seus participantes. O discurso era o meio mais eficaz de adquirir influência, poder e honrarias ou, de se defender dos inimigos. A Retórica adquiriu um status de inigualável arma política, assegurando a vitória a quem soubesse usá-la melhor.

Sobre isso, escreveu Jaeger (1888-1961):

A faculdade oratória situa-se em plano idêntico ao da inspiração das musas aos poetas. Reside antes de mais nada na judiciosa aptidão para proferir palavras decisivas e bem fundamentadas. (…) A idade clássica chama de orador o político meramente retórico. (…) Neste ponto, devia basear-se na eloquência toda a educação política dos chefes, a qual se converteu necessariamente na formação do orador.[26]

Este século é marcado por profundas modificações. A vitória nas Guerras Médicas (499-449 a.C.),[27] quando foram expulsos os invasores persas das terras helênicas (Maratona (490);[28] Salamina (480)[29] e Plateia (479)[30]), trouxe prosperidade no comércio, aumento de sua riqueza e, sobretudo, desenvolvimento e esplendor da sua cultura.

Os Sofistas

Péricles (499-429 a.C.) deu uma Constituição democrática à Atenas. A vida política e civil da cidade tomou novos aspectos, despertando um novo interesse intelectual. A preocupação com a origem do mundo material, como vimos, que foi característica das épocas anteriores, cede lugar agora, à preocupação com o homem. Neste contexto surgiram os sofistas, eloquentes oradores, retóricos e fundamentalmente pedagogos que tinham como meta a educação dos nobres,[31] especialmente na Gramática, na Literatura, na Filosofia, na Religião e, principalmente na Retórica.

Os sofistas foram mestres que tiveram grande influência no 5º e 4º séculos antes de Cristo. Deles provieram críticas severas à religião praticada. Protágoras (c. 480-410 a.C.), por exemplo, partindo do princípio de que o homem é o senhor e padrão de toda realidade, conduziu seu pensamento pelo pleno subjetivismo, dizendo: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são”.[32]

Deste conceito, ele deduz o seu agnosticismo teológico que, segundo nos parece, era o único caminho possível para ser coerente com o seu pensamento relativista. Por isso, a sua compreensão: “Quanto aos deuses, não posso saber se existem nem se não existem nem qual possa ser a sua forma; pois muitos são os impedimentos para sabê-lo: a obscuridade do problema e a brevidade da vida do homem”.[33]

Um seu contemporâneo, discípulo de Parmênides (530-460 a.C.), Melisso de Samos (c. 490-c. 430 a.C.), também partilhava do mesmo agnosticismo, conforme testemunho de Diógenes Laércio: “Dos deuses, dizia que não se deve dar explicação definitiva. Pois não se os pode conhecer”.[34]

Calvino cita que o poeta grego Simônides de Céos (c. 557-c.468 a.C.), indagado pelo tirano Hierão I de Siracusa sobre o que seria Deus, depois de alguns dias de reflexão, respondeu: “Quanto mais reflito, tanto mais obscuro o assunto me parece”.[35]

Trasímaco de Calcedônia (c. 459- 400 a.C.), entendendo que a justiça é sempre a do mais forte,[36] sustentava que os deuses foram inventados pelos governantes com o objetivo de assustarem os homens. No entanto, caso eles existam, não têm providência nem se preocupam com os assuntos humanos.[37] Aliás, o conceito de um deus indiferente aos problemas humanos, não era estranho no 5º/4º séculos a.C. conforme indica Platão (427-347 a.C.), ainda que combatendo esta acepção.[38]

Outro sofista e orador respeitado, Pródico de Céos (c. 465- c. 399 a.C.), discípulo de Protágoras (c. 480-410 a.C.), “precursor de Sócrates”,  pessimista quanto à vida, sustentava que não devemos temer a morte, visto que jamais nos encontraremos com ela: quando a morte chegar já não existiremos. Entendia que todos os bens, inclusive o divino, só o conseguimos com muito esforço, tendo como ingrediente fundamental a adoração aos deuses: “Os Deuses não concederam aos homens nenhuma das cousas belas e boas sem fadiga e estudos; mas se quiseres que os Deuses te sejam benévolos, deves venerá-los”.[39]

Para Pródico, conforme documentação disponível, a origem da religião estava associada à gratidão dos homens, que denominaram de deuses as coisas úteis à vida, tais como o sol, a lua, os rios, os lagos, o alimento e o vinho.[40]

Platão

Platão (427-347 a.C.), com discernimento correto, entendia que um dos males de sua época consistia na corrosão da religião praticada por supostos sacerdotes e profetas – que ele chama de mendigos e adivinhos –, os quais exploravam a credulidade das pessoas, especialmente das ricas.

Dentro do quadro descrito, uma das fórmulas usadas por esses líderes religiosos, era fazer as pessoas crerem que poderiam mudar a vontade dos deuses mediante a oferta de sacrifícios ou, por meio de determinados encantamentos. Os deuses seriam, portanto, limitados e aéticos, sem padrão de moral, sendo guiados pelas seduções humanas:

Mendigos e adivinhos vão às portas dos ricos tentar persuadi-los de que têm o poder, outorgado pelos deuses devido a sacrifícios e encantamentos, de curar por meio de prazeres e festas, com sacrifícios, qualquer crime cometido pelo próprio ou pelos seus antepassados, e, por outro lado, se se quiser fazer mal a um inimigo, mediante pequena despesa, prejudicarão com igual facilidade justo e injusto, persuadindo os deuses a serem seus servidores – dizem eles – graças a tais ou quais inovações e feitiçarias. Para todas estas pretensões, invocam os deuses como testemunhas, uns sobre o vício, garantindo facilidades (…). Outros, para mostrar como os deuses são influenciados pelos homens, invocam o testemunho de Homero, pois também ele disse: “Flexíveis até os deuses o são. Com as suas preces, por meio de sacrifícios, votos aprazíveis, libações, gordura de vítimas, os homens tornam-nos propícios, quando algum saiu do seu caminho e errou” (Ilíada IX.497-501).[41]

Platão faz críticas severas, especialmente a Homero e Hesíodo por terem forjado conceitos de Deus que, segundo ele, não correspondiam à realidade;[42] por isso, tais lendas – que eram mescladas de elementos verdadeiros e falsos[43] – não deveriam ser contadas às crianças e aos jovens, visto que elas corromperiam a formação dos mesmos. As primeiras histórias a serem contadas, deveriam ser as mais nobres, que orientassem no sentido da virtude.[44] Para ele, Deus estava acima de nossa capacidade racional e, mesmo que fosse percebido, seria incomunicável: “…. descobrir o autor e o pai deste universo é um grande feito, e quando se o descobriu, é impossível divulgá-lo a todos”.[45]

Platão, com acuidade acentua que o Criador que formou o universo é um ser pessoal e bom:

Ele era bom, e naquele que é bom nunca se lhe nasce a inveja. Isento de inveja, desejou que tudo nascesse o mais possível semelhante a ele. (…) Deus quis que tudo fosse bom: excluiu, pelo seu poder, toda imperfeição, e assim, tomou toda essa massa visível, desprovida de todo repouso, mudando sem medida e sem ordem, e levou-a da desordem à ordem, pois estimou que a ordem vale infinitamente mais que a desordem.[46]

Há também um aspecto interessante: ainda que a questão do monoteísmo não seja discutida entre os filósofos gregos;[47] daí: “deus” e “deuses” serem expressões intercambiáveis; há um fragmento – muito citado entre os antigos –, escrito por Antístenes de Atenas (c. 450-360 a.C.), primeiramente sofista e depois discípulo de Sócrates (469-399 a.C.), no qual diz, conforme menciona Cícero (106-43 a.C.): “Antístenes (…) em seu livro A Filosofia Natural, destrói o poder e a personalidade dos deuses ao dizer que embora a religião popular reconheça muitos deuses, há somente um Deus na natureza”.[48]

Posteriormente, apologistas cristãos, inspirados nessas críticas e de outros filósofos gregos e romanos – “impacientes com as divindades inúteis” –, usariam métodos semelhantes para criticarem a religião grega e a de outros povos.[49]

Nos séculos posteriores ao Novo Testamento, a questão da adoção de concepções filosóficas gregas não foi pacífica. Havia quem concordasse e outros que entendiam que o Cristianismo nada tinha a ver com o pensamento pagão. É isto que veremos no tópico seguinte.


[1] Taciano, Discurso contra os Gregos, São Paulo: Paulus, 1995, 14. p. 80.

[2] Gordon H. Clark, Ateísmo: In: Carl Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 63. Veja-se também: Gordon H. Clark, Dios: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, Grand Rapids, Michigan: T.E.L.L., 1985, p. 157-167.

[3]No grego clássico existiam os termos a)/qeoj (“sem deus” ou “abandonado pelos deuses”)(Cf. Liddell & Scott; Bauer) (Ef 2.12) e a)qeo/thj (“irreligiosidade”, “incredulidade”, “impiedade”). A palavra ateísmo surgiu apenas no século XVI sendo usada pela primeira vez em francês (athéisme) e posteriormente em inglês (atheism) por Miles de Coverdale (1488-1569). A Bíblia traduzida por ele foi a primeira edição completa das Escrituras impressa em inglês (04/10/1535). Em francês a palavra é empregada para se contrapor a outra palavra, também nova, deísmo, criada pelos socianos que não queriam que seu pensamento fosse confundido com o pensamento ateu (Cf. Deísmo: In: A. Lalande, Vocabulário técnico e crítico da filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 236). É neste sentido que o teólogo calvinista, amigo e correspondente de Calvino, Pierre Viret (1511-1571) usou a expressão em 1564: “Há vários que confessam que acreditam que existe um Deus e uma Divindade, como os Turcos e os Judeus. Ouvi dizer que há nesse bando aqueles que se chamam Deístas, uma palavra totalmente nova que eles querem opor ao Ateísmo” (P. Viret, Instruction Chrétienne. Apud Deísmo: In: A. Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, p. 236). Em português a palavra é também datada do século XVI (Vejam-se: https://en.wikipedia.org/wiki/Atheism (consultado em 30/10/19); R. Albert Mohler Jr., Ateísmo Remix: um confronto cristão aos novos ateístas, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2009, p. 21-22; Ateísmo: José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, São Paulo: Loyola, 2000, v. 1, p. 213; Dios: J. Corominas; J.A. Pascual, Diccionario crítico etimológico de la lengua castellana, Madrid: Editorial Gredos, 2007 (6. reimpresión), v. 2, p. 498-500; R. Albert Mohler Jr., O modo como o mundo pensa: um encontro com a mente natural no espelho e no mercado. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 58). Quanto à complexidade do uso do termo, vejam-se: Ateísmo: In: A. Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 98-99; Giulio Girardi, Introduccion: In: Giulio Girardi, dir. El Ateísmo Contemporáneo, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1971, v. 1, Tomo I, p. 27-104; Anton Anwander, El problema de los pueblos ateos: In: Giulio Girardi, dir. El Ateísmo Contemporáneo, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1971, v. 1, T. II, p. 563-574.

[4]No grego clássico a palavra não era reservada apenas ao conteúdo religioso, tinha um emprego mais amplo, envolvendo a conduta (conteúdo ético). Platão, por exemplo, a emprega no sentido de “impiedade (…) para com os deuses e para com os pais” (Platão, A República, 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 615c) e, desprezo para com os homens (Platão, A República, 391c). Vejam-se diversos exemplos em: W. Foerster, a(sebh/j, etc: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 7, p. 185-187. Consulte também: W. Günther, Piedade: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 544-547. No Novo Testamento a palavra tem o emprego comum de impiedade: * Rm 1.18; 11.26; 2Tm 2.16; Tt 2.12; Jd 15,18.

[5]Quanto à progressiva distinção entre os termos a)qeo/thj e o a)sebe/ia, veja-se: W. Foerster, a(sebh/j, etc: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 7, p. 186.

[6] Platão, Defesa de Sócrates, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 2), 1972, 24b-c. p. 17. (Veja-se: Jean-Yves Lacoste, Ateísmo: In: Jean-Yves Lacoste, dir. Dicionário crítico de Teologia, São Paulo: Paulinas; Loyola, 2004, p. 204-205). Evidentemente, há inúmeros outros casos. Outro bem conhecido é o de Diágoras de Melos (c. 465-410 a.C.) – aliás, em todas as menções feitas ao seu nome, aparece o apelido de “o ateísta” –, discípulo de Demócrito, que foi acusado de impiedade quando ensinava em Atenas (411 a.C.) devido ao seu suposto ateísmo (Veja-se: Cicero, The nature of the Gods, England: Pinguin Books, 1972, I.1. p. 69; III.88-90, p. 232). (Ver: W.K.C. Guthrie, Os sofistas, São Paulo: Paulus, 1995, p. 220-221; Atheism: In: William Fleming, The Vocabulary of Philosophy, Mental, Moral, and Metaphysical, 2. ed. New York: Sheldon & Company, 1869, p. 54-55).

[7] Cf. W.K.C. Guthrie, Os sofistas, p. 220-221. Vejam-se: Cicero, The Nature of the Gods, I.1; João Calvino, As Institutas, I.3.3.

[8] Platão usa a expressão: “doença do ateísmo” (Platão, As Leis, Bauru, SP.: EDIPRO, 1999, p. 357-358, 402). O capítulo X de sua obra é dedicado à defesa da religião combatendo algumas formas de ateísmo. Veja-se um bom resumo deste capítulo em: Ateísmo: N. Abbagnano, Dicionário de filosofia, 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 82-83.

[9] Vejam-se alguns exemplos de insatisfação In: W.K.C. Guthrie, Os Sofistas, p. 212ss.

[10] “O homem em geral, e o homem primitivo em particular, tem tendência para imaginar o mundo exterior à sua imagem” (Bronislaw Malinowski, Magia, ciência e religião, Lisboa: Edições Setenta, (s.d.), p. 20).

[11]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 2002, v. 3, (Sl 100.1-3), p. 549.

[12]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, (I.1), p. 61.

[13]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 303.

[14]Xenófanes, Fragmentos, 11-16. In: Gerd A. Bornheim, org. Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977, p. 32. Mais tarde, um escritor cristão do segundo século, fazendo uma apologia do Cristianismo – que estava sendo severamente perseguido durante o reinado de Adriano (117-138 AD), a quem destina o seu escrito –, critica o politeísmo grego: “Os gregos, que dizem ser sábios, mostraram-se mais ignorantes do que os caldeus, introduzindo uma multidão de deuses que nasceram, uns varões, outros fêmeas, escravos de todas as paixões e realizadores de toda espécie de iniquidades. Eles mesmos contaram que seus deuses foram adúlteros e assassinos, coléricos, invejosos e rancorosos, parricidas e fratricidas, ladrões e roubadores, coxos e corcundas, feiticeiros e loucos. (…) Daí vemos, ó rei, como são ridículas, insensatas e ímpias as palavras que os gregos introduziram, dando nome de deuses a esses seres que não são tais. Fizeram isso, seguindo seus maus desejos, a fim de que, tendo deuses por advogados de sua maldade, pudessem entregar-se ao adultério, ao roubo, ao assassínio e a todo tipo de vícios. Com efeito, se os deuses fizeram tudo isso, como não o fariam também os homens que lhes prestam culto? (…) Os homens imitaram tudo isso e se tornaram adúlteros e pervertidos e, imitando seu deus, cometeram todo tipo de vícios. Ora, como se pode conceber que deus seja adúltero, pervertido e parricida?” (Aristides de Atenas, Apologia, I.8-9. In: Padres apologistas, São Paulo: Paulus, 1995, p. 43-45).

[15] W.K.C. Guthrie, Os sofistas, p. 211.

[16]Ver: Giovanni Reale; Dario Antiseri, História da filosofia: Antiguidade e Idade Média, São Paulo: Paulus, 1990, v. 1, p. 49.

[17] Aristóteles, Metafísica, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.5, p. 223.

[18] Xenófanes, Fragmento, 23.

[19] Cf. Étienne Gilson, O espírito da filosofia Medieval, São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 55.

[20]Giovanni Reale; Dario Antiseri, História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média, v. 1, p. 48.

[21]Justino de Roma, I Apologia, São Paulo: Paulus, 1995, 46.3. p. 61-62.

[22]Heráclito, Frag., 5. Veja-se também: Fragmento, 14. Sobre Heráclito, Bréhier comenta: “A sabedoria de Heráclito despreza o que ao vulgo se refere: a começar pela religião popular, a veneração das imagens e, particularmente, os cultos misteriosos, órficos ou dionisíacos (Frags., 5,14,15), com suas ignóbeis purificações pelo sangue, os traficantes de mistérios, que alimentam a ignorância dos homens sobre o além” (É. Bréhier, História da filosofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977, I/1, p. 53).

[23]Heráclito, Frags., 14/67.

[24]Lembremo-nos que para os gregos o homem ao nascer está ligado a um dai/mwn (“deus”, “deusa”, “poder divino”, “destino”, “sorte”) e, que este determina o seu destino para o bem ou para o mal. Notemos que a palavra grega para felicidade é eu)daimoni/a (bom demônio). No fragmento de Heráclito, ele parece estar criticando a concepção prevalecente de “destino”, trazendo para o homem a responsabilidade de sua conduta. (Veja-se: F.E. Peters, Termos Filosóficos Gregos: Um léxico histórico, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1983), p. 47-48). Kirk e Raven comentam: “dai/mwn significa aqui simplesmente um destino pessoal do homem; este é determinado pelo seu próprio caráter, sobre o qual o homem tem um certo domínio, e não por poderes externos e frequentemente caprichosos que atuam, talvez, através de um ‘gênio’ atribuído a cada indivíduo pelo acaso ou Sorte” (G.S. Kirk; J.E. Raven, Os Filósofos Pré-Socráticos, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p. 216-217).

Dai/mwn significa “deus”, “deusa”, “destino”, “demônio”, “poder sobre-humano”. Dai/mwn é uma palavra mais geral do que Qeo/j, ainda que esta não seja precisa. Assim como “qeo/j”, “Dai/mwn” também é de terminologia incerta. Sugere-se que a palavra venha de dai/omai (= “dividir”, “partilhar”), tendo o significado de “dilacerar”, “separar”, e, portanto, estando relacionada com a concepção de dai/mwn como aquele que consome o corpo. (Veja-se: Werner Foerster, dai/mwn: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 2, p. 2). “Pode haver alguma conexão com a ideia do deus dos mortos como sendo aquele que divide os cadáveres” (Cf. H. Bietenhard, Demônio: In: Colin Brown, ed. ger. O novo dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981, v. 1, p. 594. Veja-se também, Werner Foerster, dai/mwn: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological dictionary of the New Testament, v. 2, p. 2). Uma outra explicação encontramos em Platão (427-347 a.C.), que derivava “daímõn” de “Daëmõn” (“Sábio”, “hábil”), da “sabedoria que lhe é própria” (Platão, Crátilo, 398b-c).

Sócrates (469-399 a.C.) alegou diante de seus algozes que desde a infância ouvia vozes que o chamavam para uma missão e o impediam de realizar determinadas tarefas. Esta inspiração, diz Sócrates, vem de um “deus ou de um gênio” (daimo/nion) (Platão, Defesa de Sócrates, 31 c-d.), que algures chama de “bem”, tendo sido experimentado por poucas pessoas (Platão, A República, 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 496c). Em Empédocles (c. 450 a.C.) o “dai/mwn” é um ser espiritual – distinto da “yuxh/” ou a própria –, que acompanhava o homem desde o nascimento (Frag., 115. Veja-se: H. Bietenhard, Demônio: In: Colin Brown, ed. ger. O novo dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 1, p. 594; F.E. Peters, Termos filosóficos gregos: um léxico histórico, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1983), p. 48; G.S. Kirk; J.E. Raven, Os filósofos Pré-Socráticos, p. 364-365). Platão também o identificou como a alma (Platão, Timeu, São Paulo: Hemus, (s.d.), 90a), sendo o “dai/mwn” uma espécie de “anjo” que nos guarda (Platão, República, 620d), no entanto fomos nós quem o escolhemos (Platão, República, 617d-e).

Na mitologia grega, o “daimo/nion” é um deus inferior, intermediário entre os deuses e os mortais. (Hesíodo, Teogonia, 120). Em Homero, “dai/mwn” é empregado de forma intercambiável com “Qeo/j” (A Ilíada, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, (s.d.), XVII.98,99; Platão, Apologia, 27d), embora “Qeo/j” fosse, como já mencionamos, uma palavra mais precisa que “dai/mwn”. Platão seguiu o conceito de Hesíodo, atribuindo ao “daimo/nion” a condição de intermediário, permitindo o diálogo dos deuses com os homens (Platão, O banquete, 202e-203a). Eles são filhos dos deuses (Qew++=n) (Platão, Defesa de Sócrates, 27 c-d), tendo sido criados pelo “dhmiourgo/j” (“O artífice do mundo”), que cria seres inferiores responsáveis pela criação dos seres vivos (Platão, Timeu, 29d-30c; 41a-c; Platão, A República, 530a; Xenofonte, Ditos e feitos memoráveis de Sócrates, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 2), 1972, I.4.7; IV.3.13). Esta concepção do “dhmiourgo/j” foi retomada pelos gnósticos. (Veja-se: Irineu, Contra as heresias, I.5.2-3). Valentino o considerava como o último dos eons (Clemente de Alexandria, Stromata, IV.13: In: Alexander Roberts; James Donaldson, editors. Ante-Nicene Fathers, 2. ed. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1995, v. 2, p. 425-426). Platão também assim os descreve: “Zeus, o grande condutor do céu, anda no seu carro alado a dar ordens e cuida de tudo. O exército dos deuses (Qew++=n) e dos demônios (daimo/nion) segue-o, distribuído em onze tribos” (Platão, Fedro, 246e-247). Homero considerava Zeus um deus extremamente poderoso, sendo o “pai dos deuses e dos homens” e, mais forte do que todos os outros deuses juntos. (Homero, A Ilíada, VIII, p. 133ss).

Após a morte, as almas dos homens escolhem o seu “dai/mwn” para proteger a sua vida (A República, 617e; 620d); tornando-se as almas dos “homens de bem” em demônio (Platão, Crátilo, 398b-c). Por isso, o homem de bem, vivo ou morto, deve ser chamado de demônio (Crátilo, 398c).

Plotino disse que um “dai/mwn” é uma “imagem de Deus” e que os demônios estão na segunda ordem, depois dos deuses, vindo depois deles os homens e os animais (Plotino, Enneades, VI.7.6; III.2.11. Cf. Demônio: In: Nicola Abbagnano, Dicionário de filosofia, 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 224).

[25]Empédocles, Fragmentos, 132-134. In: Gerd A. Bornheim, org. Os filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977, p. 80-81.

[26]Werner Jaeger, Paideia: A Formação do Homem Grego, 2. ed. São Paulo; Brasília, DF.: Martins Fontes; Editora Universidade de Brasília, 1989, p. 236.

[27] Também conhecidas como Guerras Grego-Persas e Guerras Persas

[28]Veja-se a descrição desta batalha in: Heródoto, História, Rio de Janeiro: Ediouro, (s.d.), VI.93-120.

[29]Heródoto, História, VIII.24-96.

[30]Heródoto, História, IX.1-107, 115-121.

[31] Cf. Werner Jaeger, Paideia: A Formação do Homem Grego, p. 236.

[32] Apud Platão, Teeteto: In: Teeteto e Crátilo, Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, 152a; 160c.  Citado também em Platão, Crátilo, 385e. Aristóteles (384-322 a.C.), diz: “O princípio (…) expresso por Protágoras, que afirmava ser o homem a medida (Me/tron) de todas as coisas (…) outra coisa não é senão que aquilo que parece a cada um também o é certamente. Mas, se isto é verdade, conclui-se que a mesma cousa é e não é ao mesmo tempo e que é boa e má ao mesmo tempo, e, assim, desta maneira, reúne em si todos os opostos, porque amiúde uma cousa parece bela a uns e feia a outros, e deve valer como medida o que parece a cada um” (Aristóteles, Metafísica, XI, 6. 1 062). (Para consultar uma edição bilingue, grego-português, veja-se: Aristóteles, Metafísica, São Paulo: Loyola, 2002. Disponível em: https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1332285/mod_resource/content/1/Aristoteles-Metafisica-Edicoes%20Loyola%20%282002%29.pdf) (Consultado em 28.12.19). Platão diferentemente de Protágoras, entendia que a medida de todas as coisas estava em Deus. “Aos nossos olhos a divindade será ‘a medida de todas as coisas’ no mais alto grau” (Platão, As Leis, Bauru, SP.: EDIPRO, 1999, IV, 716c. p. 189).

[33]Diógenes Laercio, Vidas, opiniones y sentencias de los Filósofos más Ilustres, Buenos Aires: El Ateneo, (1947), X, p. 581-582. Veja-se: também: Rodolfo Mondolfo, O Pensamento Antigo, 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1971, v. 1, p. 144-145.

[34]Melisso de Samos, Dox. 3. In: Gerd A. Bornheim, org. Os Filósofos Pré-Socráticos, p. 66. Veja-se também, a citação em Cícero (Cicero, The Nature of the Gods, I.1, 29, 63,117).

[35]João Calvino, As Institutas, I.5.12. Na sequência, Calvino comenta a insuficiência da revelação na natureza para o homem auferir um conhecimento sólido e precioso de Deus.

[36]Platão, A República, 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 338e-339a; 343c-344c.

[37]Platão, A República, 336b; 338c./Platão, Leis, 889e

[38] Vejam-se: Xenofonte, Ditos e feitos memoráveis de Sócrates, I.4.10ss; Platão, As Leis, 885b, 888c. Platão, A República, 365d-e

[39]Pródico, Das Horas, Fragmento, 2. Veja-se: também: Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, II.1.28; Platão, Protágoras, 315c. Barclay (1907-1978) escreve: “para a mentalidade grega a primeira característica de Deus era a apatheia. Esta palavra significa mais que apatia: significa incapacidade total de sentir. Os gregos sustentavam que Deus não poderia sentir. Se pudesse sentir alegria ou tristeza, aborrecer-se ou apiedar-se, significava que nesse momento alguém o havia afetado. Se isto era assim, significava que o homem havia influído em Deus; portanto, era mais poderoso que ele. Deste modo, pois, sustentavam que Deus deve ser incapaz de todo sentimento e que nada pode afetá-lo jamais. Um Deus que sofria era para os gregos uma contradição” (William Barclay, 1 y 2 Corintios, Buenos Aires: La Aurora, 1973, p. 30-31). Na realidade esta característica foi mais amplamente desenvolvida com o estoicismo. Vejam-se: S. Lilla, Apátheia: In: Ângelo Di Berardino, org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Paulinas, 2002, p. 125-126; Apátheia: In: F.E. Peters, Termos Filosóficos Gregos: Um léxico histórico, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1983), p. 31-32. Para um estudo clássico sobre os Sofistas e suas contribuições, veja-se: Eduard Zeller, Sócrates y los Sofistas, Buenos Aires: Editorial Nova, 1955).

[40] Veja-se: Cicero, The Nature of the Gods, I.118; W.K.C. Guthrie, Os Sofistas, São Paulo: Paulus, 1995, p. 221-224.

[41] Platão, A República, 364c-e.

[42] Platão, A República, 377d; 382a-383a; 388b-d. Por trás dessa crítica de Platão, está o conceito vigente da palavra “teologia”.

A palavra “Teologia” que não aparece nas Escrituras, é o resultado da junção de dois termos gregos: “qeo/j” = “Deus” e “Lo/goj” = “Estudo”, “tratado”, “discurso”. No entanto, mesmo “teologia” não ocorrendo nas Escrituras, os termos que a compõem ocorrem (Lc 8.21; Rm 3.2; 1Pe 4.11). A origem de “qeo/j” é incerta. O termo é usado e comentado primariamente por Platão (427-347 a.C.) (República, 379a) com o sentido de história dos mitos e lendas dos deuses contada pelos poetas, a qual deveria ser analisada criticamente e purgada dos inconvenientes conforme o padrão de educação adotado. (Platão, A República, 378b-e. Veja-se: H. Fries, Teologia: In: H. Fries, ed. Dicionário de Teologia, 2. ed. São Paulo: Loyola, 1987, v. 5, p. 297. Veja-se também, Theología: In: F.E. Peters, Termos Filosóficos Gregos: Um léxico histórico, p. 228). Na Grécia antiga, “teologia” e “teólogo”, passaram por diversas mutações; os poetas foram os primeiros a se intitularem de “teólogos” (Agostinho, A Cidade de Deus, 2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1990, (v. 2), XVIII.14), e a teologia referia-se às discussões filosóficas a respeito dos deuses e do mundo: teogonias e cosmogonias. Devemos lembrar que mesmo havendo uma hierarquia entre os deuses gregos (“Cronos” = “tempo” e depois “Zeus” = “Céu brilhante”), “qeo/j” não denotava uma unidade monoteísta, mas sim, a concepção conexa e integrada de vários deuses; a totalidade das divindades.

A palavra “Teologia” parece ter sido incorporada à linguagem cristã nos séculos IV e V, referindo-se à genuína compreensão das Escrituras Sagradas (Veja-se por exemplo a forma empregada por Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos), 1973, I.2.3; II, prólogo 1; III.24.13). O Evangelista João foi cognominado pelos “Pais da Igreja” de “o teólogo”, porque ele tratou mais detalhadamente das “relações internas das pessoas da Trindade” (A.H. Strong, Systematic Theology, 35. ed. Valley Forge, PA.: The Judson Press, 1993, p. 1). Posteriormente, este mesmo título seria dado a Gregório de Nazianzo (c. 330-389), especialmente devido à sua defesa da divindade de Cristo (distinção homologada em Calcedônia, 451) (Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 26). Durante a Reforma, Melanchthon denominaria com grande ênfase a Calvino de “o Teólogo” (Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 8, p. 260; Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p. 446)

[43] Platão, A República, 377a.

[44] Platão, A República, 378e.

[45]Platão, Timeu, 28. Veja-se também, Rudolf Otto, O Sagrado, São Bernardo do Campo, SP.: Imprensa Metodista; Programa Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1985, p. 96.

[46] Platão, Timeu, 29-30. Agostinho aventa a possibilidade de Platão ter tido contato com as Escrituras (Agostinho, A Cidade de Deus, 2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1990, (v. 1), VIII.11). Acredita que Platão possa ter conhecido o profeta Jeremias no Egito (Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas, 1991, II.29. p. 135). Aristóbulo (c. 150 a.C.) procura demonstrar que Platão e Pitágoras teriam tido algum contato com os escritos do Antigo Testamento (Cf. Nicola Abbagnano, História da Filosofia, 3. ed. Lisboa: Editorial Presença, (1984), v. 2, § 119, p. 78).

[47] Ver: Étienne Gilson, O Espírito da Filosofia Medieval, São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 54ss.

[48]Cicero, The nature of the Gods, I.32. Veja-se: W.K.C. Guthrie, Os Sofistas, p. 230-231.

[49] Cf. Michael Green, Evangelização na Igreja Primitiva, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 16.