O pensamento grego e a igreja cristã (Parte 17)

O Culto Espiritual e a ameaça pagã

Herança da Sinagoga

Podereis encontrar uma cidade sem muralhas, sem edifícios, sem ginásios, sem leis, sem uso de moedas como dinheiro, sem cultura das letras. Mas um povo sem Deus, sem oração, sem juramentos, sem ritos religiosos, sem sacrifícios, tal nunca se viu. – Plutarco (50-125 A.D.).[1]

 Sabemos que somos postos sobre a terra para louvar a Deus com uma só mente e uma só boca, e que esse é o propósito de nossa vida. – João Calvino (1509-1564).[2]

Os hinos e salmos que são cantados na adoração são músicas espirituais, isto é, elas são as músicas do Santo Espírito (Atos 4.25; Ef 5.19). – Hughes Oliphant Old (1933-2016)

Mesmo não encontrando nas páginas do Novo Testamento nenhuma descrição completa do culto cristão – o que considero proposital –, constatamos que, desde o início da igreja neotestamentária, havia uma forma própria de culto público (At 2.42).

Podemos observar, também, que desde o florescimento da Igreja cristã, houve a consciência de que o culto sacrificial judaico tivera um valor transitório: ele apontava para o sacrifício perfeito e eficaz de Cristo (At 6.8-7.53), sendo tal conceito coroado com a Epístola aos Hebreus, escrita cerca de trinta anos mais tarde, por um autor cuja identidade não foi preservada.[3] Contudo, uma pergunta que se faz necessária é: o culto cristão recebeu algum tipo de herança ou se estruturou sem nenhum modelo prévio, de acordo com alguma orientação direta do Espírito?

Hoje é assunto aceito de modo pacífico que o culto cristão encontrou o seu protótipo na Sinagoga e, possivelmente (aqui, a palavra possivelmente é relevante), nas comunidades religiosas como a de Qumran, por exemplo.

Analisando historicamente, devemos considerar como natural os cristãos judeus tomarem a adoração na sinagoga como modelo. A sinagoga dispunha de grande influência na vida religiosa dos judeus já que ela se constituía no centro de sua vida religiosa e cultural, do mesmo modo que o Templo de Jerusalém era o centro da vida nacional. Nos dias de Jesus, a sinagoga permanecia como uma instituição de grande poder conservador, sendo o centro catalisador da vida religiosa e social dos judeus.

A conclusão de Maxwell (1931-2018) parece-nos pertinente:

O culto cristão, como coisa distintiva e autóctone, surgiu da fusão da sinagoga e do Cenáculo, no crisol da experiência cristã. Assim fundidos, cada um completando e estimulando ao outro, se converteram na norma do culto cristão. (…) O culto típico da Igreja pode ser achado até ao dia de hoje na união do culto da Sinagoga e a experiência sacramental do Cenáculo; e esta união data dos tempos do Novo Testamento.[4]

Esta tese é facilmente identificável por intermédio das evidências históricas. Deve-se levar em consideração, também, que os primeiros discípulos de Jesus Cristo eram judeus e a forma de culto que eles conheciam era o culto prestado na sinagoga e no Templo. Porém, “a única coisa que faltava na adoração da sinagoga era o sacrifício”, comenta Willis.[5] Contudo, os judeus das regiões mais distantes de Jerusalém estavam mais familiarizados com a liturgia da sinagoga, tendo em vista que estas se encontravam por quase todas as cidades onde houvesse judeus, pois, de acordo com a lei da Mishná,[6] era permitido que dez homens judeus formassem, em qualquer lugar, uma sinagoga.[7] Havia cidades, inclusive, que possuíam várias. Estima-se que em Jerusalém houvesse cerca de 500 delas.[8]

Outro fato que reforçou ainda mais a influência da sinagoga na vida religiosa dos judeus, foi a destruição do Templo ocorrida cerca de 40 anos depois da morte e ressurreição de Jesus, enquanto a sinagoga continuou irradiando sua influência permanentemente.

A questão da música na adoração

A música, quer instrumental, quer vocal ou de ambas as formas sempre esteve presente em todas as expressões de cultura humana. “Não há povo antigo no qual não se encontrem manifestações musicais. (…) não existe linguagem mais instintiva, mais espontânea do que a música”, escreve Alaleona (1881-1928).[9]

A música sempre fez parte dos cultos pagãos (Ver: Dn 3.4-7). Entendia-se que os deuses gostavam de música, havendo, portanto, uma conexão entre a adoração e a música.[10] A flauta era um dos instrumentos populares, inclusive nos cultos.[11] Sendo facilmente confeccionada. Em geral, estava associada à alegria (Jó 21.12; 30.31; Sl 149.3; Is 30.29; Mt 11.17; Lc 7.32; Ap 18.22),[12] ainda que não especificamente (Mt 9.23).[13]

Nabucodonosor e a boa música

Em certa ocasião Nabucodonosor, rei da Babilônia, teve um sonho; desejando saber o seu significado e, ao mesmo tempo temendo que os magos o enganassem em sua interpretação, pediu para que esses contassem o que o rei havia sonhado e a sua interpretação. Os magos, em aperto, procuraram ganhar tempo, pois o rei os ameaçava de morte caso não soubessem o sonho e o seu significado. Por fim, terminam por dizer: “A coisa que o rei exige é difícil, e ninguém há que a possa revelar diante do rei, senão os deuses, e estes não moram com os homens” (Dn 2.11). A reação do rei foi intempestiva: “Então, o rei muito se irou e enfureceu; e ordenou que matassem a todos os sábios da Babilônia. Saiu o decreto, segundo o qual deviam ser mortos os sábios; e buscaram a Daniel e aos seus companheiros, para que fossem mortos” (Dn 2.12-13).

Daniel sabendo a razão do decreto de morte, se apresenta ao rei pedindo alguns dias para interpretar o sonho. Juntamente com seus companheiros roga a Deus, e Ele revela o sonho e o significado. Nabucodonosor estupefato com a interpretação do sonho, se inclina diante de Daniel e reconhece a grandeza de Deus (Dn 2.46-47).

Nabucodonosor que tão rapidamente reconheceu a soberania de Deus (Dn 2.47), logo se esquece disso e constrói – certamente também com propósito religioso-político[14] –, um obelisco (que era a sua imagem ou de algum deus babilônio) de ouro com cerca 30 metros de altura e três de largura, promovendo ostentosa consagração – inclusive com música bem cuidada –, acompanhada de uma ameaça real para aqueles que se negassem a adorar àquela imagem. (Dn 3.1-7).

Calvino (1509-1564) comentando essa passagem, diz:

Os Caldeus pensavam que satisfaziam a Deus quando reuniam muitos instrumentos musicais. Porquanto, como é habitual, avaliaram Deus conforme sua própria intuição. Seja o que for que nos agrade, cremos que será também do agrado de Deus. Daí aquela grande quantidade de cerimônias no papado. Nossos olhos se enchem com tal esplendor e cremos haver cumprido nossa obrigação para com Deus, como se a Sua alegria fosse a mesma que sentimos. Esse é um erro muitíssimo crasso.[15]

Arão e a adoração pagã

Durante os quarenta dias em que Moisés e Josué estiveram no monte Horebe. o povo de Israel se corrompeu, financiando a confecção de um bezerro (touro ainda jovem?) de ouro para que se transformasse em seu deus.[16] Vemos aqui a tentativa humana, em desespero despropositado, de criar os seus próprios deuses, atribuindo-lhes virtudes e poder (Ex 32.1-4).

Ainda que Arão tentasse impiamente associar a adoração pagã com a genuína adoração ao Senhor, havia elementos distintos (Ex 32.5-8). Quando Moisés e Josué descem do monte Horebe, ouvem cantos; ambos não souberam identificar. Se Moisés não soube, muito menos Josué. Este até sugeriu tratar-se de alarido de guerra, certamente que algum elemento no ritmo parecia como de guerra. Moisés, porém, mais experiente, retrucou: não é cântico de vencedores nem de vencidos; é alarido dos que cantam. O quê exatamente era, eles não sabiam, mas era algo diferente. (Ex 32.17-20).

Notemos que a música por eles entoada não era algo que se harmonizasse com o cântico religioso de Israel e mesmo com o cântico conhecido [Moisés certamente conhecia bem os ritmos egípcios e judeus (At 7.22)]. Havia algo de estranho naquilo tudo.

Quando chegaram ao local, o povo estava adorando ao bezerro de ouro com muita alegria, leia-se: orgia (Ex 32.6,19, 25; At 7.41). Observemos que há uma diferença fundamental na forma como cantavam, pois Moisés poderia falar: olhe, isso parece com música de Igreja – cometendo aqui um anacronismo –, não dá para entender a letra por causa da distância, mas é um cântico de Igreja.

O cântico sacro é facilmente identificável. No entanto, nada fora identificado por ambos. Josué até pensou tratar-se de canto de guerra. Devia ser algo alegre, ritmado, pois para guerra canta-se algo que impulsione, estimule para uma batalha. A música é modeladora e fomentadora de nossas ações.[17]

O fato é que a fé judaico-cristã sempre foi caracterizada pela música. Em momentos de alegria e tristeza, a música com a suas especificidades pontilhavam as experiências do povo (Mt 26.30; At 16.25; Rm 15.9;[18] 2Co 4.15; Ef 5.19; Hb 2.12; Tg 5.13).[19]

A plenitude do Espírito e a embriaguez dissoluta

Paulo nos mostra que o cântico é uma expressão da adoração cristã marcada pela plenitude do Espírito Santo. Mais: A genuína adoração é operada pelo Espírito Santo em nós. O mesmo Espírito que falou por intermédio de Davi, inspirando-o a escrever, é o que nos ilumina na adoração a Deus (At 4.25):[20] “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos (yalmo/j),[21] entoando e louvando de coração ao Senhor, com hinos (u(/mnoj)[22] e cânticos (%)dh)[23] espirituais” (Ef 5.18-19).

Essas três palavras empregadas também conjuntamente em Cl 3.16 é difícil, senão impossível de se determinar com precisão a diferença entre elas e estabelecer a sua distinção na adoração cristã, [24] considerando inclusive que elas também eram empregadas no culto pagão.[25]

Ainda que a compreensão desta distinção não seja fundamental para a nossa adoração, segundo nos parece o que estabelece o contraste da adoração cristã neste texto, é que esta é promovida pelo Espírito Santo, com coração sincero e, como não poderia deixar de ser, de modo espiritual. Portanto, os três termos parecem resumir a variedade e harmonia dos cânticos cristãos sob o impulso e direção do Espírito em fidelidade à Palavra revelada de Deus.

O Espírito e o cântico

Em Ef 5.18, Paulo faz um contraste entre a embriaguez, ainda que “religiosa”[26] – comportamento habitual entre os pagãos e ainda sobrevivente em alguns círculos da Igreja (Cf. 1Co 11.21) –, que gera a dissolução de todos os bons costumes, devassidão e libertinagem (a)swti/a),[27] e o enchimento do Espírito. Portanto, ao invés dos homens procurarem a excitação desenfreada da bebida,[28] ou a embriaguez como recurso para fugirem de seus problemas por meio do entorpecimento de suas mentes, devem buscar o discernimento do Espírito para compreender a vontade de Deus, que deve ser o grande objetivo de nossa existência (Ef 5.17). O homem com o discernimento próprio de Deus, não buscará alegria no vinho, antes, no Espírito Santo. O enchimento do Espírito exige consciência, não a perda do controle por meio do exacerbamento da emoção em detrimento da razão.

O ato de cantar infindavelmente pode se tornar num meio de excessivo estímulo emocional que nos conduziria à embriaguez mental e emocional, tornando-nos presas fáceis de manipulações. Lamentavelmente a música tem sido usada com muita frequência com este propósito.[29] MacArthur conclui acertadamente: “O sentimentalismo irracional, estimulado geralmente pela repetição e ‘liberação’, se aproxima mais do paganismo dos gentios (ver Mt 6.7) do que de alguma forma de adoração bíblica”.[30]

Agostinho (354-430), comentando de forma belíssima o salmo 148, diz:

Sabeis o que é hino? É um cântico com louvor a Deus. Se louvas a Deus sem canto, não é hino. Se cantas e não louvas a Deus, não é hino; se louvas outra coisa não pertencente ao louvor de Deus, apesar de cantares louvores, não é um hino. O hino, pois, consta de três coisas: canto [canticum], louvor [laudem], de Deus. Portanto, louvor a Deus com cântico chama-se hino.[31]

“O Espírito Santo nos coloca em um relacionamento correto com Deus e as pessoas”, assinala Stott (1921-2011).[32] A sequência do texto de Efésios nos mostra os frutos práticos e concretos desse “enchimento”. Contudo, isso escapa à nossa abordagem.

“Louvando de coração ao Senhor, com hinos e cânticos espirituais” (Ef 5.19). O enchimento do Espírito evidencia-se no louvor a Deus com cânticos, os quais expressam a integridade e biblicidade da nossa fé.

Plínio e o esvaziamento dos templos pagãos

Plínio, o jovem (c. 62-113 AD) foi enviado pelo Imperador Trajano (53-117 AD)[33] à Ásia Menor para sanar um problema existente: o número de cristãos tinha aumentado tanto, que os templos pagãos estavam quase que totalmente desertos e, consequentemente, tais cristãos não veneravam a imagem do imperador, nem adoravam os deuses romanos.

Para resolver tal questão, Plínio dispunha de poderes amplos, podendo até mesmo usar da força se julgasse necessário; o que de fato fez. Contudo, havia alguns casos a respeito dos quais ele preferiu escrever ao Imperador Trajano, a fim de saber como solucioná-los. E por meio de uma dessas cartas, escrita por volta do ano 112 AD, vamos saber que os cristãos, durante o interrogatório, disseram que: “…. sua culpa se reduzia apenas a isto: em determinados dias costumavam comer antes da alvorada e rezar responsivamente hinos a Cristo, como a Deus….”.[34] Notamos aqui, que o culto era realizado pela manhã, cantavam-se hinos e, tinha dias fixos, que geralmente se interpreta como sendo o domingo.

No IV século, houve um entusiasmo sem precedente entre alguns Pais da Igreja, tais como, Basílio (c. 330-379), Crisóstomo (347-407) e Ambrósio (340-397), quanto ao cântico de Salmos na vida cotidiana.[35]

Agostinho e os cânticos

Agostinho (354-430) colocou esta questão em termos belos: “Quem canta com parcialidade, canta canções antigas; qualquer de seus cânticos é velho, é o velho homem que canta. Está dividido, é carnal. Certamente, enquanto é carnal é velho, e à medida em que é espiritual, é novo”.[36] Devemos cantar ao Senhor com novidade de vida, com integridade.

De forma poética, mostra que o nosso louvor a Deus é o fruto do trabalho do Agricultor em nós. Embora o louvor nada acrescente a Deus, nós crescemos quando sinceramente bendizemos o Senhor atestando o resultado de sua obra em nós:

Quando Deus nos abençoa, nós crescemos, e quando bendizemos ao Senhor, também crescemos; ambas as coisas são para o nosso proveito. Ele nada ganha quando o bendizemos, nem diminui por nossas maldições. (…) A bênção do Senhor vem-nos em primeiro lugar, e por consequência também nós bendizemos ao Senhor. A primeira é a chuva, e esta é o fruto. Por isso estamos entregando a Deus, o agricultor, que nos manda a chuva e nos cultiva, o fruto que produzimos. Cantemos estas palavras com devoção, mas não estéril, nem só de voz, mas com um coração sincero.[37]

No nosso louvor Deus é quem deve ser engrandecido, a sua glória é que deve ser buscada:

Se, pois, jubilais de tal modo que Deus ouça, salmodiai também de sorte que os homens vejam e ouçam; mas não a vosso nome. (…) Presta atenção ao fim, conta com certa finalidade; considera qual o fim que te move. Se ages assim para seres glorificado, foi o que proibi; se, porém, para que Deus seja glorificado, foi o que mandei. Salmodiai, portanto, não a vosso nome, mas ao nome do Senhor vosso Deus. Salmodiai vós; Ele seja louvado; vivei bem e Ele seja glorificado.[38]

Agostinho (354-430), com a sua eloquência própria, descreve algumas de suas inquietações com a música na igreja:

Quando ouço cantar essas vossas santas palavras com mais piedade e ardor, sinto que o meu espírito também vibra com devoção mais religiosa e ardente do que se fossem cantadas doutro modo. Sinto que todos os afetos da minha alma encontram, na voz e no canto, segundo a diversidade de cada um, as suas próprias modulações, vibrando em razão dum parentesco oculto, para mim desconhecido, que entre eles existe. Mas o deleite da minha carne, ao qual se não deve dar licença de enervar a alma, engana-me muitas vezes. Os sentidos, não querendo colocar-me humildemente atrás da razão, negam-se a acompanhá-la. Só porque, graças à razão, mereceram ser admitidos, já se esforçam por precedê-la e arrastá-la! Deste modo peco sem consentimento, mas advirto depois.

Outras vezes, preocupando-me imoderadamente com este embuste, peco por demasiada severidade. Uso às vezes de tanto rigor que desejaria desterrar meus ouvidos e da própria igreja todas as melodias dos suaves cânticos que ordinariamente costuma acompanhar o saltério de Davi. Nessas ocasiões parece-me que o mais seguro é seguir o costume de Atanásio, bispo de Alexandria. Recordo-me de muitas vezes me terem dito que aquele prelado obrigava o leitor a recitar os salmos com tão diminuta inflexão de voz que mais parecia um leitor que um cantor.

Porém, quando me lembro das lágrimas derramadas ao ouvir os cânticos da vossa Igreja nos primórdios da minha conversão à fé, e ao sentir-me agora atraído, não pela música, mas pelas letras dessas melodias, cantadas em voz límpida e modulação apropriada, reconheço, de novo, a grande utilidade deste costume.[39]

A seguir, Agostinho, não isoladamente, relata o seu impasse quanto ao assunto:

Assim flutuo entre o perigo do prazer e os salutares efeitos que a experiência nos mostra. Portanto, sem proferir uma sentença irrevogável, inclino-me a aprovar o costume de cantar na Igreja, para que, pelos deleites do ouvido, o espírito, demasiado fraco, se eleve até aos afetos da piedade. Quando, às vezes, a música me sensibiliza mais do que as letras que se cantam, confesso com dor que pequei. Neste caso, por castigo, preferiria não ouvir cantar. Eis em que estado me encontro.[40]

Depois do IV século – mesmo Ambrósio  tendo introduzido o costume do cântico congregacional na Igreja de Milão, seguindo o modelo do Oriente[41] –, o cântico congregacional perdeu a sua ênfase. A música foi confiada a um coro de sacerdotes, sendo a congregação silenciada, “os leigos eram mais testemunhas de um milagre que participantes do ato misericordioso e redentor de Deus”.[42] O cântico congregacional passou a ser permitido apenas por ocasião do Natal e da Páscoa.[43]

Mas, se por um lado as perseguições cessaram, por outro, vemos que no quarto e quinto séculos tornam-se evidente a influência das religiões de mistério no culto. O antigo respeito para com os mártires transformou-se em culto, surgindo a partir daí um “cristianismo popular de segunda classe”. Aos poucos os novos convertidos tendiam a transferir a Deus, aos apóstolos e mártires, parte da reverência dos antigos cultos prestados a poderes miraculosos que atribuíam aos seus antigos deuses pagãos. Daí foi apenas um passo para que os apóstolos, os anjos e Maria passassem a ser adorados. O culto cristão pouco a pouco se paganizara.

Durante séculos vários personagens dentro da igreja se insurgiram contra isso. No entanto, somente na Reforma Protestante do século XVI é que o problema foi tratado de forma satisfatória e, lamentavelmente, ainda que não somente por isso, a Igreja se dividiu.


[1] Conforme já mencionei, conheço essa citação desde a minha mocidade, no entanto, nunca encontrei a fonte primária.

[2]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1. (Sl 6.5), p. 129.

[3]Seguimos aqui a tese de que é inútil especular a respeito da autoria de Hebreus: Se Deus desejasse que soubéssemos, teria revelado. O próprio Orígenes (c. 185-254), considerava que o estilo da Epístola assemelha-se ao de Paulo e a composição parecia de alguém que evocava os seus ensinamentos, como um aluno que anota os escritos de seu mestre; contudo, quem escreveu a carta, conclui ele, somente Deus sabe a verdade. (Veja-se: Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos, 350), 1973, v. 2, VI.25.13-14). Para maiores detalhes, veja-se, Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.

[4] William D. Maxwell, El Culto Cristiano: su evolución y sus formas, Buenos Aires: Methopress Editorial y Grafica, 1963, p. 19.

[5]Wendell Willis, Adoração, São Paulo: Editora Vida Cristã, (s.d.), p. 28.

[6] Mishná, que é a primeira divisão do Talmude (“instrução”), significa “repetição” ou “ensinamento”. A Mishná constitui-se em uma seleção hebraica harmonizada de: a) todas as leis orais que se supunha terem sido comunicadas verbalmente por Moisés aos setenta anciãos; b) tradições; c) explicações das Escrituras do Antigo Testamento. Esta obra foi composta em cerca do ano 200 AD, em hebraico (contendo, contudo, palavras gregas, latinas e aramaicas) por Judá Ha-Nassi, o Patriarca (c. 135-220) e completada por seus discípulos. O material foi dividido em seis ordens: 1) Leis agrícolas; 2) O sábado e as festas religiosas; 3) Leis domésticas: casamento, divórcio etc.; 4) Leis civis e penais; 5) Leis do templo e dos sacrifícios; 6) Leis referentes à pureza e impureza. (Quanto a algumas lendas referentes à vida de Judá Ha-Nassi, ver: Judá Ha-Nassi: In: Alan Unterman, Dicionário Judaico de Lendas e Tradições, Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 1992, p. 138).

[7]Veja-se: Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 1, p. 456.

[8] Broadus B. Hale, Introdução ao Estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP., 1983, p. 17. Variando as estimativas entre 394 e 480 (Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 1, p. 457).

[9]Domingos Alaleona, História da Música, São Paulo: Ricordi, (1972), edição revista e atualizada pelo tradutor, João C. Caldeira Filho, 1984, p. 38. Isso não significa que concordemos com o autor em sua proposição de que “a linguagem musical, em forma rudimentar, precedeu a linguagem propriamente dita” (p. 38) e o seu espírito antirreligioso em geral. Na realidade, as Escrituras nos dizem que após Deus criar o homem e o colocar no jardim do Éden para o cultivar e guardar (Gn 2.15), incumbiu-lhe de dar nome aos animais (Gn 2.19-20).

[10] Veja-se: Johannes Quasten, Music & Worship in Pagan & Christian Antiquity, Washington, D.C.: National Association of Pastoral Musicans, 1983, p. 1ss. e Parcival Módolo, “Impressão” ou “Expressão” O Papel da Música na Missa Romana Medieval e no Culto Reformado: In: Teologia e Vida, São Paulo: Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, 1/1 (2005), p. 114.

[11]Cf. Johannes Quasten, Music & Worship in Pagan & Christian Antiquity, p. 2ss.

[12] “Visto que as flautas eram muito fáceis de se fazer, e podiam ser construídas de uma variedade de materiais – juncos, canas, ossos etc. – elas eram muitos populares. Segundo os quadros da Antiguidade o revelam, tais flautistas eram amiúde acompanhados de palmas” (William Hendriksen, Mateus, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, v. 1, (Mt 9.23), p. 612). Para uma visão panorâmica do uso de flauta e suas variações, veja-se: Stanley Sade, ed. Dicionário Grove de Música: Edição concisa, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1994, p. 331-333.

[13] “Tendo Jesus chegado à casa do chefe e vendo os tocadores de flauta e o povo em alvoroço, disse: Retirai-vos, porque não está morta a menina, mas dorme….” (Mt 9.23-24).

[14] “A estátua (…) não foi um ídolo senão um símbolo do glorioso poder de Babilônia. Sem embargo, se mandou que os homens a adorassem. Nesse instante o poder da Babilônia se converteu em ídolo” (S.G. De Graaf, El Pueblo de la Promesa, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1981, v. 2, p. 372).

[15]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 194. Veja-se João Calvino, As Institutas, Carta ao Rei Francisco I, p. 28. Lutero (1483-1546) enfatizara que, “nem trabalho em pedra, nem boa construção, nem ouro, nem prata tornam uma igreja formosa e santa, mas a Palavra de Deus e a sã pregação. Pois onde é recomendada a bondade de Deus e revelada aos homens, e almas são encorajadas para que possam depender de Deus e chamar pelo Senhor em tempos de perigo, aí está verdadeiramente uma santa igreja” (Jaroslav Pelikan, ed. Luther’s Works, Saint Louis: Concordia Publishing House, 1960, v. 2, (Gn 13.4), p. 332). O eminente teólogo puritano John Owen (1616-1683) em um sermão, disse: “Quão pouco pensam os homens sobre Deus e seus caminhos, se imaginarem que um pouco de tinta e de verniz fazem uma beleza aceitável!” (John Owen, Sermon IV. In: The Works of John Owen, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1982, v. 9, p. 78). “Para mim sempre foi patético assistir a um culto nalguma grande igreja quando o que se busca é o efeito produzido por algum tipo particular de edifício” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Vida de Paz, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2008, p. 31). É bastante ilustrativo o discurso de Lloyd-Jones por ocasião das comemorações dos 100 anos da Capela de Westminster em 1965. (Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, Discernindo os tempos, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 238-261).

[16] Em Ex 32.1 e 4, a palavra “deus” é usada no plural na forma pagã e politeísta. Foram esses deuses que “tiraram” o povo da terra do Egito (Ex 32.6).

[17] Veja-se: David Teme, O poder oculto da música,  São Paulo: Cultrix, © 1984, 334p.

[18] E, tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras” (Mt 26.30). Por volta da meia-noite, Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam” (At 16.25). “E para que os gentios glorifiquem a Deus por causa da sua misericórdia, como está escrito: Por isso, eu te glorificarei entre os gentios e cantarei louvores ao teu nome” (Rm 15.9).

[19] Quanto ao uso dos Salmos nas reuniões familiares, veja-se o excelente artigo de Cardoso: Dario Araújo Cardoso, O Cântico de Salmos na Igreja Cristã até a Reforma: In: Ciências da Religião: História e Sociedade, São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, (9/1, /2011): 26-51. Ao que parece, nos primeiros séculos, a prática dos cânticos nas reuniões familiares pagãs e em seus cultos, se constituiu, de certa forma, em um obstáculo à música na igreja.  Veja-se:  Johannes Quasten, Music & Worship in Pagan & Christian Antiquity, Washington, D.C.: National Association of Pastoral Musicans, 1983, p. 121ss.; 125ss.

[20]“Que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs?” (At 4.25).

[21]yalmo/j (* Lc 20.42; 24.44; At 1.20;13.33; 1Co 14.26; Ef 5.19; Cl 3.16) (Cântico de louvor, salmo). A palavra é usada para referir-se ao Livro de Salmos ou a algum Salmo específico (Cf. Lc 20.42; 24.44; At 1.20; 13.33), contudo em outras referências não são especificações daquele, parecendo indicar com isso, que além dos Salmos canônicos outros “salmos” (hinos cristãos) eram cantados na Igreja. Os salmos eram empregados apenas para hinos de louvor. O verbo ya/llw (* Rm 15.9; 1Co 14.15; Ef 5.19; Tg 5.13), tem o sentido básico de cantar, cantar louvores. Outra palavra da mesma raiz usada no NT. é yhlafa/w (* Lc 24.39; At 17.27; Hb 12.18; 1Jo 1.1), que tem o sentido de “mão” ou ato de tocar, apalpar. Parece-nos, portanto, que o louvor a Deus aqui caracterizado, envolvia o emprego de algum instrumento que fosse tocado com as mãos. Curiosamente encontrei posteriormente esta definição de yalmo/j em Isidro: “ação de sacudir as cordas de um instrumento” (Isidro Pereira, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, 7. ed. Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, (1990), p. 636). Na literatura clássica o verbo parece estar associado ao ato de tanger as cordas de um instrumento musical. Agostinho comentando o Salmo 66.2, diz: “Salmodiar é tomar um instrumento chamado saltério, e fazer a voz concordar com o toque e o movimento das mãos” (Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, v. 2, (Sl (66) 67.3), p. 336). Em outro lugar: “…. salmos seriam as composições acompanhadas ao saltério” (Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, v. 1, (Sl 4), p. 40).

Inclino-me a crer que os salmos aludidos por Paulo eram canções de adoração feitas por compositores cristãos, que eram cantadas, ainda que não estritamente, com acompanhamento musical. O seu estilo se assemelhava e se inspirava no Saltério e, outras vezes, ao invés de composições contemporâneas, fosse o próprio Saltério cantado. Aqui, talvez tenhamos a força da herança judaica na adoração cristã modelada pelo Espírito Santo.

[22]u(/mnoj (* Ef 5.19; Cl 3.16)(Uma canção, hino de louvor a Deus (Sl 40.3; Is 42.10), “hino festivo de louvor”). O verbo é u(mne/w (* Mt 26.30; Mc 14.26; At 16.25; Hb 2.12) (Cantar o louvor de, cantar um hino, celebrar (Sl 22.22)). No Novo Testamento, ambas as palavras estão associadas a cânticos a Deus. A origem da palavra é incerta, sendo aplicada no grego clássico desde Homero englobando uma gama variada de formas poéticas, sendo aplicada à poesia cantada e recitada, referindo-se geralmente aos hinos cantados em honra a alguma divindade ou a heróis. (Veja-se: Platão, A República, 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1993], 607a. p. 475).

[23]%)dh (* Ef 5.19; Cl 3.16; Ap 5.9; 14.3 (2 vezes); 15.3) (“Ode”, “canção”, “hino”). O verbo é #)/dw (* Ef 5.19; Cl 3.16; Ap 5.9; 14.3; 15.3) (“Cantar”). Em Ap 15.3 o verbo e o substantivo ocorrem conjuntamente referindo-se ao cântico de Moisés (Cf. Ex 15.1; Sl 145.7) e ao cântico do Cordeiro. %)dh é uma contração de a)oidh/ (arte de cantar, canto), proveniente de a)ei/dw, do verbo #)/dw (cantar, celebrar, elogiar). Das três esta é a palavra mais genérica. A %)dh pode ser de lamentação, queixa ou alegria. A palavra na literatura grega secular não estava limitada ao “cântico” do ser humano, podendo referir-se a todo tipo de sons: ao coaxar do sapo, ao som de um instrumento (harpa), o silvo produzido pelo vento nas árvores ou de uma pedra. Talvez “hinos” e “cânticos” descritos por Paulo refiram-se principalmente aos cânticos neotestamentários, estando refletido neles elementos da herança grega – considerando que muitos dos cristãos tinham esta formação –, no entanto, sob a direção do Espírito, tendo como elemento aferidor a Palavra de Cristo (Cl 3.16).

[24]Vejam-se, por exemplo: wv|dh,: In: Horst Balz; Gerhard Schneider, eds. Exegetical Dictionary of New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1994 (Reprinted), v. 3, p. 505-506; M. Rutenfranz, u(/mnoj: In: Horst Balz; Gerhard Schneider, eds. Exegetical Dictionary of New Testament, Grand Rapids, v. 3, p. 392-393; H.M. Best; D. Huttar, Música, Instrumentos Musicais: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 4, p. 415-416; K.H. Bartels, Cântico: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981, v. 1, p. 346-351; G. Delling, u)/mnoj, etc.: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. (reprinted) Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1982, v. 8, p. 489-503; H. Schlier, a)/dw, o(/dh/: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 1, p. 163-165; R.P. Martin, Hinos, Fragmentos de Hinos, etc.: In: Gerald F. Hawthorne, et. al. eds. Dicionário de Paulo e Suas Cartas, São Paulo: Vida Nova; Paulus; Loyola, 2008, p. 630.

[25] Calvino admitindo a dificuldade de se estabelecer a distinção (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 5.19), p. 165), diz: salmo é o que é cantado com acompanhamento de algum instrumento musical; o hino é uma canção de louvor sem acompanhamento de instrumento; a ode além de louvor, contém exortações e outros assuntos (Cf. John Calvin, Epistle to the Colossians, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries, v. 21), 1996 (Reprinted), (Cl 3.16), p. 217). Hodge, com discernimento, comenta: “O antigo uso das palavras yalmo/j, u(/mnoj, %)dh, parece ter sido tão livre como o é para nós o uso dos termos ingleses correspondentes salmo, hino e cântico. Um salmo era um hino, e um hino, um cântico. Apesar disso, havia uma distinção entre eles” (Charles Hodge, “Epistle to the Ephesians,” The Master Christian Library, Version 8 (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 2000), (Ef 5.19), p. 205). Vejam-se também as pertinentes observações de MacArthur (John F. MacArthur Jr., et. al. Ouro de Tolo? Discernindo a Verdade em uma Época de Erro, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2006, p. 127-129).

[26] No paganismo a relação entre o excesso de bebida e a prática religiosa era comum, especialmente nos serviços ao generoso (Thomas Bulfinch, O Livro de Ouro da Mitologia: (A idade da fábula): histórias de deuses e heróis, 12. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, p. 39ss.) e astuto (Cf.  Thomas Bulfinch, O Livro de Ouro da Mitologia, p. 196ss) deus Dionísio (Dio/nusoj) – (= Baco (Ba/kxoj), filho de Zeus (= Júpiter, na sua forma latina) –, na bacanália, estando a embriaguez também associada à nudez, danças eróticas e prostituição (Ver: Ap 17.2). Segundo a mitologia grega Baco fazia uso do vinho para embriagar pessoas a fim de que estas realizassem os seus desejos, inclusive de conquista. “Não representava apenas o poder embriagador do vinho, mas também suas influências benéficas e sociais, de maneira que era tido como o promotor da civilização, legislador e amante da paz” (Thomas Bulfinch, O Livro de Ouro da Mitologia, p. 14).

Paulo Matos Peixoto resume algumas características das festividades em homenagem a Baco: “As festas báquicas foram as primeiras representações teatrais, ainda inconscientes do sentido que continham. Baco, o deus boêmio, precisava de movimento, de alegria, de tumulto, de máscaras, de paixões. Seus adeptos, guiados pelos seus sacerdotes, organizam festas ao ar livre, com baile, vinho, mulheres, a fim de proclamar-se o delírio, atributo do deus da alegria desenfreada. Entre interjeições de alegria, sons de flautas, cantos confusos, a multidão representava a corte de Baco, o seu legendário reino de prazeres e uma forma de vida que era a sua característica” (Paulo Matos Peixoto em Introdução à obra: Teatro Grego, São Paulo: Paumape, 1993, p. 10-11. Mais detalhes sobre as bacanálias podem ser encontrados em Jocelyn Santos, Deuses Antigos, Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro, 1970, p. 91-92). “O culto a Dionísio, com sua ênfase sobre a embriaguez religiosa, era conhecido em Corinto e em outros lugares, e é razoável ver dentro destes textos das Epístolas do NT a preocupação no sentido de traçar uma linha divisória entre todos esses cultos helenísticos, e a vida do cristão no Espírito” (J.P. Budd, Sóbrio: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 518). As festas em homenagem a Baco eram tão promíscuas que o Senado romano as proibiu por decreto; no entanto, o costume estava tão arraigado no povo que a lei foi ineficaz. (Cf. P. Commelin, Mitologia Greco-Romana, Salvador, Ba.: Aguiar & Souza, 1957, p. 72; Jocelyn Santos, Deuses Antigos, p. 91). Baco, na mitologia esteve associado à música e ao teatro: “Afirma-se que foi Baco o primeiro a estabelecer uma escola de Música; as primeiras representações teatrais foram feitas em sua homenagem” (P. Commelin, Mitologia Greco-Romana, p. 69). Ele foi sagrado protetor das belas-artes, especialmente do teatro (Ver: Baco: Dicionário de Mitologia Greco-Romana, São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 21). Devido à elaboração musical e ao embelezamento do culto oferecido ao deus Apolo, ele foi escolhido como o patrono dos cantores e poetas. (Cf. Johannes Quasten, Music & Worship in Pagan & Christian Antiquity, p. 3). (Quanto à origem etimológica dos nomes “Dionísio” e “Baco”, ver: Junito de Souza Brandão, Mitologia Grega, 2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1988, v. 2, p. 113).

[27] a)swti/a é constituída de duas palavras: a = “não” & sw/zw = “libertar”, “salvar”, “curar”. O sentido literal da palavra é de alguém que não consegue poupar, economizar; é, portanto, perdulário, dissoluto. (* Ef 5.18; Tt 1.6; 1Pe 4.4. (Veja-se: LXX: Pv 28.7)). A forma adverbial a)sw/toj (dissolutamente), é empregada em sua única aparição no Novo Testamento, para se referir ao modo de vida do filho pródigo longe de sua casa (Lc 15.13). (Veja-se: Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1985 (Esta edição reproduz a 9ª, de 1880), p. 53-58). Portanto, a palavra está geralmente associada ao modo devasso e libertino de viver. Ela descreve a condição da mente e do corpo que foram arrastados à uma situação vil sendo decorrente daí uma total insensibilidade espiritual. (Veja-se: R.C.H. Lenski, St. Paul´s Epistle to the Ephesians, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, (Commentary on the New Testament), 1998, (Ef 5.18), p. 618). C. S. Lewis faz um oportuno contraste: “Precisamos divertir-nos. Mas nossa alegria deve ser aquela (aliás, a maior de todas) que existe entre pessoas que sempre se levaram a sério – sem leviandade, sem superioridade, sem presunção (…) a leviandade parodia a alegria” (C.S. Lewis, Peso de Glória, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 23).

[28]Calvino comenta: “(Paulo) quer dizer, pois, que os beberrões logo perdem a modéstia e não mais conseguem conter-se pelo pudor: que onde o vinho reina, o desregramento prevalecerá: e, consequentemente, que todos aqueles que cultivam algum respeito pela moderação ou decência, devem fugir e abominar a bebedice” (João Calvino, Efésios, (Ef 5.18), p. 164). Em outro contexto, Calvino escreve: “Beber com excesso não é só indecoroso num pastor, mas geralmente resulta em muitas coisas ainda piores, tais como rixas, atitudes néscias, ausência de castidade e outras que não carecem de menção” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.3), p. 88).

[29] Ver D.M. Lloyd-Jones, Cantando ao Senhor, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 47ss.

[30] John F. MacArthur Jr., et. al. Ouro de Tolo? Discernindo a Verdade em uma Época de Erro, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2006, p. 137.

[31]Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/3), 1998, (Sl (102)101), v. 3, (Sl 148.17), p. 1142.

[32] John R.W. Stott, Batismo e Plenitude do Espírito Santo, 2. ed. Ampli., São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 44.

[33] Trajano, no ano 107, crucificou a Simão, irmão de Jesus, bispo de Jerusalém e, posteriormente (110 AD), lançou a Inácio (30-110 AD), Bispo de Antioquia, às feras em Roma.

[34]Plínio, Epístola ao Imperador Trajano, X.96. In: Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE., 1967, p. 29; Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, Madrid: La Editorial Catolica, S.A. (Biblioteca de Autores Cristianos, v. 349 e 350), IV.23.11 e IV.26.2. Veja-se comentário do assunto In: J.B. Lightfoot, ed. and transl. The Apostolic Fathers, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1989, II/2, p. 129-130; Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 2, p. 201-205.

[35] Cf. Calvin R. Stapert, A New Song for an Old World: Musical Thought in the Early Church, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2007, p. 150ss.; Dario Araújo Cardoso, O Cântico de Salmos na Igreja Cristã até a Reforma: In: Ciências da Religião: História e Sociedade, São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, (9/1, /2011): 26-51. Para um levantamento de representativos documentos primários, veja-se: James W. McKinnon, ed.   Music in Early Christian Literature, Cambridge, UK.: Cambridge University Press, © 1987,  1989 (Reprinted), 192p.

[36] Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/2), 1997, v. 2, (Sl (65) 66.6), p. 371.

[37] Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/2), 1997, v. 2, (Sl (67) 66.1), p. 361.

[38] Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/2), 1997, v. 2, (Sl (66) 65.3), p. 336, 337.

[39] Agostinho, Confissões, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 6), 1973, X.33. p. 219-220. Compare com a descrição que Agostinho faz de festivais pagãos obscenos dos quais ele na juventude participara com satisfação (Santo Agostinho, A Cidade de Deus, 2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1990, (v. 1), II.4, p. 71-72). Essa luta era comum. Os Pais tendiam a combater as músicas seculares por serem de origem pagã, cheias de frivolidades e com uma conotação idólatra, Veja-se: Johannes Quasten, Music & Worship in Pagan & Christian Antiquity, p. 121ss. Beeke informa “que o Sínodo de Laodicéia (350 DC) e o Concílio de Bracatara (563 DC) proibiram o canto de hinos não escriturísticos”.  (Joel Beeke, Psalm Singing in Calvin and the Puritans. In: The Outlook, Middleville, Mi.: Reformed Fellowship, Inc.,  2010, v. 60, July-august (Disponível em: https://www.reformedfellowship.net/psalm-singing-in-calvin-and-the-puritans) (Consultado em 19.01.2020).

[40] Agostinho, Confissões, X.33. p. 220. “A ele [Deus], portanto, cante o salmo; a ele cante nosso coração, a ele cante dignamente a nossa língua; se, contudo, ele se dignar dar-nos a possibilidade de cantá-lo. Ninguém pode cantar-lhe dignamente, se dele mesmo não receber os cânticos. Finalmente, o cântico que acabamos de cantar, foi composto por seu profeta, sob a inspiração do Espírito  (Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/1), 1997, v. 1, (Sl 34), p. 457). Sobre os instrumentos, veja-se: Agostinho, A Doutrina Cristã: manual de exegese e formação cristã, São Paulo: Paulus, 2002, (Patrística; 17), II.17-18. p. 114-115.

[41] Cf. St. Agostinho, Confissões, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 6), 1973, IX.7.15. p. 178-179.

[42]Gordon H.M. Pearce, El Culto Medieval: In: R.G. Turnbull, ed. ger. Diccionario de la Teología Práctica, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1977, p. 29; Donald P. Hustad, Jubilate! A Música na Igreja, São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 109; Henriqueta R.F. Braga, Música Sacra Evangélica no Brasil, Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora, (1961), p. 19; R.G. Rayburn, Adoração na Igreja: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 23.

[43]Henriqueta R.F. Braga, Música Sacra Evangélica no Brasil, p. 19.