Um blog do Ministério Fiel
O pensamento grego e a igreja cristã (Parte 26)
Uma intercessão pela sabedoria do Espírito
Paulo aqui se refere ao Espírito Santo: “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria (sofi/a) e de revelação (a)poka/luyij) no pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) dele” (Ef 1.17).
Surge, então, a pergunta: Como pode ele suplicar em relação aos efésios, que Deus lhes dê Espírito de sabedoria e revelação, considerando que eles eram crentes e, por isso, já possuíam o Espírito Santo?
Na realidade, aqui temos uma oração pelo crescimento espiritual dos efésios. Ele ora pelo fortalecimento espiritual daqueles irmãos. Somente pelo maior conhecimento de Deus poderemos, de fato, amadurecer e nos fortalecer em nossa fé. (Ef 3.16)[1].[2] O amadurecimento na fé nunca é alheado de um maior conhecimento experimental de Deus.
Este tipo de oração não era estranho a Paulo. Ele também ora para que os Colossenses conhecessem a vontade de Deus em sabedoria: “Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) da sua vontade, em toda a sabedoria (sofi/a) e entendimento (su/nesij) espiritual” (Cl 1.9).
Aqui temos em essência o desejo de Paulo para a igreja: Que ela tivesse uma genuína espiritualidade, fundamentada no conhecimento de Deus, controlada pela Escritura, se manifestando em santidade e amor em todas as facetas da vida, tendo a Cristo como Senhor de todos os aspectos de sua existência.[3]
Portanto, este conhecimento, pelo qual o apóstolo ora, tem sempre como ingrediente essencial a prática dele. Conhecer a Deus tem implicações práticas que se refletem em nossa comunhão com Deus, em nossa relação conosco e com o nosso próximo. Observem a sequência da oração de Paulo: “A fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) de Deus” (Cl 1.10).
Como temos enfatizado, todos somos incapazes de entender os “mistérios de Deus” até que Ele mesmo por sua graça nos ilumine.[4] “A Palavra de Deus é uma espécie de sabedoria oculta, a cuja profundidade a frágil mente humana não pode alcançar. Assim, a luz brilha nas trevas, até que o Espírito abra os olhos ao cego”, interpreta Calvino[5]
A voz de Deus é única, no sentido de que, não há contradição. Nos dois livros de Deus, conforme já nos referimos, em sua revelação (Geral e Especial) haverá sempre uma multiforme e harmoniosa mensagem a respeito de glória de Deus e da necessidade de nosso retorno à comunhão com o nosso Criador.
Se Deus pelo Espírito não iluminar a nossa mente, desobstruindo os nossos olhos, jamais a entenderemos salvadoramente.[6] Portanto, quando o Espírito aplica a Palavra ao nosso coração, Ele produz a sua boa obra em nós, gerando a fé salvadora que se direciona para Cristo e para os feitos de Sua redenção.[7] Paulo, portanto, está correto em pedir a Deus que conceda aos efésios Espírito de sabedoria e de revelação.
De semelhante modo, devemos pedir sabedoria a Deus, como nos instrui Tiago:
5 Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria (sofi/a), peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. 6 Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento. 7 Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma coisa; 8 homem de ânimo dobre, inconstante em todos os seus caminhos. (Tg 1.5-8). (Ver também 2Pe 3.15).
Contrastando com esta sabedoria, o poeta trágico grego, Eurípides (480-406 a.C.), cuja obra mais conhecida é Medeia (435 a.C.), em certa ocasião, escreveu:
Os sábios têm duas línguas, uma para dizer o que pensam e a outra para falar conforme as circunstâncias: quando o querem, têm talento para fazer o preto aparecer como branco e o branco como preto, soprando com a mesma boca o calor e o frio e exprimindo com palavras exatamente o contrário do que sentem no peito.[8]
No entanto, a perspectiva bíblica, como temos visto, é totalmente diferente. Analisemos alguns aspectos desta sabedoria a partir do próximo artigo.
[1]“Para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior” (Ef 3.16).
[2]Veja-se: William Hendriksen, Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 1.17), p. 123-125.
[3] Vejam-se: Joel R. Beeke, Espiritualidade Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2014, p. 18; Francis A. Schaeffer, Um Manifesto Cristão. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 166; Francis A. Schaeffer, O Grande Desastre Evangélico. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 288; Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 17.
[4] Cf. João Calvino, As Institutas, II.2.21.
[5] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 2.11), p. 89.
[6]Vejam-se: João Calvino, As Institutas, III.2.33; Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 17), p. 208; John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/4, (Is 59.21), p. 271.
[7]Cf. William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 17.20), p. 772.
[8] Apud: Erasmo de Roterdam, Elogio da Loucura, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, (s.d.), p. 82.