O pensamento grego e a igreja cristã (Parte 29)

O temor a Deus e a Palavra

Nada há de melhor, para desenvolver esse santo temor, do que o reconhecimento da soberana majestade de Deus. – A.W. Pink (1886-1952).[1]

A flor da verdadeira ciência possui sua raiz no temor do Senhor, desenvolve-se a partir desse temor e encontra nele seu princípio, sua força motriz, seu ponto de partida. Se, por meio do pecado, uma pessoa for cortada dessa raiz que procede do temor do Senhor, o resultado inevitável é que tal indivíduo verá a ciência como uma ilusão destituída de qualquer essência. – Abraham Kuyper (1837-1920).[2]

Quando em certa ocasião estive visitando a Usina hidrelétrica de Itaipu, fiquei abismado com o tamanho da construção e das turbinas. O que me chamou muito a atenção foi quando verifiquei um caminhão parado perto de uma das turbinas. De forma comparativa o caminhão me pareceu muito pequeno ainda que não seja, exceto relativamente.

As referências são muito importantes para podermos dimensionar diversos aspectos da realidade.

Quando pensamos em Deus quais as referências que temos?

O oceano pode nos parecer assustador especialmente em meio a uma tempestade. Um avião comercial voando a 11 kms de altitude com turbulência, pode nos inspirar medo pela grandeza do espaço e por estarmos suspensos e de forma bastante insegura.

O tremor de terra por mais ameno que seja, nós, não acostumados a isso, nos assustamos… Porém, nada disso pode se comparar a Deus e ao seu poder.

O temor que Deus inspira é notório nas páginas das Escrituras. Esse temor não ocorre por não conhecermos o seu amor e bondade, antes, pela dimensão de sua grandeza e santidade que ultrapassam qualquer padrão e se mostra, portanto, a nós, de modo terrível, impenetrável e incomensurável. Desse modo, Deus é para ser amado, mas, também, temido. Nada se compara a Ele.

A compreensão correta deve nos conduzir a atitudes compatíveis. Assim sendo, o senso da grandeza incomensurável de Deus deve nos conduzir não à especulação, mas, ao santo temor em obediência e culto.

Os salmistas se alegram no temor de Deus, cientes da sua santa majestade: “Porque grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado, temível (arey”) (yare) mais que todos os deuses” (Sl 96.4). “Celebrem eles o teu nome grande (lAdG”)(gadol) e tremendo (arey”) (yare), porque é santo (vAdq’) (qadosh)” (Sl 99.3).

O nosso santo temor acompanhado de uma atitude condizente, alegra o Senhor. A Palavra nos ensina que Deus abençoa os que o temem: “Ele abençoa os que temem (arey”) (yare) o SENHOR, tanto pequenos como grandes” (Sl 115.13)

Os salmistas confiantes na Palavra de Deus que se concretiza na história dos povos, quer em sua obediência, quer em sua desobediência, colhendo os amargos frutos desse comportamento, escrevem:

…. os juízos  (jP’v.mi) (mishpat) do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente (x;y:) (yahad) (= completamente), justos (qd;c) (tsadaq). (Sl 19.9).

 Bem sei, ó SENHOR, que os teus juízos são justos (qd,c,)(tsedeq). (Sl 119.75/Sl 119.128).

Não há injustiça nos mandamentos de Deus: “A minha língua celebre a tua lei, pois todos os teus mandamentos são justiça (qd,c,) (tsedeq)” (Sl 119.172).

Os mandamentos de Deus não são apenas para determinados grupos, privilegiando castas ou nichos sociais, antes, permanecem com justiça para todos.

Refletindo a sua justiça absoluta, Ele nos instrui por meio de caminhos justos. Os caminhos de Deus são coerentes com a sua natureza justa, correta. Os seus atos são sempre retos.

Por isso, o aprendizado do temor a Deus começa pela leitura e meditação da Palavra, o refletir sobre a gloriosa e majestosa natureza de Deus, seus mandamentos e atos na história.

Ilustremos isso.

Moisés preparando o povo para entrar na Terra Prometida incumbiu aos sacerdotes de organizarem a Festa dos Tabernáculos, uma das três solenidades obrigatórias a todos os judeus.[3] Essas Festas solenes tinham como propósito, manter o povo unido em torno da Aliança, demonstrando às nações vizinhas a condição de povo eleito de Deus e, reafirmar a sua identidade de nação santa escolhida do Senhor, a quem deveriam honrar, obedecer e celebrar.[4]

Nesta solenidade o povo apresentava ofertas a Deus como reconhecimento de suas bênçãos (Dt 16.17):[5]

Quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel.12 Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam (arey) (yare’) o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; 13 para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam a temer (arey) (yare’) o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir. (Dt 31.11-13).

O temor do Senhor – o senso de sua grandeza e majestade – deve estar diante de nós, de nossos desejos, projetos e atitudes. Este deve ser o princípio orientador de nossa vida.

Calvino (1509-1564) faz uma analogia pertinente e esclarecedora:

Visto que os olhos são, por assim dizer, os guias e condutores do homem nesta vida, e por sua influência os demais sentidos se movem de um lado para o outro, portanto dizer que os homens têm o temor de Deus diante de seus olhos significa que ele regula suas vidas e, exibindo-se-lhes de todos os lados para onde se volvam, serve de freio a restringir seus apetites e paixões.[6]

Por meio deste princípio orientador e regulador temos os nossos olhos abertos para as maravilhas de Deus. Longe de ser algo inibidor, é libertador de uma visão míope e cativa de sua percepção enferma.

Veith Jr., escreve sobre esse ponto:

Temer a Deus não é o fim da sabedoria, mas o começo. Uma pessoa que teme a Deus pode se abrir para as alturas vastas e vertiginosas do conhecimento. Aqueles que “praticam” esse temor de Deus podem ter um “bom entendimento” de tudo.[7]

A educação bíblica é magnificamente completa, envolvendo o ensino sobre a santidade e a misericórdia de Deus. Mostra-nos o Deus absoluto e, o quanto carecemos dele. Portanto, biblicamente, devemos caminhar dentro dessa perspectiva: Deus é santo/majestoso, isto nos leva a reverenciá-lo com santo temor. Mas, também, Deus é misericordioso, portanto, devemos amá-lo com toda a intensidade de nossa existência.

A santidade nos fala de sua justiça. A misericórdia nos conduz a refletir sobre o seu incomensurável amor que fez com que Ele se desse a conhecer, consumando a sua revelação em Jesus Cristo, o Deus encarnado (Hb 1.1-4).

A eliminação de uma dessas duas percepções do ser de Deus nos conduziria a uma compreensão equivocada de quem é Deus e, consequentemente de nosso relacionamento com Ele. Uma teologia equivocada promove uma fé distorcida e uma ética estéril. A genuína vida cristã parte sempre de uma compreensão adequada do Deus infinito e pessoal; o Deus que se revela.

O nosso amor a Deus começa pelo conhecimento de sua majestade. Downs enfatiza corretamente: “O amor por Deus deve estar enraizado apropriadamente no solo de nosso temor de Deus”.[8] Portanto, devemos não simplesmente temer o castigo de Deus, antes temer pecar contra Deus, o nosso Santo e Majestoso Senhor.

O salmista Davi depois de grande prova e livramento, escreve: “Vinde, filhos e escutai-me; eu vos ensinarei (dml) (lamad)[9] o temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR” (Sl 34.11). Restaurado por Deus após ter pecado, confessado e se arrependido, Davi propõe-se a ensinar o caminho de Deus: “Então, ensinarei (dml) (lamad) aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti” (Sl 51.13).

O ensino sobre Deus, envolve, portanto, a sua justiça e misericórdia perdoadora.

O temor a Deus como princípio de vida

O temor de Deus é algo essencial à vida cristã. A Palavra nos mostra em diversas passagens como este temor longe de ser algo que nos afaste de Deus causando uma ansiedade paralisante,[10] é resultado do conhecimento de Deus, do seu amor, bondade, misericórdia, santidade, justiça e glória.[11]

O temor do Senhor é uma relação de graça por meio da qual podemos conhecer a Deus, nos relacionar com Ele tendo alegria e gratidão por temê-lo. O amor como compromisso nos estimula a servir a Deus em alegre obediência. “A graça e o favor de Deus não abolem a solenidade do trato”, adverte-nos Mundle.[12] O nosso santo temor a Deus se manifesta em amor obediente.[13]

O temor de Deus envolve o senso de nossa pequenez e da sua maravilhosa graça. O temor de Deus é um encantamento com a sua majestade e a consciência de nosso pecado e carência de sua misericórdia. Aliás, o Senhor é quem nos ensina a temê-lo e reverenciá-lo.

Estou convencido que o temor de Deus é um aprendizado de amor que se manifesta em admiração, obediência e culto[14] tendo implicações em todas as áreas de nossa vida. Temer a Deus deve ser o princípio orientador de nossa vida e decisões. Temer a Deus é graça! Por isso, como veremos, são bem-aventurados aqueles que temem ao Senhor. Analisemos agora alguns aspectos deste assunto tão fascinante.

Negativamente

Os homens perversos, por não terem conhecimento de Deus, em seus atos revelam não temer a Deus: “Há no coração do ímpio a voz da transgressão; não há temor  (dx;P;) (pahad)[15] de Deus diante de seus olhos” (Sl 36.1).

A ausência do temor de Deus contribui para a perversidade, proporcionando a falsa impressão ao homem de sua autonomia, propiciando, portanto, a manifestação de sua perversidade visto que se considera além de qualquer juízo. Os seus olhos se constituem no critério final de percepção da realidade e, por isso mesmo, de padrão de seu comportamento.

O desejo por autonomia, se traduzirá em ateísmo ou em deísmo: Ou Deus está morto ou habita em outra esfera como “totalmente outro”, nada tendo a ver conosco, com os fatos e a história. Neste caso, o mundo seria apenas dirigido por leis, sendo nós reduzidos, no máximo, a um dente de engrenagem.[16]

Obviamente, essas posturas conduzem os seus proponentes, se forem coerentes, ao irracionalismo, já que faltará algo que faça sentido na estruturação do mundo.[17]

Na parábola contada por Jesus, temos uma ilustração de tal pensamento e comportamento por parte do juiz iníquo que pouco se importava com a essência das questões a serem julgadas, antes, visava sempre ao seu interesse e comodidade. O centro do direito era a sua pessoa e as suas circunstâncias:

2Havia em certa cidade um juiz que não temia  (fobe/w) a Deus, nem respeitava homem algum.  3Havia também, naquela mesma cidade, uma viúva que vinha ter com ele, dizendo: Julga a minha causa contra o meu adversário.  4 Ele, por algum tempo, não a quis atender; mas, depois, disse consigo: Bem que eu não temo (fobe/w) a Deus, nem respeito a homem algum. (Lc 18.2-4).

No entanto, quem assim age, colherá os frutos de seus atos: “…. o perverso não irá bem, nem prolongará os seus dias; será como a sombra, visto que não teme (arey) (yare’) diante de Deus” (Ec 8.13).

Positivamente

Devemos pedir ao Senhor que nos ensine a temê-Lo

Por mais paradoxal que possa parecer, o temor do Senhor é um aprendizado de amor. Por isso, diante de tantos poderes que nos angustiam e ameaçam, o servo de Deus deve pedir ao Senhor que nos ensine a só temê-lo. Este santo temor é um aprendizado da fé resultante do maior conhecimento de Deus.

O nosso caminhar e as veredas que seguimos revelam a nossa lealdade ao Senhor a quem tememos em amor. Assim ora o salmista: Ensina-me (hr’y”) (yarah)[18] SENHOR, o teu caminho, e andarei na tua verdade; dispõe-me o coração (לבב) (lêbâb) para só temer (arey) (yare’) o teu nome” (Sl 86.11).

Quando tememos a Deus, por encontrarmos nele o sentido da vida e da eternidade, aprendemos a vencer todos os outros temores irrelevantes (Jo 6.20/Mt 10.26,28,31; 14.27,30).[19] 

Diante de tantas opções que se mostram querendo nos tornar cativos de suas percepções e ações, aprendemos que na realidade, o único caminho viável para aqueles que amam ao Senhor e confiam nos seus preceitos,  é seguir as suas instruções. “Ao homem que teme (arey) (yare’) ao SENHOR, ele o instruirá (hr’y”) (yârâh) no caminho que deve escolher” (Sl 25.12).

“O temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR é límpido (rAhj’) (tahor) (puro,[20] limpo) e permanece para sempre; os juízos do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente, justos” (Sl 19.9). A Palavra de Deus é absolutamente clara no que Deus requer de nós. Ela é direta em suas orientações. Não há obscuridade no mandamento de Deus, impedimentos à nossa compreensão.

O nosso temor a Deus é totalmente confiante nas suas promessas, convictos de sua santidade e majestade. Por isso podemos sincera e confiantemente atentar para a sua Palavra considerando a veracidade e objetividade de seus mandamentos. Não há contradição em Deus nem nos seus mandamentos. Há uma perfeita harmonia essencial em todos os seus preceitos.

É um princípio orientador de nossa vida

O temor do Senhor é o princípio da sabedoria. Não podemos sequer pensar em ser sábios se não dermos ouvidos, com humildade, a Deus e à sua Palavra. – Vern S. Poythress.[21]

No temor de Deus encontramos clareza de propósito e sabedoria de ensino. Nos seus princípios temos a origem da sabedoria e uma condução segura para a nossa vida. O fundamento de todo conhecimento verdadeiro está no temor do Senhor. Aqui temos a essência da sabedoria.

Diversos textos das Escrituras nos mostram esses aspectos:

O temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR conduz à vida; aquele que o tem ficará satisfeito, e mal nenhum o visitará. (Pv 19.23).

O temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR é a instrução da sabedoria. (Pv 15.33).

O temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR é o princípio do saber, mas os loucos (אֱוִיל) (‘eviyl)  desprezam a sabedoria e o ensino. (Pv 1.7/Pv 15.5).

Estes “loucos” desprezam a instrução do Senhor porque têm prazer em suas loucuras. São sábios aos seus próprios olhos: “O caminho do insensato (אֱוִיל) (‘eviyl) aos seus próprios olhos parece reto” (Pv 12.15/Pv 14.3). Acham graça de seus próprios pecados: “Os loucos (אֱוִיל) (‘eviyl) zombam do pecado” (Pv 14.9). Contudo, eles sofrerão as consequências de seus atos: “Os estultos (אֱוִיל) (‘eviyl), por causa do seu caminho de transgressão e por causa das suas iniquidades, serão afligidos” (Sl 107.17/Pv 10.8,10,14,21).

“O temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR é o princípio da sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam. O seu louvor permanece para sempre” (Sl 111.10). As Escrituras referem-se a Cornélio deste modo: “Piedoso e temente (fobe/w) a Deus com toda a sua casa e que fazia muitas esmolas ao povo e, de contínuo, orava a Deus” (At 10.2/At 10.22).

A Escritura ensina também a importância deste temor diante de Deus entre todos os povos: “Em qualquer nação, aquele que o teme (fobe/w) e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 10.35). Ou seja: a questão da satisfação de Deus não é étnica ou cultural, antes, é de obediência sincera.

Somos informados por Lucas que a Igreja em Atos crescia e se desenvolvia com este estimulante e confortador sentimento: “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor (fo/boj) do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31).

Temor e integridade

No final da vida, Josué que conduzira a Israel por tantos anos, reúne toda a liderança e o povo. Relembra-lhes a história de Israel, os atos de Deus de formação e preservação. Josué estimula o povo a reafirmar sua fidelidade à Aliança feita com Deus. As suas palavras são de exortação a temer a Deus e a  servi-Lo, como vimos, com integridade: “Agora, pois, temei (arey) (yare’) ao SENHOR e servi-o com integridade (~ymiT’) (tamiym) e com fidelidade; deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e no Egito e servi ao SENHOR” (Js 24.14).

O Livro de Jó começa com uma descrição do seu caráter: “Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro (~T’) (tam) (completo, inteiro) e reto, temente (arey) (yare’) a Deus e que se desviava do mal” (Jó 1.1/Jó 1.8; 2.3).

Paulo no Novo Testamento estimula a igreja a se desenvolver em santidade no temor do Senhor: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor  (fo/boj) de Deus” (2Co 7.1).

Anda no Caminho do Senhor

Ao mesmo tempo em que o temor do Senhor nos afasta do mal,  nos aproxima de Deus, nos  levando a andar nos seus preceitos. Por isso, o temor do Senhor é um princípio de vida seguro e bem-aventurado. É como expressa o salmista:  “Bem-aventurado aquele que teme (arey) (yare’) ao SENHOR e anda nos seus caminhos!” (Sl 128.1).

Tem prazer na Lei do Senhor

 O temor do Senhor é educativo. Ele ensina a nos aproximar de Deus e a nos agradar nos seus mandamentos, descobrindo a alegria da obediência ao nosso Senhor. “Aleluia! Bem-aventurado o homem que teme (arey) (yare’) ao SENHOR e se compraz  (#pex’) (haphets)(tem grande prazer) nos seus mandamentos” (Sl 112.1).

Aptos para governar

Quando o sogro de Moisés o aconselha a nomear auxiliares para julgar o povo, sugere o critério: “Procura dentre o povo homens capazes (lyIx;) (hayil) (pessoas hábeis, honradas e de bem), tementes (arey) (yare’) a Deus, homens de verdade (tm,a/) (‘emeth) (fiel, digno de confiança), que aborreçam a avareza” (Ex 18.21).

Estes homens, são qualificados de “homens de verdade”; ou seja: são honrados, íntegros, dignos de confiança. De passagem, podemos dizer que aqui temos um indicativo do significado de hombridade: ser fiel, digno de confiança.

Após o retorno do cativeiro babilônio, quando Neemias explica a nomeação de Hananias para supervisionar a segurança da cidade de Jerusalém, ele apresenta o critério do qual se valeu:

Ora, uma vez reedificado o muro e assentadas as portas, estabelecidos os porteiros, os cantores e os levitas, 2 eu nomeei Hanani, meu irmão, e Hananias, maioral do castelo, sobre Jerusalém. Hananias era homem fiel (tm,a/) (‘emeth) (verdadeiro, digno de confiança) e temente (arey) (yare’) a Deus, mais do que muitos outros. (Ne 7.1-2).

O Temor a Deus e a nossa vida social

O temor a Deus tem implicações éticas. Daí a Escritura ao qualificar os servos de Deus como homens tementes a Deus, sempre os apresentam com virtudes relevantes dentro do ponto que se quer enfatizar.

Há uma identificação natural entre tais pessoas devido aos princípios, valores e práticas semelhantes. Temos prazer em conviver com pessoas que temem ao Senhor. Essa santa e piedosa afinidade é natural.  Devemos cultivar isso: Companheiro sou de todos os que te temem (arey) (yare’) e dos que guardam os teus preceitos” (Sl 119.63).

O temor do Senhor nos aproxima por identificarmos propósitos semelhantes. Somos pecadores, contudo, buscamos em Deus o perdão e a correção. Ainda que não possamos nem devamos transformar as nossas relações sociais em um gueto ou uma casta de homens e mulheres com espírito farisaico ‒ e isso deve ficar bem claro para nós ‒, sabemos que é altamente salutar e alegre conviver com os nossos irmãos buscando a edificação recíproca. É o que expressa o salmista: “Alegraram-se os que te temem (arey) (yare’) quando me viram, porque na tua palavra tenho esperado” (Sl 119.74).Voltem-se para mim os que te temem (arey) (yare’) e os que conhecem os teus testemunhos” (Sl 119.79).

Alcorn faz uma constatação pertinente: “Aqueles com quem decidimos gastar nosso tempo disponível moldarão dramaticamente nossa vida”.[22] (1Co 15.33; Pv 13.20).

A Escritura também nos adverte quanto a critérios puramente estéticos sem uma avaliação mais substancial e relevante: “Enganosa é a graça, e vã, a formosura, mas a mulher que teme (arey) (yare’) ao SENHOR, essa será louvada” (Pv 31.30).

A mulher que teme ao Senhor revelará também a sua beleza em atos de sábia obediência. Importa dizer aqui que a Escritura não faz apologia à falta de beleza e formosura, antes, declara que estes aspectos solitários, além de ilusórios, são passageiros. O que de fato deve ter prioridade, ainda que não necessária exclusividade, é o temor do Senhor.


[1]A.W. Pink, Deus é Soberano, São Paulo: Editora Fiel, 1977, p. 140.

[2] Abraham Kuyper,  Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte,  Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 50.

[3]Ela ocorria no final do ano, quando eram reunidos os trabalhadores do campo. Nesses dias todos os judeus deveriam habitar em tendas de ramos: “Sete dias habitareis em tendas de ramos; todos os naturais em Israel habitarão em tendas; para que saibam as vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em tendas, quando os tirei da terra do Egito” (Lv 23.42-43). Esta festa era caracterizada por grande alegria: Alegrar-te-ás, na tua festa, tu, e o teu filho, e a tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita, e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva que estão dentro das tuas cidades” (Dt 16.14). Assim descreve Edersheim (1825-1829): “A mais alegre de todas as festas do povo israelita era a Festa dos Tabernáculos. Ela caía justamente num tempo do ano, em que todos os corações estavam repletos de gratidão, de contentamento e de esperança. Já as colheitas estavam guardadas nos celeiros; todos os frutos estavam também sendo recolhidos, a vindima estava feita, e a terra aguardava apenas que as ‘últimas chuvas’ amolecessem e refrescassem o chão, a fim de que nova colheita fosse preparada. (…) Ao lançar os olhos para a terra dadivosa e para os frutos que os havia enriquecido, deveriam os israelitas lembrar-se de que só pela miraculosa intervenção divina tinham eles conquistado esta pátria, cuja propriedade, entretanto, Deus sempre reclamara por direito Seu” (Alfredo Edersheim, Festas de Israel, São Paulo: União Cultural Editora, (s.d.), p. 83).

[4] Cf. Matthew Henry, Comentario Exegético-Devocional a toda la Biblia – El Pentateuco, Barcelona: CLIE, 1983, (Dt 16.1-17), p. 825.

[5]“Cada um oferecerá na proporção em que possa dar, segundo a bênção que o SENHOR, seu Deus, lhe houver concedido” (Dt 16.17).

[6]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.1), p. 122-123.

[7]Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 135.

[8]Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 180.

[9]A ideia básica de (למד) (lamad) é a de aprender, ensinar, treinar, educar, acostumar-se a; familiarizar-se com (Cf. Walter C. Kaiser, Lâmad: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 791; D. Müller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1 p. 662; A.W. Morton, Educação nos tempos bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261; E.H. Merrill, dml: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 800-802.

[10]Cf. Mt 28.4.

[11] “A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 6.20), p. 187). “Quem quer que deseje crescer na fé deve também ser diligente em progredir no temor do Senhor” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 25.14), p. 557).

[12] W. Mundle, Medo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 147.

[13] “Não existe incompatibilidade entre amor e obediência; pois na vida verdadeiramente santificada existe a obediência em amor e o amor obediente” (Ernest Kevan, A Lei Moral, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 9).

[14] “Se um genuíno conhecimento de Deus habita os nossos corações, seguir-se-á inevitavelmente que seremos conduzidos a reverenciá-lo e a temê-lo. Não é possível ter genuíno conhecimento de Deus exceto pelo prisma de sua majestade. É desse fator que nasce o desejo de servi-lo, e daqui sucede que toda a vida é direcionada para ele como seu supremo alvo” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.6), p. 306).

[15]dx;P; (pahad) pode ser considerado um sinônimo poético de (arey) (yare’) (Cf. Andrew Bowling, Pahad: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1209).

[16] Cf. B.B. Wardield, O Plano da Salvação, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 12-13.

[17] Veja-se: John M. Frame, A Doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 94-103.

[18] Figuradamente tem o sentido de mostrar, indicar, “apontar o dedo”. Encaminhar (Gn 46.28); disparar (Sl 11.2; 64.4); apontar (Sl 25.8); atingir (Sl 64.4); desferir (Sl 64.7). No hifil, conforme o texto citado, tem o sentido de “ensinar”.

[19]19 Tendo navegado uns vinte e cinco a trinta estádios, eis que viram Jesus andando por sobre o mar, aproximando-se do barco; e ficaram possuídos de temor (fobe/w). 20 Mas Jesus lhes disse: Sou eu. Não temais (fobe/w)! 21 Então, eles, de bom grado, o receberam, e logo o barco chegou ao seu destino(Jo 6.19-21). 5 Mas o anjo, dirigindo-se às mulheres, disse: Não temais (fobe/w); porque sei que buscais Jesus, que foi crucificado. 6 Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito. Vinde ver onde ele jazia. 7 Ide, pois, depressa e dizei aos seus discípulos que ele ressuscitou dos mortos e vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis. É como vos digo! 8 E, retirando-se elas apressadamente do sepulcro, tomadas de medo (fo/boj) e grande alegria, correram a anunciá-lo aos discípulos. 9 E eis que Jesus veio ao encontro delas e disse: Salve! E elas, aproximando-se, abraçaram-lhe os pés e o adoraram. 10 Então, Jesus lhes disse: Não temais (fobe/w)! Ide avisar a meus irmãos que se dirijam à Galiléia e lá me verão(Mt 28.5-10). “Ao temermos a Deus, os outros temores desvanecem” (William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 38).

[20] Jó 14.4; 17.9; 28.19; Sl 12.6; Ml 1.11.

[21]Vern S. Poythress, Teologia Sinfônica: a validade das múltiplas perspectivas em teologia,  São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 24.

[22]Randy Alcorn, Decisões Diárias cumulativas, coragem em uma causa e uma vida de perseverança: In: John Piper; Justin Taylor, eds. Firmes: um chamado à perseverança dos santos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, p. 107.