O pensamento grego e a igreja cristã (Parte 30)

O temor a Deus em nossa relação com o Senhor

O temor a Deus em nossa relação com o Senhor

“A intimidade (dAs) (sod) (conselho secreto, conversa confidencial) do SENHOR é para os que o temem (arey) (yare’), aos quais ele dará a conhecer a sua aliança” (Sl 25.14).

O temor de Deus nos fala de um senso de reverência pelo fato de conhecermos a Deus, sabermos de sua grandeza e majestade. Os que temem a Deus são os íntimos; têm “conversas confidenciais” com o Senhor.

Mais uma vez nos deparamos com um paradoxo. O senso de temor, longe de nos afastar, nos aproxima de Deus. Somos tornados íntimos de Deus. É Ele mesmo quem nos aproxima de si. Deus compartilha com os que o temem, a sua aliança, o seu propósito e conselho, colocando no coração destes a alegria e a confiança de saber de forma experiencial quem é o seu Deus, o Deus da Aliança, digno de todo temor  ‒ próprio daqueles que são íntimos do Senhor ‒, e alegre obediência. Por isso, conforme escreve Patterson, “o homem justo e reto, que anda no temor do Senhor, receberá o conselho secreto de Deus”.[1]

a) Confiam e esperam no Senhor

Os salmistas com experiências semelhantes, testemunham a sua fé no Senhor:

Alegraram-se os que te temem (arey) (yare’) quando me viram, porque na tua palavra tenho esperado. (Sl 119.74).

Confiam no SENHOR os que temem (arey) (yare’) o SENHOR; ele é o seu amparo e o seu escudo. De nós se tem lembrado o SENHOR; ele nos abençoará; abençoará a casa de Israel, abençoará a casa de Arão. Ele abençoa os que temem (arey) (yare’) o SENHOR, tanto pequenos como grandes. (Sl 115.11-13).

O SENHOR está comigo; não temerei (arey) (yare’). Que me poderá fazer o homem? (Sl 118.6).

Os que temem ao Senhor ainda que não possam discernir em cada etapa de sua vida o propósito de Deus, conhecem o seu Deus, por isso, podem descansar em suas promessas, sabendo que os caminhos de Deus são sempre perfeitos.

b) Têm uma visão correta da misericórdia de Deus da qual são beneficiários

Os salmistas, como homens pecadores, porém, tementes a Deus, que tinham consciência da misericórdia de Deus sobre suas vidas, alegram-se na majestade tremenda e misericórdia paternal de Deus:

Digam, pois, os que temem (arey) (yare’) ao SENHOR: Sim, a sua misericórdia dura para sempre. (Sl 118.4/Sl 103.11,17).

Eis que os olhos do SENHOR estão sobre os que o temem (arey) (yare’), sobre os que esperam na sua misericórdia, para livrar-lhes a alma da morte, e, no tempo da fome, conservar-lhes a vida. Nossa alma espera no SENHOR, nosso auxílio e escudo. Nele, o nosso coração se alegra, pois confiamos no seu santo nome. Seja sobre nós, SENHOR, a tua misericórdia, como de ti esperamos. (Sl 33.18-22).

Como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se compadece dos que o temem (arey) (yare’). (Sl 103.13).

Usando ideologicamente do nome graça, podemos nos tornar arrogantes. No então, nas Escrituras, não há lugar para isso. A graça corretamente compreendida é um estímulo ao temor: “Bem! Pela sua incredulidade, foram quebrados; tu, porém, mediante a fé, estás firme. Não te ensoberbeças, mas teme (fobe/w) (Rm 11.20). Sem dúvida. Graça merecida seria uma contradição de termos (Rm 11.6)

c) Sentem-se seguros

Como Deus cuida de nós, podemos nos sentir seguros, protegidos por Ele mesmo: Temei (arey) (yare’) o SENHOR, vós os seus santos, pois nada falta aos que o temem (arey) (yare’) (Sl 34.9). “Dá sustento aos que o temem (arey) (yare’); lembrar-se-á sempre da sua aliança” (Sl 111.5).

Se Deus é a nossa fortaleza, a ninguém temeremos: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei (arey) (yare’) mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam” (Sl 23.4/Sl 34.7; 56.3-4,11).

Os mais terríveis temores podem ser dominados pela plena confiança no cuidado de Deus. Esse é o testemunho e estímulo do salmista aos que creem: “O SENHOR é a minha luz e a minha salvação; de quem terei medo (arey) (yare’)? O SENHOR é a fortaleza da minha vida; a quem temerei (dx;P’) (pahad)?” (Sl 27.1/Is 12.2).

d) Deus lhes atende à oração

“Ele acode à vontade dos que o temem (arey) (yare’); atende-lhes o clamor e os salva” (Sl 145.19). O temor do Senhor não nos torna imunes a angústias próprias de nossa existência e limitações. Contudo, há uma certeza: Deus não é indiferente à nossa oração. Dentro de seu santo propósito, Ele nos consola ouvindo o nosso clamor, nos salvando.

Como é confortador saber que o nosso Deus, diferentemente dos deuses pagãos – que só existem na imaginação dos que creem -, é  soberanamente solícito para conosco. Ele é de fato o nosso Senhor e Pastor.

Deus não é indiferente ao nosso clamor. Ele nos deu a sua Palavra e, nos concedeu seus ouvidos para que possamos falar com Ele. A sua Palavra deve ser o estímulo e o conteúdo de nossas orações.

Os salmistas, entre tantos outros servos de Deus, em suas angústias, diversas vezes se alimentavam na certeza de que Deus ouve as suas orações: “Tens ouvido ([m;v’) (shama),[2] SENHOR, o desejo dos humildes; tu lhes fortalecerás o coração e lhes acudirás” (Sl 10.17).

Ainda que sejamos tentados em nossa precipitação a achar que Ele está distante ou muito ocupado, Deus sempre ouve com atenção as nossas súplicas. É o que demonstra Davi em outro Salmo: “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença. Não obstante, ouviste ([m;v’) (shama) a minha súplice voz, quando clamei por teu socorro” (Sl 31.22).[3]

Deus nos deu a sua Palavra e, nos concedeu seus ouvidos para que possamos falar com Ele. A sua Palavra deve ser o estímulo e o conteúdo de nossas orações.

Como Pai, Deus nos escuta atentamente quando nos dirigimos a Ele com fé e, até mesmo, por vezes, em nossos desatinos e confusões espirituais.

Davi declara que “os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos ao seu clamor” (Sl 34.15).

e) São bem-aventurados com as bênçãos de Deus

Como o temor de Deus envolve uma relação amorosa com Deus, tendo implicações em todas as nossas relações, a Escritura declara com frequência a bem-aventurança própria daqueles que temem a Deus:

Aleluia! Bem-aventurado o homem que teme (arey) (yare’) ao SENHOR e se compraz nos seus mandamentos. (Sl 112.1).

Ele abençoa os que temem (arey) (yare’) o SENHOR, tanto pequenos como grandes. (Sl 115.13).

Bem-aventurado aquele que teme (arey) (yare’) ao SENHOR e anda nos seus caminhos!. (Sl 128.1/Sl 128.4).

Como é grande a tua bondade, que reservaste aos que te temem(arey) (yare’), da qual usas, perante os filhos dos homens, para com os que em ti se refugiam! (Sl 31.19).

O temor do Senhor e o culto

O escritor de Hebreus instrui aos cristãos da nova Aliança a aproximarem-se de Deus com confiança em Cristo. Acrescenta:

Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável (* eu)are/stwj =  “de modo aceitável”), com reverência (ai)dw/j) (= modéstia) e santo temor  (eu)la/beia) (= reverentemente, piedosamente); porque o nosso Deus é fogo consumidor. (Hb 12.28-29).

Nós cultuamos a Deus, a quem conhecemos, tendo uma visão clara, ainda que não exaustiva, de sua majestade e santidade. Devemos ter diante de nossos olhos esses aspectos em nosso culto solene a Deus.

Outro ponto que quero destacar, é que devemos ter prazer em compartilhar entre os santos os feitos de Deus em nossa vida: o seu perdão, a sua misericórdia, proteção e paz. Esse é o convite do salmista aos seus ouvintes: “Vinde, ouvi, todos vós que temeis (arey) (yare’) a Deus, e vos contarei o que tem ele feito por minha alma” (Sl 66.16).

Sentimos prazer da companhia de nossos irmãos no culto a Deus. É o que declara o salmista:

A meus irmãos declararei o teu nome; cantar-te-ei louvores no meio da congregação; vós que temeis (arey) (yare’) o SENHOR, louvai-o; glorificai-o, vós todos, descendência de Jacó; reverenciai-o, vós todos, posteridade de Israel. Pois não desprezou, nem abominou a dor do aflito, nem ocultou dele o rosto, mas o ouviu, quando lhe gritou por socorro. De ti vem o meu louvor na grande congregação; cumprirei os meus votos na presença dos que o temem (arey) (yare’). (Sl 22.22-25).

O nosso cântico deve ser um testemunho dos atos de Deus a fim de que outros possam também aprender a temer e confiar no Senhor: 

Esperei confiantemente pelo SENHOR; ele se inclinou para mim e me ouviu quando clamei por socorro. Tirou-me dê um poço de perdição, de um tremedal de lama; colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou os passos. E me pôs nos lábios um novo cântico, um hino de louvor ao nosso Deus; muitos verão essas coisas, temerão (arey) (yare’) e confiarão no SENHOR. (Sl 40.1-3).

No Apocalipse encontramos cantos angelicais de louvor considerando a majestade de Deus como digna de temor:

Temei  (fobe/w) a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas. (Ap 14.7).

Quem não temerá (fobe/w) e não glorificará o teu nome, ó Senhor? Pois só tu és santo; por isso, todas as nações virão e adorarão diante de ti, porque os teus atos de justiça se fizeram manifestos. (Ap 15.4).

Saiu uma voz do trono, exclamando: Dai louvores ao nosso Deus, todos os seus servos, os que o temeis (fobe/w), os pequenos e os grandes. (Ap 19.5).

O temor a Deus além de orientador de nossa conduta, deve nos mover a louvar a Deus em comunhão com nossos irmãos.

Peterson (1932-2018) expressou bem um aspecto relevante do culto comunitário:

A oração-modelo não é solitária, mas feita em comunidade. O contexto bíblico fundamental é a adoração. É por isso que o culto me parece ser o lugar certo. É o único contexto no qual podemos recuperar a profundidade do Evangelho.[4]


[1]R.D. Patterson, Swd: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1031.

[2] A palavra quando se refere a Deus como aquele que ouve, tem o sentido de ouvir e responder.

[3]8Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, porque o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a voz do meu lamento; 9 o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração” (Sl 6.8-9).

[4]Eugene H. Peterson, O pastor contemplativo: voltando à arte do aconselhamento espiritual, Rio de Janeiro: Textus, 2002, p. 17.